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O Doutor Palhaço: a personagem e o artista como impulsionadores da alegria e do

CAPÍTULO 5 “RECEITAMOS ALEGRIA”: PERSPECTIVAS DOS DOUTORES PALHAÇOS SOBRE A

5.4. O Doutor Palhaço: a personagem e o artista como impulsionadores da alegria e do

Os Doutores Palhaços são artistas profissionais, formados em áreas como a música ou o teatro, e não se consideram terapeutas, comparativamente com outros profissionais de entidades semelhantes, como por exemplo o conhecido médico e palhaço “Patch Adams”, fundador do Instituto Gesundheit nos Estados Unidos da América, que acredita no riso, na

alegria e na criatividade, como excelente forma de prevenir e tratar muitas doenças.63 O “Doutor

Palhaço” não é um palhaço comum, cujo vestuário e maquilhagem são extravagantes, que fala alto e faz barulho, mas antes um palhaço que agindo, por vezes, quase silenciosamente, age de uma forma subtil, adaptando-se às necessidades e características do contexto em que actua.

“ [Ser Doutor Palhaço] É através de uma técnica poder transformar o espaço e as pessoas.”. (Entrevista a R.M.) “ […] nós não somos terapeutas […] a Operação Nariz Vermelho não contrata psicólogos, não contrata terapeutas de forma alguma. Contrata pessoas que têm alguma sensibilidade para estar neste espaço ou que têm alguma predisposição para aprender a estar neste espaço. […]há pessoas que já têm essa experiência, outras que têm predisposição para

63 Disponível em: http://www.patchadams.org/Gesundheit_Institute_speakers, Página Consultada em 4 de Junho de 2011

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aprender neste espaço, porque é diferente de trabalhar nos outros sítios, é obvio. […]”. (Entrevista a J.G., Hospital Amarelo, 28 de Junho de 2010) “ […] Eu gosto de pensar em nós e no nosso trabalho como um acessório e não como uma coisa que faz parte…ou seja, […] nao é tipo..o Doutor Palhaço chega e faz parte do processo de tratamento ou… não! O Doutor Palhaço é um acessório que faz a pessoa ou poderá eventualmente fazer a pessoa sentir-se de outra maneira…naquele espaço e naquela envolvência emocional que tá a passar naquela pessoa.. […] é óbvio que o riso.. há estudos científicos que comprovam.. que provoca isto e que liberta aquilo.. mas não é aí que o nosso trabalho focaliza.. […]”. (Entrevista a J.G., Hospital Amarelo, 28 de Junho de 2010) “ […] nós íamos começar a fazer a visitas e havia uma criança que não nos queria ver, porque pensava que éramos aquele palhaço que tinha estado lá a fazer „barulho e palhaçadas‟… só pra veres como o nosso trabalho é diferente…então nós decidimos entrar, pra ela ver que não éramos o mesmo…e a reacção foi muito boa…[…]”. (Entrevista a J.G., Hospital Amarelo, 28 de Junho de 2010) Ser Doutor Palhaço resulta de uma vontade e, apesar das especificidades das motivações que levaram cada um dos artistas a entrar na ONV e a serem Doutores Palhaços, há em todos eles o desejo de usar a técnica de palhaço num ambiente emocionalmente muito rico.

“ […] o que mais fascina é a capacidade de tirar as pessoas daquele momento de dor. […]é um poder muito legal, é uma força muito grande […]fazer com que a pessoa esqueça um pouquinho a dor dela […]é um trabalho “pro outro” […]”. (Entrevista a B.Q., Sede da Operação Nariz Vermelho, Lisboa, 16 de Julho de 2010) O poder do Doutor Palhaço reflecte-se em todo o contexto hospitalar, ao nível não só da criança mas também da sua família, nomeadamente dos seus pais, e profissionais de saúde, revelando a “utilidade” da acção destes artistas.

