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CAPÍTULO 2 ASSOCIATIVISMO, ANIMAÇÃO HOSPITALAR E PROMOÇÃO DO BEM-ESTAR DA

2.1. A animação hospitalar e o bem-estar da criança

Reconhecendo o ser humano como realidade biopsicosocial, compreende-se a necessidade de não atender os pacientes hospitalizados unicamente pelo aspecto fisiológico, mas também pelo aspecto psicológico e social, proporcionando-lhe deste modo uma atenção integral de acordo com as suas necessidades. (Ortigosa e Méndez, cit in Bóo, 2007)

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Neste sentido, muitos autores têm defendido a ideia de que se deve propiciar actividades lúdicas à criança, em contexto hospitalar, especialmente porque ao brincar ela altera o ambiente em que se encontra e aproxima-se da sua realidade quotidiana. A actividade recreativa, livre e desinteressada tem um efeito terapêutico, uma vez que auxilia na expressão de emoções e sentimentos e na promoção do bem-estar dos pacientes (Favero et al, Motta e Enumo; Oliveira e Francischini, cit in Mussa e Malerbi, 2008), o que pode ser contemplado em processos de animação hospitalar.

Desta forma, a promoção da animação hospitalar apresenta-se como “ […] uma

possibilidade de atenção integral à criança e seus anseios, possibilitando-lhe apropriar-se de elementos próprios da cultura lúdica e atender ao seu direito e necessidade de brincar, já reconhecidos [universalmente] […]” (Isayama, 2005:3),

bem como sinónimo de esperança, na medida em que ao proporcionar bem-estar na criança, ajuda-a a enfrentar a doença e tratamento com coragem.

“ […] L‟action socioculturelle se définit donc, à la lumière des deux définitions ci-dessus, comme la mise en mouvement ou la modification par la culture des relations que des individus entretiennent, en vue d‟un mieux-être. En milieu hospitalier, elle est apparue relativement récemment. Au cours de la seconde moitié du XXème siècle, tandis que le corps médical semble davantage s‟occuper des soins physiologiques70 à donner aux patients et des nouvelles avancées de la médecine, de nouvelles méthodes de prises en charge des intérêts des patients apparaissent timidement : musicothérapie, art thérapie, clown relationnel, animation socioculturelle…[…]”. (Mathyer, cit in Troillet, 2009:15) A animação hospitalar torna-se, assim, necessária em contextos em que a infância se encontra de forma involuntária num espaço completamente desconhecido e estranho, como pode ser o contexto hospitalar, ao nível, por exemplo, de normas, horários, rotinas, procedimento, profissionais de saúde (Bóo, 2007), como já referenciado no primeiro capítulo.

As investigações experimentais têm demonstrado os efeitos positivos das intervenções psicológicas, sociais e pedagógicas no terreno da hospitalização infantil. “ […] O

aborrecimento prolongado faz com que a criança hospitalizada vá entristecendo e acabe por adoptar uma atitude passiva e indiferente perante o que antes lhe causava gozo e alegria. O jogo [actividade lúdica] no hospital proporciona à criança

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bem-estar e confiança, preenchendo também as funções recreativa, educativa e terapêutica. […] ”. (Bóo, 2007:879).

Desta forma, as práticas que se desenrolam sob a denominação de „animação hospitalar‟ são aquelas intervenções pedagógico-sociais que se levam a cabo com a criança hospitalizada e que pretendem o seu desenvolvimento social e educativo. Neste tipo de intervenções pedagógicas adquirem uma grande importância, as actividades lúdicas e recreativas, cujo valor sócio-educativo servirá para a criança enfrentar e entender as novas realidades que está a viver, permitindo-lhe relacionar-se com outras pessoas, outras crianças na sua situação, expressar os seus sentimentos perante novas experiências que está a viver dentro do contexto hospitalar, assim como compreender as mudanças e valores enormes que estas circunstâncias introduzem no seu quotidiano. Daí a relevância de desfrutar, compartilhar, criar e dinamizar os espaços, momentos de ócio e diversão. Tendo em conta que o jogo [animação hospitalar], pressupõe um eixo altamente enriquecedor e gratificante para a infância, apresenta uma maior importância numa situação de risco e vulnerabilidade como é a da enfermidade e da hospitalização.

Assim, é fundamental articular uma série de actividades de ócio, apoio e atenção socioeducativa durante o internamento, no âmbito de uma animação hospitalar, tentando que a hospitalização se assemelhe o mais possível às experiências que a criança desfrutava anteriormente.

