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Para a adequação do crime de furto de energia, o STJ entende que a conduta perpetrada por aqueles que furtam sinal de TV a cabo é a mesma daqueles que subtraem energia atômica, elétrica, genética, dentre outras expostas e demonstradas no item 4.1, que coadunam com o rol de motivos expostos no Código Penal.

Ou seja, o STJ considera como que a energia do sinal emitido da TV é traduzida em energia radiante. Que por sua vez, é abarcado pelo entendimento previsto naquele ordenamento, pelo fato da expressão lá descrita dizer: “qualquer outra que tenha valor econômico”.

Por isso, entende o STJ que a conduta de quem subtrai o sinal de TV a cabo, está tipificada e adequada aos ditames do que o legislador previu em norma.

Sobre a questão da energia, segundo Borges (2017), ao ser questionado sobre o qual é a energia proveniente dos sinais de TV a cabo, respondeu que:

O que se propaga nesses cabos são ondas eletromagnéticas (OEM). Uma onda eletromagnética, de uma maneira bem direta, são perturbações dos campos elétrico e magnético que se propagam com velocidade constante (essa velocidade depende do meio, ser não houver meio - ou seja, no vácuo - a velocidade é aquela conhecida de 300.000 km/s). Essas perturbações podem ser produzidas por uma infinidade de processos naturais ou artificiais. Excluídos os processos naturais (por exemplo, a luz vinda do Sol), umas das características fundamentais dessas perturbações é a escala de tempo que elas são produzidas (ou seja, sua frequência) e o meio pelo qual elas se propagam. Mais especificamente, as OEM das TVs a cabo têm frequências no intervalo de 3 kHz a 300 GHz (radiofrequência) e viajam em cabo coaxiais. OEM na radiofrequência também são utilizadas para transmitir informações através do ar, mas no caso da TV a cabo, essas OEM viajam confinadas nos cabos coaxiais. Na realidade, são transmitidos conjuntos/pacotes de OEM nesse intervalo de frequência que são lidos pelo aparelho receptor do consumidor (para quantidade informações necessárias para um sinal de imagem, uma frequência não seria suficiente).

De uma maneira geral, ondas transportam energia. No caso específico das OEM, transportam a energia despendida para gerar as perturbações nos campos elétrico e magnético. Apesar das perturbações serem gerada em uma região bem definida (do espaço), as OEM carregam essa energia utilizada na sua geração para pontos distantes. No caso de um sinal da TV a cabo, a geração da "perturbação" é feita de maneira projetada para conter em si uma informação (e a OEM serve como transmissor dessa informação). Em suma, há um gasto energético para gerar (e codificar) a OEM que viaja através do cabo. Um detalhe que vale a pena destacar, é que, como a OEM viaja em um meio (cabo coaxial), é dissipação da energia, portanto na transmissão desses sinal devem ser utilizados amplificadores (com gasto energético para esse incremento da energia da OEM).

Portanto, o que viaja no cabo não é propriamente uma "energia", mas sim uma onda eletromagnética, que propaga a energia utilizada em sua geração (que transporta a informação da imagem, lida pelo conversor) (ANEXO F deste trabalho, grifos nossos).

Dessa análise perpetrada pelo professor, doutor, de física da Universidade Federal de Santa Catarina, campus Araranguá-SC, notamos que a posição do STJ, quando cita energia, não está de todo incorreto.

Contudo, ao questionarmos ao doutor em física se a energia presente nos cabos dos postes seria suficiente para realizar trabalho, obtivemos a seguinte resposta:

Falando no sentido amplo do que é propagado por uma OEM, sim (OEM transportam energia, momento linear e momento angular). Se estivermos nos referindo àquela acepção cotidiana, como capacidade de "movimentar algo ou algum motor ou levantar um peso", não (sua intensidade - energia por unidade de tempo por unidade de área - é muito baixa). Nesse caso, a OEM serve como portador da informação ("embutida" na geração da perturbação), que deve ter custado algo para ser gerado, em termos de energia. Além dos amplificadores intermediários nas linhas de transmissão, o receptor doméstico desse sinal deve ler o sinal (e fornecer energia, já que é ligado na tomada), para que ele se materialize como imagem no televisor (ANEXO F deste trabalho).

De certo modo, simplificando, são ondas eletromagnéticas com o intuito de repassar informações para que o aparelho na residência faça o trabalho de decodificar e transmitir a imagem no televisor.