“ […] a mim motiva-me, obviamente, até esse lado eficaz e útil, que eu te disse...há uma partilha muito concreta e…[…] se eu faço esta criança rir…ela precisa de rir…a mim preenche-

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O que esperam do seu “público” no hospital muitas vezes não é uma resposta demasiado expressiva, como uma gargalhada, mas apenas uma reacção à sua passagem.

“ […] o mais fascinante nisso é isso, é a capacidade de a gente, através da nossa arte, levar aquela pessoa, tirar um pouquinho do peso, da dor que ela […] tá sentindo…. Adulto, criança ou profissional de saúde. E isso é emocionante e muito recompensador. Nem sempre ri, nem sempre é o riso. Às vezes é só uma atenção, às vezes é só o estar lá… nem sempre é a busca do riso mas quando uma criança ri, é muito gostoso também, a gargalhada das crianças. […]”. (Entrevista a B.Q., Sede da Operação Nariz Vermelho, Lisboa, 16 de Julho de 2010) “[…] só passar… que é uma coisa também muito gira, que é a nossa presença e a nossa passagem já é transformadora, mesmo sem irmos lá e remexermos nas coisas…[…]”. (Entrevista a J.R., Hospital Verde, 28 de Junho de 2010) A acrescentar a estas, existe ainda a motivação relacionada com a possibilidade de poderem desempenhar um trabalho de cariz profissional com regularidade, associado à estabilidade que isso constitui, sem que para isso tenham que obedecer a determinados ditames e exigências de empresas que condicionem a sua profissão de artista profissional. Também o próprio projecto da ONV obedece aos seus próprios ditames, que no entanto oferecem grande flexibilidade aos seus artistas na actuação junto de crianças hospitalizadas.

“ […] acho que neste momento…e isto vai mudando ao longo da vida…[…] o que mais me motiva é…[…] eu tar num trabalho profissional…e num trabalho profissional, pra mim é poder ter condições para trabalhar…é ser paga…é tudo isso…e poder executar a minha técnica de palhaço…[…] isto é um luxo…nos dias que correm […]. […] para empresas, animações para câmaras […]nesses trabalhos tens hipótese de praticar a tua técnica de palhaço…mas muitas vezes […] tens sempre uma série de ditames, […] que é a eficácia do produto […]tens que agradar aquela pessoa…porque é aquela pessoa que te vai pagar…e obviamente que aqui também…temos sempre o projecto que também obedece a ditames…[…]”. (Entrevista a J.R., Hospital Verde, 28 de Junho de 2010) “ […] O que me fascinava no projecto, na altura… quando entrei… duas coisas: O projecto em si...a própria teoria do projecto era… é muito interessante. Depois a estabilidade. A estabilidade que este projecto nos dá profissionalmente e financeiramente… […] porque é um

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projecto que, de facto, nos dá estabilidade, nos garante um valor… um valor mensal interessante, que nos dá a possibilidade de mostrarmos o nosso trabalho regularmente. E portanto isso era aquilo que mais me fascinava no início. Neste momento já não vejo tanto como aquela questão de ser um projecto tão relevante em termos de estabilidade, porque já consegui estabilidade de outra forma, […] neste momento vejo-o mais como projecto em si.. mais como o prazer de estar no hospital… […]”. (Entrevista a R.G., Hospital Verde, 28 de Junho de 2010) “ […] Quis ser, pelo seu lado técnico […] o trabalho técnico de palhaço e a juntar o lado social, que foi sempre algo que me agradou muito. […] aqui […] é efectivo, a resposta é imediata […] E, aliando a isso, ter um emprego…[…]”. (Entrevista a G.O., Hospital Amarelo, 28 de Junho de 2010) “ […] pra mim em primeiro ponto era mesmo só o contacto com a técnica de palhaço, do ponto de vista profissional […]”. (Entrevista a J.G., Hospital Amarelo, 28 de Junho de 2010) “ […] O prazer de estar constantemente (2 vezes por semana ) a trabalhar a técnica de clown. […] Sabia também que era um sitio privilegiado para trabalhar a arte do clown e isso era e é uma das coisas que me interessa explorar e aprofundar nesta curta vida.”. (Entrevista a R.M.) Sendo os Doutores Palhaços artistas profissionais, o contexto hospitalar é comparado aos palcos onde habitualmente actuam, por J.G., que afirma que no hospital os objectivos da arte, como sejam a sua utilidade para a formação da pessoa e para o seu bem-estar, são cumpridos de forma muito mais efectiva, observando-se mesmo uma transformação das pessoas, comparativamente com o que o corre em actuações comuns, em palco. No hospital é o artista que se dirige ao “público” (as crianças hospitalizadas) e não o contrário.

