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O Hospital é lugar para palhaços? É lugar para palhaços porque estão lá as crianças

CAPÍTULO 5 “RECEITAMOS ALEGRIA”: PERSPECTIVAS DOS DOUTORES PALHAÇOS SOBRE A

5.2. O Hospital é lugar para palhaços? É lugar para palhaços porque estão lá as crianças

Promover o bem-estar e o equilíbrio da criança hospitalizada é a missão do “Doutor Palhaço”, tarefa essa levada a cabo num contexto em que estas duas instâncias parecem falhar, na própria criança, família e profissionais de saúde, mas em que a sua necessidade se revela tão grande, que justifica a presença destes artistas. O contexto hospitalar revela-se muitas vezes um espaço desagradável e triste.

“ […] [O hospital] é um lugar onde o equilíbrio mental falha. Falha no profissional de saúde, que tem que trabalhar com stress, falha nos pais, porque têm o tapete tirado debaixo dos pés, e falha na criança porque ela fica entediada, assustada […]”. (Entrevista a B.Q., Sede da Operação Nariz Vermelho, Lisboa, 16 de Julho de 2010) Com efeito, se até à actualidade a necessidade das visitas do “Doutor Palhaço” às crianças hospitalizadas sofreu uma crescente valorização e reconhecimento por parte de entidades públicas, bem como das famílias e dos profissionais de saúde dos contextos hospitalares que visitam, nem sempre foi assim. No início foi sobretudo questionada a pertinência da presença do palhaço num lugar como o hospital. Sendo este uma entidade que prima pelo rigor, organização, responsabilidade, burocracia, formalidade, foi realmente necessária uma reaprendizagem da função do hospital, enquanto promotora do bem-estar do doente, inerente ao seu processo de tratamento e recuperação. Neste sentido, ao longo do tempo, e desde as primeiras visitas dos Doutores Palhaços aos hospitais, foi crescendo a compreensão e percepção de que se revela realmente possível que coexistam no mesmo contexto brincadeira, humor, arte, afecto, informalidade (características associadas ao “Doutor Palhaço”) e rigor, responsabilidade, seriedade e organização, próprias do contexto hospitalar.

“ Em geral, é… mudou completamente a percepção deles. Eles, no início, pensavam “Que é que vocês estão fazendo aqui? Lugar de palhaço não é na Unidade de Cuidados Intensivos. Vocês não sabem as regras… Esse lugar é Institucional… Muita regra” e… e isso passou, porque eles viram que há um respeito, uma obediência às regras… então desde o início até hoje, a percepção do que a gente faz, a necessidade da nossa presença mudou

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completamente. […]”. (Entrevista a B.Q., Sede da Operação Nariz Vermelho, Lisboa, 16 de Julho de 2010) “Eu acho que…de um modo geral, nós somos muito bem recebidos e toda a gente… […] se calhar à primeira algumas pessoas estranham…não é? „Que é isto? Tamos num sítio sério, e vêm práqui com as brincadeiras…?!‟ […]”. (Entrevista a J.G., Hospital Amarelo, 28 de Junho de 2010) “ […] A educadora F. começa desde logo por referir que a “ONV veio para cá, desde logo para o Hospital Verde” e só depois para o Hospital Amarelo, […] e que achou “desde logo interessante”.[…] Foi uma “inovação no hospital” pois as “pessoas vêem de um dia para o outro narizes vermelhos” neste contexto. […] Ao início criou confusão porque os meninos queriam ir atrás dos palhaços.”. (Notas de Campo, Diálogo com Educadora F., Visita ao Hospital Verde, 7 de Junho de 2010) O próprio “Doutor Palhaço” reconhece que o facto de a sua presença ser de certa forma contraditória no contexto hospitalar, pelas características acima descritas, pode à primeira vista parecer assustadora, percepção que se modifica à medida que estes artistas são observados e compreendida a sua presença no hospital.

“ […] ainda por cima […] normalmente associa-se, e com razão, de que a técnica de palhaço é uma coisa de „eu vou fazer asneiras!‟ de gozar com tudo e mais alguma coisa, […] de repente num sítio tão sério e tão burocrático e tão hermético, como deve ser um hospital, higiénico […]…de repente vêm p‟rá qui personagens que a ideia é fazer asneiras, gozar ou desconstruir…isto, à primeira vista, pode ser assim um bocadinho assustador…”. (Entrevista a J.G., Hospital Amarelo, 28 de Junho de 2010) Muitas vezes, o profissional de saúde, focado no diagnóstico e características de determinada doença, subestimava a presença do Doutor Palhaço junto da criança hospitalizada. Mas essa percepção foi-se alterando ao longo do tempo, à medida que compreendiam o papel do Doutor Palhaço enquanto criador de laços afectivos, não só com a criança hospitalizada, mas também com a sua família, que também ela se encontra “doente” e portanto à espera da presença do Doutor Palhaço. O facto de transmitirem bem-estar e alegria aos pais das crianças, promove desde logo bem-estar e alegria também na criança hospitalizada.