Assim, errado está o STF, segundo essa análise interdisciplinar, em dizer que aquelas ondas não são de forma alguma energia.

Contudo, pela resposta que tivemos, a energia ali disposta seria insuficiente para a geração de energia capaz de prover trabalho, diferente daquela dos cabeamentos dispostos nos postes de energia elétrica, comuns a grande parte das residências.

Por isso, razão assiste ao STF, por entender que não pode ser o sinal de TV a cabo equiparado à energia elétrica, tampouco àquela presente no Rol de Motivos já exposto, uma vez que todas aquelas lá citadas são capazes de realizar movimentos, salvo a energia genética que tem outros fins [utilizada para a reprodução de bovinos, por exemplo, mas que está abarcada no rol].

Em um primeiro momento, desconsideramos a ideia de que, quando falamos de energia, o artigo 56 do Rol de Exposição de Motivos do Código Penal, ao preconizar que “qualquer outra” queria se referir a todo tipo de onda, o que acabaria abrangendo qualquer tipo de energia existente.

Entretanto, notamos, agora, que o termo utilizado pelo Rol não foi o mais adequado, uma vez que preconiza: “qualquer outra que tenha valor econômico”, o que faria com que o STJ tivesse razão no ponto de considerar energia, visto que o termo utilizado no código deixa margem para uma interpretação muito ampla dos conceitos de energia.

Contudo, o próprio STJ, ao considerar o conceito de energia, queria se referir àquela que é capaz de gerar trabalho, conforme mostrado no seu voto, o que foi rebatido pela opinião do doutor em física, que deixou claro que não é possível realizar trabalho na forma que lá está disposta.

Assim, o STJ estaria, de certo modo, concordando com o STF, pois, as energias que realizam trabalho, são diferentes daquelas ondas eletromagnéticas dos sinais de TV por assinatura.

E, dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça acaba se perdendo em suas alegações, uma vez que citou que:

[...] o conceito de energia na definição do Dicionário Houaiss como a "capacidade que um corpo, uma substância ou um sistema físico têm de realizar trabalho", e do

Dicionário Aurélio, como a "propriedade de um sistema que lhe permite realizar trabalho. A energia pode ter várias formas (calorífica, cinética, elétrica,eletromagnética, mecânica, potencial, química, radiante), transformáveis umas nas outras, e cada uma capaz de provocar fenômenos bem determinados e característicos nos sistemas físicos (ANEXO A, grifo do autor).

Por isto, entendemos que o STJ se equivocou ao citar o conceito de energia como a equiparação daquela utilizada pelos sinais de TV a cabo, porquanto são distintas.

Ademais, se assim não o fosse, qualquer energia proveniente de ondas que tenham valor econômico, seriam classificadas como energia, o que equipararia à figura do crime de furto de energia elétrica, nas ondas provenientes da propagação dos sinais de celulares, de rádio, dentre outros; ou seja, qualquer onda capaz de transmitir alguma espécie de energia.

Outra questão que concordamos, sobre a perspectiva do STF, é aquela análise do verbo nuclear do crime de furto. Entendemos que, conforme a sua posição, que o sinal de TV a cabo não pode ser subtraído, ou seja, pode ser receptado ou interceptado.

Conforme estudamos em capítulo próprio, subtrair é retirar algo da esfera da vigilância do dono. É a diminuição do seu patrimônio. O que não ocorre com o sinal de TV a cabo.

Por certo, a empresa deixa de auferir renda, o que afronta ao verbo nuclear do tipo previsto no crime do artigo 155 do Código Penal mais uma vez. Subtrair é diminuir, não podendo ser considerado o uso indevido ou clandestino como espécie do tipo penal.

Outro aspecto que discordamos do STJ é a evidente afronta ao princípio da especialidade. Conforme dito pelo STF, existe norma que prevê a conduta, todavia não há a imputação de pena.

Dessa forma, Leite (2009) ensina que quando existe um só fato no qual duas ou mais leis podem ser aplicadas, existem princípios que solucionam a questão. Convém, então, ressaltar que diante princípio da especialidade, uma lei especial derroga a geral.

Assim, não se pode falar em aplicar as penas do crime de furto de energia elétrica em casos de desvio (interceptação ou receptação) do sinal de TV a cabo, porquanto há lei que regula o tema [artigo 35 da Lei 8.977 de 1995, anexo C].