“ […] fascina-me o lado artístico, sem dúvida, […] e depois a utilização do artístico num contexto de intervenção, […] esta não será a melhor palavra, mas…a utilidade da coisa, […] é óbvio que os espectáculos de palco e as artes performativas, são sempre úteis para a formação da pessoa e para as suas experiências pessoais e culturais […] mas aqui é muito mais concreto, muito mais efectivo, porque tu vês realmente a transformação das pessoas, tu vais ter com as pessoas, não são as pessoas que vêm ter contigo… […] não há aplausos…é assim… Eu acho isso interessante e mesmo a nível de técnica, a mim pessoalmente há uma coisa que me fascina

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muito que é „ser artístico, mas muito técnico‟, ou seja, não é chegar aqui e explodir com todo o tipo de piadas, há que ter atenção ao espaço, […] improvisar, trabalhar com outra pessoa, escutar, actuar, todas essas coisas, acho mesmo muito fascinante […]”. (Entrevista a J.G., Hospital Amarelo, 28 de Junho de 2010) O facto de trabalharem em dupla, na companhia de outro colega Doutor Palhaço, revela- se também numa mais-valia ao desempenho destes artistas. Ter um colega a trabalhar em permanência oferece ao Doutor Palhaço a capacidade de gerir melhor as emoções durante as visitas às crianças hospitalizadas, auxiliando-o a superar momentos de sofrimento com os quais lidam com frequência. Para estes artistas o facto de não trabalharem sempre com a mesma dupla funciona como um desafio ao trabalho do Doutor Palhaço, opinião que é partilhada por todos os artistas observados e entrevistados.

“ […] temos este jogo de trabalhar com um palhaço e depois para semana trabalhar com outro…Eu curto bué…Lá em baixo [em Lisboa] eles não fazem assim…têm pares contínuos, mas eu acho que […] para mim isto é que é desafio… é poder conjugar… […]”. (Entrevista a J.R., Hospital Verde, 28 de Junho de 2010) “ […] improvisar, trabalhar com outra pessoa, escutar, actuar […]para mim é fascinante, para outras pessoas não… [risos]. Eu acho que, para quase toda a gente é fascinante, quase toda a gente aqui no Norte é fascinante… Para mim é muito fixe, porque de certa forma é uma maneira de alimentar o teu trabalho […] acho que o nosso trabalho, tendo em conta que é uma coisa tão feita naquele momento e ao vivo, o facto de o teu companheiro rodar alimenta-te […] Porque tu não vens naquele de „Ah ta bem, já sei o que é que vai acontecer…‟ relaxadíssimo, não, tens que estar sempre pronto e alerta e desperto porque são todos muito diferentes uns dos outros, porque eu trabalho um dia com o Doutor Zundapp, o Doutor Zundapp é branco e manda em mim [risos] e trabalho no outro dia com a Doutora Foguete, a Doutora Foguete é maluca da cabeça e eu é que tenho que mandar nela […] isto alimenta-te […]”. (Entrevista a J.G., Hospital Amarelo, 28 de Junho de 2010)

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