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CAPÍTULO 5 “RECEITAMOS ALEGRIA”: PERSPECTIVAS DOS DOUTORES PALHAÇOS SOBRE A

5.6. A improvisação ancorada na formação e na experiência

Antes de iniciar a sua visita, o Doutor Palhaço prepara a sua personagem, no seu “camarim”, passando depois ao processo de transmissão, levado a cabo por uma enfermeira que dá a conhecer aos artistas as crianças que podem visitar. Depois disto estão prontos a iniciar a sua visita.

“[…] Entrámos na Pediatria [do Hospital Amarelo]e chegámos a uma pequena sala. Percebi que era a sala que costumavam usar para se vestirem. Era uma pequena arrecadação, com uma maca à direita, um pequeno móvel estilo “cacifos” à esquerda e em frente, uma

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secretária com um computador, também em frente e uma janela. […] O R.M. vestiu uma camisa branca, umas calças pretas um pouco justas e calçou umas sapatilhas estilo “anti sapato”. Colocou uma “gravata” que era uma meia antiga castanha com relevos enrolada a volta do pescoço, com o ó típico de uma gravata. Na cabeça colocou um chapéu branco estilo aqueles que as crianças levam para a praia, com um pompom de lã vermelho ao cimo. Maquilhou-se, contornando os olhos com risco branco e corando as maçãs do rosto. No final vestiu a bata braça do Doutor Palhaço com o logótipo da Associação Operação Nariz Vermelho. “Tá tudo, J.G.?” “Falta o Nariz!” “Ah isso! E colocou o Nariz de borracha vermelho preso com elástico da cor da pele. O R.M. começava a preparar o seu instrumento musical. Ao mesmo tempo a J.G. vestia-se também, junto ao seu cacifo. Umas leggins pretas. Um vestido azul escuro com corações pequeninos vermelhos e brancos e umas sapatilhas. Maquilhava-se também com contorno branco à volta dos olhos. Faces rosadas. Batom vermelho e uma pintinha vermelha na ponta do nariz. No final vestiu a bata, de manga curta, com uma lista vermelha na base, também com o logótipo da Associação Nariz Vermelho. […]”. (Notas de Campo, Visita ao Hospital Amarelo, 10 de Maio de 2010) A visita do Doutor Palhaço é pautada por um quase total trabalho de improvisação, para o qual os artistas têm formação específica dada pela ONV. Apesar de se basearem em técnicas específicas de palhaço, os Doutores Palhaços actuam de determinada forma consoante o contexto e a criança visitada, tendo ainda em conta outros factores já referidos. Os primeiros momentos da visita traduzem-se por uma fase de pré-leitura do contexto a visitar.

“ […] olha… talvez 90% do nosso trabalho… é todo improvisação. É todo improvisação isto porquê? […] Nós não conseguimos ir com jogos pré-definidos. Nós não podemos dizer: “olha, vamos fazer o jogo da casa-de-banho… ou o jogo da apresentação, num menino que […] veio, […] de um tratamento terrível”. Nós não podemos ir com estas pré-definições. Portanto, grande parte do nosso trabalho é feito ao nível da improvisação. […] estas ferramentas que nós temos são-nos dadas através das fantásticas formações que temos, que nos habilitam a […] num determinado quarto quando entramos.. temos 30 segundos para observar o ambiente e ler completamente aquilo que se passa no quarto e improvisar a partir daí… portanto o nosso trabalho é mesmo este.. de improvisação e é uma boa capacidade de fazer a leitura do quarto.. […]”. (Entrevista a R.G., Hospital Verde, 28 de Junho de 2010)

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“ […] uma das chaves fundamentais do nosso trabalho, é que nós entramos e tentamos fazer uma leitura muito rápida do ambiente, para perceber se podemos actuar ou não, segundo… a idade, o ambiente: tipo está bem disposto, não está bem disposto, o que é que está aqui no ar… é feito assim em poucos segundos… .Essa é a primeira linha fundamental… temos mesmo que saber fazer a leitura, para depois fazeres a actuação […]”. (Entrevista a J.G., Hospital Amarelo, 28 de Junho de 2010) Assim, estando feita a pré-leitura, o Doutor Palhaço pode prosseguir com a visita, cujo desenrolar será adaptado ao contexto e terá em conta o superior interesse da criança, a sua personalidade, os seus medos. O objectivo destes artistas é que se a sua passagem, mais do que transformadora da realidade que encontra, seja positiva e alargada a todos os envolvidos.

“ […] até onde é que podemos ir… há quartos onde podemos “partir o quarto todo”, […]há quartos que só damos um “Olá” ou só damos um abraço a um pai ou só damos um beijo a uma mãe.. ah… nós não temos obrigatoriamente que obter gargalhadas.. o nosso objectivo é transformar o quarto positivamente. Seja por uma grande gargalhada, seja por um abraço, seja por um desabafo de uma mãe, seja por… […] um choro no ombro… […] seja o que for. […]”. (Entrevista a R.G., Hospital Verde, 28 de Junho de 2010) “ […] se chegarmos muito rápido…[risos] elas morrem de susto. Pois…é um bocado… […] não sei, mas…eu estando numa cama e vir dois palhaços assim a chegar a mim muito rápido…acho que ficava cheia de medo, meu…não os queria ver mais à frente… […] nós temos que ter essa pré-leitura para perceber como actuar, não é? Porque há sítios que podemos actuar dessa forma…que não é ir para cima da cama porque… não é permitido, mas é mesmo „ fazer destruir o quarto‟, nesse sentido, mais… metafórico…mas há algumas que é só mesmo o espreitar…mal vês o nariz e aqueles olhos grandes e eles „oh aiiiii‟ e então é uma mão…quantas vezes…quantas vezes é uma mão com um boneco…em vez de…eu acho que temos de tudo e temos…cabe-nos a nós saber lidar com cada situação. […]”. (Entrevista a J.R., Hospital Verde, 28 de Junho de 2010) Durante a sua actuação o Doutor Palhaço, embora actuando de improviso põe em prática técnicas específicas de palhaço, quando pertinentes, sendo que muitas vezes, partindo do princípio, já acima mencionado, de que só a sua presença consegue ser por si

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transformadora, recorre apenas a recursos mais simples como determinado vestuário, acessório ou acompanhamento musical.

“ […] nós trabalhamos essencialmente mais sobre o improviso. Jogamos com algumas técnicas de palhaço [por exemplo uma] que parte do principio em que tu fazes uma proposta, algo muito simples, a que ele [formador] chama origami. Uma proposta que pode ser só pegar num canivete e alguém a seguir diz que o canivete não é assim que se pega, tem que ser assim, e não saímos disto…é levar isso crescendo.. cresces devagar… em intensidade.. isto é por exemplo o tipo de trabalho de improviso que nós fazemos. Temos algumas coisas de bolso às vezes… tipo..para bebés principalmente..” (Entrevista a G.O., Hospital Verde, 28 de Junho de 2010) “ […] nem sempre utilizamos esta técnica, porque não é possível…ou porque não querem participar, ou porque não se justifica…as vezes não se justifica tares a fazer técnica de palhaço... estás vestido de palhaço..mas cantamos uma música… […]”. (Entrevista a J.G., Hospital Amarelo, 28 de Junho de 2010)