Portanto, neste ponto, consideramos a posição do STF salutar, pelo fato de entender que se destoa da especialidade, quando utilizado o crime de furto de energia elétrica para a adequação da conduta de desvio do sinal de TV a cabo.

Ademais, o julgamento na forma do STJ afronta outro princípio do direito penal. Por existir norma que regula a conduta, há o uso da analogia de forma a prejudicar o réu.

Posto isso, concordamos outra vez com o STF quando entende que o fato de se utilizar lei esparsa para conduta na qual existe lacuna, é afronta ao ordenamento criminalista. Isto porque, conforme já explicamos em tópico próprio, a analogia em prejuízo do réu é defesa em nosso ordenamento jurídico.

De certo modo, isso foi feito pelo STJ, para suprir a lacuna da lei. Mostrando evidente afronta não só no uso da analogia, como ao princípio da legalidade, especialidade e afrontando até mesmo a separação de poderes.

Outro aspecto que teceremos comentário é o fato de o Ministro Joaquim Barbosa (STF) entender que a norma que prevê o crime de receptação e interceptação de TV por uso do sinal clandestino ser uma norma penal em branco invertida ou ao revés.

Ensina Gomes (sine data apud SCHIAPPACASSA, 2008) que a norma penal ao revés assim o é denominada quando não trata da pena, fazendo referência a outras leis, no que diz respeito à cominação da penalidade.

Assim, conforme analisado por nós e pelo Ministro, ausente está o preceito secundário, de modo que a norma faz menção a outro tipo de regulamento para que seja completa.

Temos como exemplo de norma penal em branco a lei Lei n. 2.889/56 (BRASIL, 2017), que dispõe sobre o Crime de genocídio.

Nela a norma não prevê a pena, sendo que ela remete a outro diploma para a visualização da punição. Mostra-se:

Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:

a) matar membros do grupo;

b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;

c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;

d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo; Será punido:

Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a; Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b;

Com as penas do art. 270, no caso da letra c; Com as penas do art. 125, no caso da letra d; Com as penas do art. 148, no caso da letra e; (BRASIL, LEI N. 2.889/1956, 2017, grifo nosso)

Na leitura acima, notamos que o ordenamento remete as suas regras para outras normas legais, nas quais existem a pena de forma clara. E neste caso estamos diante de uma norma penal em branco.

Porém ousamos discordar em parte do pensamento do Ministro. Ele entende que o preceito do art. 35 da Lei n. 8.977/95 é uma espécie de norma penal em branco, considerada como na doutrina e por ele ao revés.

Apesar disso, mostramos neste trabalho que, para uma norma penal ser considerada como tal, deve existir a menção a qual legislação se deve utilizar como parâmetro de complemento.

O que não ocorre com a lei que trata da punição daqueles que usam o clandestinamente o sinal. Ali falta a menção a outra lei para existir o preceito secundário.

Por isso, consideramos que o preceito é tão somente uma legislação sem pena, e o pior, não faz a devida menção de onde se pode retirar uma punição para o delito, não podendo ser considerada norma penal em branco ao revés.

Ora, se a pena estivesse cominada não teríamos discussão alguma na adequação do fato típico a norma, tampouco problema nos julgados, pelo fato de estar o preceito primário completo com o secundário, respeitando, assim, o princípio da reserva legal.

De qualquer modo, teríamos discussão com as novas tecnologias que aparecem para a recepção de sinais provenientes de satélites e outros meios, mas que não são objeto de estudo deste trabalho.

Apesar dos dois posicionamentos serem muito bem julgados, consideramos que o posicionamento do Supremo Tribunal federal é o que mais coaduna com o ordenamento jurídico vigente.

Isso pelo fato de que, como vimos diversos foram os pontos que a Suprema Corte Federal mostrou na análise de seu julgado.

Principalmente na questão da analogia, do princípio da especialidade e da comparação as outras energias. Se o STJ entende que energia é aquela na qual possa haver realização do trabalho, por certo, não deveria equiparar a onda eletromagnética do sinal de TV como àquelas que são capazes de realizar trabalho.

Outrossim, foi adequado o uso dos verbo nuclear do crime de furto, pelo STF, uma vez que o sinal disposto não pode ser subtraído, mas sim, receptado ou interceptado.

Portanto, consideramos que o Supremo Tribunal Federal é aquele que, segundo o estudo por nós realizado, houve uma melhor análise dos preceitos legais e técnicos.

4.4 PROJETOS DE LEIS PARA A CRIMINALIZAÇÃO DO USO INDEVIDO DE