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A posição do Tribunal da Cidadania é distinta da do STF, conforme já comentado. E isto é o que podemos dizer que é o cerne deste estudo, buscando diferenciar quais os aspectos que trazem duplicidade no entendimento dos egrégios Órgãos Julgadores.

O rol de Exposição dos Motivos do Código Penal, no número 56, traz que:

Para afastar qualquer dúvida, é expressamente equiparada à coisa móvel e, conseqüentemente, reconhecida como possível objeto de furto, a ‘energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico’. Toda energia economicamente utilizável e suscetível de incidir no poder de disposição material e exclusiva de um indivíduo (como, por exemplo, a eletricidade, a radioatividade, a energia genética dos reprodutores etc.) pode ser incluída, mesmo do ponto de vista técnico, entre as coisas móveis, a cuja regulamentação jurídica, portanto, deve ficar sujeita (BRASIL, EXPOSIÇÃO DOS MOTIVOS DO CP, 2017, grifos nossos).

Entrementes, há de parecer, em um primeiro momento, que qualquer tipo de energia é abarcado pelo conceito trazido acima, desde que tenha cunho econômico. E é justamente isto que entende o STJ, quando vai condenar os agentes que praticam tal conduta.

Vejamos um dos seus últimos julgados acerca do assunto, datado de 2013, do Ministro Jorge Mussi, qual seja o RHC 30847/RJ:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CAPTAÇÃO IRREGULAR DE SINAL DE TELEVISÃO A CABO. ALEGADA ATIPICIDADE DA

CONDUTA. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA.

NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. EQUIPARAÇÃO À ENERGIA ELÉTRICA. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não há na impetração a cópia da denúncia ofertada contra os recorrentes, documentação indispensável para análise da alegada atipicidade da conduta que lhes foi atribuída. 2. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente. 3. Assim não fosse, tomando-se por base apenas os fatos relatados na inicial do mandamus impetrado na origem e no aresto objurgado, não se constata qualquer ilegalidade passível de ser remediada por este Sodalício, pois o sinal de TV a cabo pode ser equiparado à energia elétrica para fins de incidência d artigo 155, § 3º, do Código Penal. Doutrina. Precedentes. 4. Recurso improvido (BRASIL, STJ, 2013).

Nesse contexto, em semelhante julgado da referida turma de recursos, porém anterior ao exposto, o Relator Ministro Gilson Dipp se manifestou no seguinte sentido, no que toca ao que o STJ entende por sinal de televisão, no REsp 1123747 / RS:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO DE SINAL DE TV A CABO.

TIPICIDADE DA CONDUTA. FORMA DE ENERGIA ENQUADRÁVEL NO TIPO PENAL. RECURSO PROVIDO. I. O sinal de televisão propaga-se através de ondas, o que na definição técnica se enquadra como energia radiante, que é uma forma de energia associada à radiação eletromagnética. II. Ampliação do rol do item 56 da Exposição de Motivos do Código Penal para abranger formas de energia ali não dispostas, considerando a revolução tecnológica a que o mundo vem sendo submetido nas últimas décadas. III. Tipicidade da conduta do furto de sinal de TV a cabo. IV. Recurso provido, nos termos do voto do Relator (voto no anexo A, grifos nossos).

Embora aquele julgado esclareça como o STJ entende a natureza do objeto jurídico em discussão (o sinal de TV a cabo), outros julgados mais antigos mostram que o Tribunal da Cidadania há muito tempo vem seguindo essa corrente. Conforme REsp 1076287 / RN:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. CAPTAÇÃO DE SINAL DE TV A CABO. CONFIGURAÇÃO DE DELITO DE FURTO. ART. 155, § 3º DO CP. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO 1 Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a captação irregular de sinal de TV a cabo configura delito previsto no art. 155, § 3º, do CP. 2. Recurso conhecido e provido para determinar o recebimento da denúncia (BRASIL, STJ, 2009).

Observa-se que o último julgado, traz o entendimento há mais de cinco anos nos que o furto de sinal de TV a cabo pode ser equiparado à energia elétrica.

Porém, analisando os votos dos julgados acima, entendemos que o preconizado pelo REsp nº 1123747/RS, do Relator Ministro Gilson Dipp [voto completo no anexo A] foi o que melhor explicitou o entendimento da Corte sobre essa zona cinzenta do Direito.

Naqueles autos, os acusados foram denunciados nas sanções do art. 155, §§ 3º e 4º, II e IV, c/c o art. 71, caput e nos termos do art. 69, todos do Código Penal, incidindo para um dos réus, ainda, a agravante do art. 61, I, do Código Penal.