“[…] A utilização da animação […] será um dos factores fundamentais para a recuperação da criança e sua posterior inserção na vida quotidiana, ao mesmo tempo que assegura a optimização do ócio e da infância, dentro e fora dos hospitais.”. (Bóo, 2007:882,883) Neste sentido, a animação no ambiente hospitalar – espaço desconhecido e gerador de muitas incertezas e medo – “[…] pode e deve auxiliar no resgate da infância dessas

crianças que ficam, muitas vezes, prejudicadas pela doença. No entanto, esse trabalho não tem como objectivo único „amenizar‟ esse quadro, e sim despertar novas possibilidades para a vivência da infância e para o desenvolvimento pessoal e social desse grupo, por meio de intervenções lúdicas, [sendo importante que] as vivências lúdicas sejam discutidas, planeadas, executadas e avaliadas por todos os sujeitos envolvidos […]”. (Isayama, 2005:3) Com efeito, estudos indicam que as actividades

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lúdicas, em contexto hospitalar, também têm sido consideradas um meio de socialização e integração com outras crianças, podendo propiciar uma saída para o isolamento que o internamento provoca. (Leite; Shimo; Mitre e Gomes, cit in Mussa e Malerbi, 2008)

Neste sentido, nos últimos 20 anos, surgiram grupos que actuam em hospitais, em vários países, visando a melhoria do paciente, através de técnicas e actividades que estimulam o riso e despertam a alegria. (Mussa e Malerbi, 2008) Existem estudos que mostram que a actuação de um desses grupos teve como consequência, entre outros factores, tornar os pacientes mais activos, promover uma melhor aceitação dos procedimentos e exames, maior colaboração com a equipa hospitalar, uma imagem mais positiva da hospitalização, uma aceleração da recuperação pós-operatória, uma diminuição de stresse da equipa e dos pais e melhor relacionamento entre profissionais, pais e crianças. (Mussa e Malerbi, 2008:85) Neste sentido, salienta-se que a presença de grupos que colaboram para a humanização hospitalar

“[…] propicia o surgimento de paixões alegres, produzindo resultados positivos para a saúde e estada no hospital […]”. (Masetti, cit in Mussa e Malerbi, 2008)

Por exemplo, a animação hospitalar pode ser levada a cabo pelo palhaço, com o intuito de alegrar o ambiente e amenizar as sensações desagradáveis da hospitalização, humanizando o contexto hospitalar, num âmbito mais amplo que pode designar-se “animação sociocultural”. (Motta e Enumo, 2004)

“ […] des interventions, à l‟image de la clown-thérapie et de l‟animation socioculturelle, se concentrent davantage sur la prise de conscience, par le patient, de ses capacités, de ses ressources, de toutes les choses qu‟il est encore capable d‟accomplir. » (Troillet, 2009:21) Ainda no que concerne à animação hospitalar, o estudo demonstra que “ […] as

actividades lúdicas têm o efeito de acalmar as crianças que se encontram agitadas, sendo que as reacções provocadas por essas actividades, como o riso, proporcionam uma vivência positiva, acompanhada da libertação de endorfina.”.

(Dale e Ritter, cit in Mussa; Malerbi, 2008:89-91) O mesmo estudo revela que o desenvolvimento de actividades lúdicas se mostra benéfico a nível físico e emocional, sendo que os dados obtidos apontam a importância do trabalho de grupos formados por profissionais, voluntários ou pelos próprios familiares que acompanham as crianças […] visando favorecer o brincar como um instrumento facilitador do tratamento de crianças hospitalizadas. (Mussa e Malerbi, 2008)

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Assim, a animação hospitalar funciona como “ […] uma intervenção pedagógico-social através da qual se pretendem alcançar os seguintes objectivos:

 favorecer a estadia no hospital e melhorar a qualidade de vida das crianças

hospitalizadas;

 garantir o cumprimento dos direitos da infância hospitalizada, no que respeita ao âmbito sócio-cultural;

 reduzir o stress, a ansiedade e o isolamento que a hospitalização origina;

 dinamizar com actividades lúdico-educativas o tempo livre da criança

hospitalizada;

 melhorar a integração da criança no contexto hospitalar, assim como a

comunicação com os seus companheiros de hospitalização, contribuindo para o desenvolvimento da participação, da tolerância e do respeito pelos de mais; etc. […]” (Bóo, 2007:875)

Estudos revelam também que “[…] a oportunidade de brincar no hospital tem

efeitos positivos (recrear, amenizar o sofrimento hospitalar, favorecer a comunicação e a expressão dos sentimentos das crianças, entre outros) sobre a criança com cancro ou outras doenças. […]”. (Oliveira & Guimarães; Sherlock; Lindquist;