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“ […] Coisas que eles diziam: “Ah.. num vale a pena visitar aquela criança.” “Porquê?” “Ah… porque ela tá… tá entrando num coma induzido e não sei quê” “E como é que ela se chama?” “C.”. “Ah… os pais da C. gostam muito de nós” Deixa a gente entrar pra dar um beijinho…”…” E aí elas entendem que vale a pena às vezes até em estados muito críticos a presença. […]“[ As crianças] Estão mais felizes, e cantar uma música e fazer com que os pais estejam junto de nós, apoiar os pais. […] hoje em dia essa percepção mudou muito… dos profissionais. A relação dos outros profissionais do hospital, enfermeiros, médicos…”. (Entrevista a B.Q., Sede da Operação Nariz Vermelho, Lisboa, 16 de Julho de 2010) “ […] As crianças da sala da espera seguem-nos […] Todos entram no quarto em que o menino dorme e os palhaços fazem sinal para falaram baixinho e começam a mandar beijinhos ao bebé que esta a dormir e à sua mãe que esta ao lado. A Mãe retribui com um sorriso e um beijinho. […]”. (Notas de Campo, Visita ao Hospital Amarelo, 10 de Maio de 2010) Cada vez que chegam novos Doutores Palhaços aos hospitais a curiosidade é uma constante na forma como são recebidos pelos profissionais de saúde e utentes do hospital. Esta curiosidade associada mesmo a algum receio, caracteriza também a reacção de alguns pais à presença destes artistas nos hospitais, quando ainda desconhecem o seu trabalho e modo de actuar, e é tida pelos Doutores palhaços como natural e com a qual estão preparados para lidar. Estes artistas ajudam aqueles que ainda desconhecem o seu trabalho, explicando-lhes que têm formação para trabalhar no hospital, uma vez que conhecem as características e regras daquele meio.

“ […] acho que por sermos novos há sempre aquela curiosidade […]”. (Entrevista a J.G., Hospital Amarelo, 28 de Junho de 2010) “ […] Agora vem p‟rá qui o palhaço…‟ E acredito que para quem não conheça o nosso trabalho e não conheça a Operação Nariz Vermelho possa desconfiar… Porque é um espaço que obriga-te a ter determinadas regras, comportamentos…uma série de procedimentos e que nós realmente estamos preparados e temos formação e fazemos isso… mas rapidamente as pessoas passam essa barreira […]”. (Entrevista a G.O., Hospital Verde, 28 de Junho de 2010) Uma situação que ilustra este “medo do desconhecido” passa-se com o Doutor Boavida e com a sua colega Doutora Zuzu (uma artista da ONV, que não participou nesta investigação) e

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tem lugar no Hospital Verde. Durante a visita dos Doutores Palhaços a crianças isoladas, alguns pais avisam, desde logo, que os Doutores Palhaços não podiam visitar os seus filhos, uma vez que estes se encontravam isolados, alertando-os para os procedimentos e regras inerentes à permanência naquele local, como a necessidade de vestuário específico. Os Doutores Palhaços reagem com naturalidade a estas situações, aproveitando para dar a conhecer o seu trabalho e tranquilizar aqueles que transparecem algum receio e surpresa pela sua presença ali.

“ […] porque como eram meninos novos e pais novos, eles nunca tinham tido contacto connosco e então nós entrávamos, nós batíamos à porta…perguntávamos se podíamos entrar e os pais „não podem, porque ele está isolado‟ e…‟sim, sim, mas nós sabemos os procedimentos. Nós vamos entrar se o menino, se ele…se o João…ou se o…Filipe deixar…Nós vamos entrar.‟ „ah mas tem que vestir a bata e tem que vestir…‟ „sim sim, nós sabemos os procedimentos…não se preocupe‟. Eles nunca associam esta questão de palhaço a responsabilidade… ahh… normalmente os pais não associam…e é normal…[…] não conhecem o projecto…não conhecem o nosso trabalho e pensam „ok vêm aqui dois gandas malucos partir isto tudo e o meu filho não pode…não pode ter contacto extra-quarto‟ e pronto…acontece isso…”. (Entrevista a R.G., Hospital Verde, 28 de Junho de 2010) A forma como são recebidos nos hospitais é caracterizada por algumas diferenças consoante o contexto, mas em geral os Doutores Palhaços são bem recebidos.

“ […] no Hospital Verde e no Hospital Laranja, olham-nos como se já fôssemos parte da mobília... portanto não há grandes olhares estranhos… depende. Não há olhares estranhos, portanto estou a falar em sítios onde vamos especificamente. Nos corredores é normal haver olhares tipo: “O que é que está um palhaço a fazer aqui?” Porque são pessoas completamente diferentes todos os dias. Mas nos sítios onde trabalhamos com regularidade e onde as pessoas nos vêm continuamente, nós somos muito bem recebidos. […] No Hospital Amarelo o progresso é muito mais lento… isto porquê? Porque é um hospital relativamente recente, porque é um hospital que tem dois anos (salvo erro) que estamos lá. Portanto ainda não é um hospital onde sejamos mobília… ainda é completamente diferente.” (Entrevista a R.G., Hospital Verde, 28 de Junho de 2010)

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A regularidade com que efectuam as suas visitas reflecte-se como um factor determinante na forma como os Doutores Palhaços são recebidos pelos contextos hospitalares, revelando uma segurança associada à criação de laços com aqueles que visitam.

“ […] As pessoas sabem que à segunda e à quinta-feira, ok, é um momento de descontracção porque vêm os palhaços e não é só para… não é só para os meninos… não é só para os pais, mas também para os profissionais de saúde… isto é… é muito bom.[…]” (Entrevista a R.G., Hospital Verde, 28 de Junho de 2010)

5.3. Um trabalho que se faz com o coração e com o saber, assim como um médico