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O julgado-chave do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto é o habeas corpus número 97.261, proveniente do Estado do Rio Grande do Sul (disponível na íntegra no anexo B deste trabalho).

O relator, Ministro Joaquim Barbosa, iniciou seu voto discorrendo sobre a possibilidade do assistente de acusação realizar o recurso. Pelo fato de não ser o nosso foco, resumiremos abaixo.

Assim, o jurista analisou a participação do assistente do Ministério Público e a sua legitimidade em recorrer da decisão que absolve o réu nos casos que o parquet não interpõe recurso, legitimando o pedido, conforme Súmula 210 prevista na mesma Corte.

Entrementes, focaremos na análise da tipicidade (ou não) do furto de sinal de TV a cabo e a sua equiparação com a energia elétrica, que é o objeto do nosso estudo.

Desse modo, seguiu o julgador expondo que a doutrina não é uníssona no assunto, juntando julgados de diversas instâncias do Poder Judiciário e mostrando que, de um lado, existe apoio sobre a tipificação da conduta e, de outro, há a consideração da atipicidade.

Aduziu que, no campo doutrinário, a doutrina diverge acerca do tema. Conforme por nós também demonstrado.

Nesse sentido, citou Bittencourt, pelo fato daquele doutrinador entender que o sinal de TV a cabo não se equipara a energia, acrescentando que Nucci, como já exposto anteriormente por nós e pelo STJ, entende que a utilização do sinal de forma clandestina acarretaria, assim, no crime de furto de energia elétrica (anexo B deste trabalho).

Igualmente, argumenta que essa dualidade do Poder Judiciário em fornecer ao cidadão uma resposta fixa na questão em comento traz grande insegurança jurídica, conforme mostrado, por exemplo, em nossa parte introdutória, na qual citamos que alguns são condenados, enquanto outros não, pela mesma conduta.

Assim seguindo, passou para a análise da matéria, acerca do delito em questão, entendendo, pela sua visão, que a tipicidade da conduta é preconizada no art. 35 da Lei n. 8.977/95 [lei presente no anexo C, na íntegra].

Analisando os verbos nucleares da supradita lei, o relator entendeu que a conduta prognosticada nos verbos é a de interceptar ou receptar, sendo assim, o Ministro considerou que as ações ali dispostas criminalizam somente conduta de interromper o curso do sinal, por algum obstáculo colocado, impedindo que aquele chegue ao seu destino, o que não se confunde com o verbo subtrair, que diz respeito, segundo ele, a tirar ou surrupiar algo de outrem (anexo B deste trabalho).

Pelo exposto, considerou que aquele que intercepta o sinal televisivo não tira algo de alguém, sequer dele se apossa. Assim, quem captura o sinal da TV a cabo, sem autorização, não comete a figura do tipo da subtração, ainda que essa empresa venha a reclamar ter sofrido prejuízo patrimonial estimado, sendo por isso fato que o jurista entendeu não ocorrer nos autos daquele julgado.

Neste ponto, concorda com a visão de Fonseca, citado neste trabalho no tópico 3.11, que explicou que a empresa apenas deixa de receber pelo serviço, não sendo subtraído do seu patrimônio.

Entendeu por certo, ainda, considerar que o paciente do habeas corpus não cometeu furto, pelo fato de que interceptar ou receptar jamais serão a mesma coisa que subtrair, posto que são figuras penais distintas (anexo B deste trabalho).

De outra monta, entendeu na análise do crime de uso não autorizado do sinal de TV a cabo não pode ser considerado ou equiparado à energia, pois, se assim o fosse, teria que gerar potência ou ser transformada em outras formas que realizem trabalho.

O que entende, por esse motivo, que o sinal de TV a cabo se distingue de outros tipos de energia, vez que não é possível a sua apropriação material, sendo impossível transportá-lo, armazená-lo ou retendo-o, como coisa alheia móvel do crime de furto energia elétrica.

Acrescentou que mesmo que existam diversos tipos de energia, tais como solar, térmica, hidrelétrica, eólica, nuclear, dentre outras, o sinal de TV a cabo não está equiparado à energia nestes termos.

Por conseguinte, aduziu, ainda, que no rol previsto no item 56 da Exposição de Motivos do Código Penal, não há nada que equipare o sinal de TV a cabo como espécie de energia lá abarcada.

À vista disso, concorda com a visão de Cezar Roberto Bittencourt [já citado], pelo fato de que a energia prevista na exposição de motivos é aquela que pode diminuir, terminar, esgotar, ao passo que o sinal televisivo jamais se gasta, podendo até mesmo ser acessado por toda a população do planeta, ao mesmo tempo.

Em razão disso, concluiu que não há como considerar o sinal de TV a cabo como energia, tampouco em objeto passível de subtração, o que, consequentemente, não pode ser objeto material do delito, previsto como furto de energia elétrica.

Seguiu, então, retornando ao preceito antevisto do art. 35 da Lei n. 8.977/95, para explicar que a norma é posterior e especial, visto que prevê a ilicitude penal da conduta de receptar a interceptar o sinal de TV a cabo. Fato este que entender ser certo utilizar esta norma para tipificar a conduta do agente e não o Código Penal [lei anterior].

O problema da lacuna da citada lei, segundo o Ministro, é que ela não define o preceito secundário dos tipos penais; ou seja, a pena para ser aplicada ao indivíduo que comete tal ato, classificando como a doutrina chama de norma penal em branco inversa e, por isso, considera que o conteúdo incompleto da lei deve ser complementado por outra lei, sob pena de estar se violando o princípio da reserva legal (anexo B deste trabalho).

Entrementes, considera que, caso sejam condenados pelo crime de furto de energia elétrica aqueles que utilizarem o serviço de forma clandestina, estar-se-ia diante de analogia em prejuízo do réu, a qual, conforme demonstrado no item 2.5.1 por nós, é vedada no ordenamento penal.

Assim, entendeu que, conforme o princípio da reserva legal, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, de modo que o julgamento citado considerou como atípica a assimilação do furto de sinal de TV a cabo, porque não está expressamente previsto na redação do artigo 155, parágrafo terceiro, do Código Penal, tampouco existe a figura da energia proveniente da TV a cabo no rol dos motivos de exposição do Código Criminal.

Além disso, retomou que a conduta subtrair não é a que se amolda na conduta daqueles que interceptam ou receptam os sinais televisivos, posto que existe norma expressa e especial acerca do assunto.

Regramento este que, ausente sua pena, não pode haver analogia para o seu uso, visto que seria notória a ofensa ao princípio da reserva legal, reiterando que o seu uso é vedado no Direito Penal.

Deste modo, pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal, trata-se de conduta prevista em lei sem preceito secundário, que, no presente voto deferiu a ordem de habeas corpus, para considerar que não existe preceito legal para sustentar a pena que havia sido designada para o paciente.

Concluímos dessa forma que o STF entende que o sinal de TV a cabo não é energia, tampouco faz presente a sua menção no rol de exposição de motivos do Código Penal.

Além desse aspecto, a conduta prevista no verbo subtrair não é suficiente para a adequação da tipificação da conduta do agente, visto que consideram o correto a expressão interceptar e receptar.

De outra monta, consideraram o uso do Código Penal analogia em prejuízo do réu, uma vez que presente conduta em lei esparsa. Fato este que se adequa no princípio da especialidade.

Portanto, segundo o julgado, aqueles que faze o uso não autorizado de sinal de TV por assinatura, não podem sofrer pena, pelos motivos expostos.