Saggese & Maciel; Adams; Françani e Mello, cit in Motta e Enumo, 2004: 21), sendo que no hospital as actividades lúdicas não servem apenas para distrair as crianças, mas na verdade para aumentarem a capacidade da criança para aguentar de forma eficaz o processo do internamento. (Delpo e Frick, cit in Redondeiro, 2003)

Assim, um dos grandes objectivos da animação hospitalar é o de incrementar na criança a capacidade para lutar contra os diversos aspectos do internamento hospitalar, de compreender o que se está a passar e de facilitar a sua capacidade de comunicar e travar relações com as pessoas que a cuida. (Silva, cit in Redondeiro, 2003)

Associações e voluntários têm também um papel de primordial importância na organização de actividades lúdicas, sendo elementos fundamentais na gestão e dinamização de actividades com crianças, quer na sensibilização dos pais, quer, por vezes, na „substituição‟ deles, contribuindo assim para diminuir a sua ansiedade.

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Actualmente, em Portugal existem algumas entidades e iniciativas neste âmbito, como é o caso da Associação “Operação Nariz Vermelho”, que é o contexto a partir do qual se desenvolve o presente projecto de investigação e cujos resultados serão apresentados mais adiante. Outro exemplo é o projecto “Aprendendo com a Doença”, distinguido com o primeiro lugar na categoria “Parcerias em Saúde: Público-Privado”, desenvolvido pela Unidade Educativa e Terapêutica do Serviço de Pediatria do HPH (Hospital Pedro Hispano), coordenado pela educadora Isabel Dias, enquadrando-se num contexto mais amplo, o da Educação Emocional, visando proporcionar às crianças internadas momentos de aprendizagem relevantes para o enriquecimento da vida pessoal, enfrentando medos e receios. A educadora responsável pelo projecto defende que a educação em contexto hospitalar é uma resposta multidisciplinar e que a pedagogia não se limita apenas às crianças, mas a todos os envolvidos no processo de recuperação, ou seja, os pais, os professores, os amigos e colegas. Assim, para além das visitas que os alunos das escolas de Matosinhos realizam ao hospital, decorrem outros projectos, como a “Escola Virtual”, a “Hora do Conto”, o “Clube do Riso”, actividades de relaxamento e de musicoterapia.21

Assim, a importância deste tipo de actividades no hospital implica “[…] uma filosofia

integradora, em que os aspectos médicos, psíquicos e sociais se unem para oferecer uma qualidade na atenção da criança doente […]”. (Gonzalez, cit in

Redondeiro, 2003: 79), salientando-se a importância do trabalho de equipa no hospital.

Este tipo de animação recorre então a ferramentas, como o humor e a arte, já acima mencionadas, de modo a cumprir os seus principais objectivos, no âmbito da promoção da alegria, do riso e do bem-estar da criança hospitalizada.

“[…] O Humor significa que se pode lidar com a imperfeição, integrar aspectos de uma realidade desagradável no próprio projecto de vida. É uma forma de ver as coisas no contexto mais amplo, relacionando-as com outras experiências. […]”. (Martins, 2008b) “[…] Ces nouvelles approches, avec d‟autres modes d‟interventions […] vont peu à peu occuper le champ de l‟approche globale du bien-être du patient, formant ainsi un nouveau champ d‟action en milieu hospitalier et donnant naissance à des spécialistes de la création de bien-être au sein des structures hospitalières. […]”. (Mathyer, cit in Troillet, 2009:15)

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De acordo com Martins, existe uma forte relação entre o humor e o brincar: a brincadeira das crianças não é voltada para o real, mesmo que não haja actividade mais séria do que brincar. Enquanto brincam, elas podem fazer coisas absurdas, contar histórias inconsistentes e comportar-se incoerentemente, porque “o humor faz da vida uma brincadeira!” (Martins, 2008b)

“A Arte, enquanto conjunto de diferentes expressões de capacidades humanas, afirma- se crescentemente como um importante veículo na integração social de pessoas portadoras de deficiências ou provenientes de meios sócio-económicos desfavorecidos. A Arte dramática pode e deve servir este desígnio, já que, informada por conceitos como a elevação da auto-estima e o trabalho comunitário, pode, efectivamente, intervir e obter resultados bastante positivos […]”. (Lopes, 2006:359) A animação hospitalar, enquanto actividade levada a cabo por uma associação, como é exemplo a Operação Nariz Vermelho (ONV), leva-nos a reflectir sobre alguns conceitos inter- relacionados, como associativismo, animação e educação não formal. É o que faremos a seguir.