Salientamos que o nosso objeto de estudo focará apenas na análise do parágrafo terceiro do artigo 155 do Código Penal, no que concerne à aplicação subsidiária do crime de furto de energia elétrica, que é o que nos importa.

Naquele julgado que usaremos de paradigma, inicia o Relator com a menção do artigo 35, da Lei nº 8.977/95, já demonstrado nessa obra, que prevê como ilícito penal a interceptação e receptação de sinal de TV a cabo.

Assim sendo, citou que “se a conduta é penalmente relevante, resta definir em qual dispositivo de lei a mesma deve ser enquadrada” (anexo A deste trabalho).

Desse modo, trouxe o parágrafo terceiro, do art. 155 do Código Penal, acrescentando que se equipara à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico, atribuindo que não há dúvidas de que o sinal de TV a cabo configura coisa alheia móvel e que tem valor financeiro.

Além disso, salientou que o sinal proveniente das TV por assinatura é coisa alheia e, de certo modo, possui valor econômico. O que entendemos que tem lógica, senão o serviço seria gratuito, por óbvio.

Continuando, explicou que o conceito de energia, proveniente do dicionário Houaiss, é a "capacidade que um corpo, uma substância ou um sistema físico têm de realizar trabalho" (anexo A deste trabalho).

O que, de início, levando em consideração o proveito econômico proveniente dos sinais, nesse ponto, leva-nos a crer que a conduta praticada por quem recebe esse sinal, sem a devida autorização de uma distribuidora registrada pela ANATEL, equiparar-se-ia na figura prevista no crime de furto de energia elétrica.

De outra monta, o julgado menciona que o sinal de TV a cabo deve ser considerado energia, aduzindo, conforme exposto, que devem ser consideradas aquelas capazes de realizar trabalho.

E, para justificar essa corrente, o relator trouxe que o rol de exposição de motivos do Código Penal, no item 56, preconiza que devem ser equiparadas “energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico” (BRASIL, ROL DE EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO CÓDIGO PENAL, 2017).

Nesse sentido, se considerarmos que a onda proveniente do sinal de TV por assinatura é eletromagnética, então, esta forma de energia pode ser armazenada, transformada e até mesmo transportada.

Isto conforme estudo proveniente de MARQUES (sine data, p. 01), na parte introdutória, que aduz a possibilidade de utilização deste tipo de energia, nas formas citadas.

Contudo, antes de concluirmos acerca do delito em apreço e o posicionamento do STJ, analisemos primeiro a posição do STF, para vermos quem, realmente, têm a posição mais coerente com os preceitos estudados nesta obra.

Ademais, iremos discutir, adiante, se a energia proveniente das ligações é capaz de ser suficiente para o enquadramento na utilização do Código Penal e dos seus motivos para tipificar tal conduta.

Ao citar o conceito de energia, o Ministro do Tribunal da Cidadania trouxe que é aquele no qual há a “capacidade que um corpo, uma substância ou um sistema físico têm de realizar trabalho” (anexo A deste trabalho).

Assim, considerou o jurista, na mesma posição que se mantém ao longo dos anos no STJ, que a energia proveniente dos sinais de TV a cabo pode ser classificada de energia radiante, sendo, por isto, considerada abarcada pelo rol presente naquele da exposição dos motivos do Código Penal.

Muito embora tenha ele mesmo discutido que a especificação técnica pode não ser a correta, insiste que estamos diante de uma espécie de energia, fato este que enquadra a situação do furto de sinal de TV a cabo, na definição prevista na norma penal por ele defendida.

Assim, mesmo sabendo da existência do artigo 35 da Lei n. 8.977/95, que considera a conduta da interceptação ou receptação do sinal de TV a cabo ilícito penal, entendem por certo utilizar o preconizado no crime de furto de energia, para condenar aqueles que fazem o uso indevido do sinal de TV.

Portanto, o Superior Tribunal de Justiça condena o uso não autorizado de sinal de TV a cabo, eis que o considera como uma forma de energia, abarcada pelo rol de motivos preconizado nos motivos do Código Penal, fazendo a equiparação da conduta ao delito previsto no art. 155, parágrafo terceiro, do Código Penal.

Vejamos, agora, qual o posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca do crime em comento, para, ao final, teceremos as conclusões de quem nos parece ter mais razão acerca da análise jurídica dessa conduta.