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A Antipsiquiatria e a Crítica à Universalidade do DSM

Capítulo 2: Uma Visão Sobre a Doença Mental

2.6. A Antipsiquiatria e a Crítica à Universalidade do DSM

Contrariamente à maioria das perturbações físicas, que podem ser diagnosticadas através de análises clínicas ou de qualquer um outro meio de diagnóstico, para se efetuar o diagnóstico nas perturbações mentais os clínicos utilizam a entrevista clínica e apoiam–se num dos sistemas de classificação em vigor, o DSM (Diagnostic and Statistics Manual) ou o ICD (International Classification of Disorder) existindo ainda um terceiro sistema pouco conhecido e criado especificamente para os cuidados de saúde primários, o ICPC-2 (International Classification of Primary Care-2), (OMS, 2008, p. 218). A elaboração de qualquer um destes manuais partiu da experiência clínica.

Emil Kraepelin165 que apesar não ter desenhado o atual sistema classificativo, é referido como o responsável pela criação das fundações deste mesmo sistema com a publicação do Compendium of Psychiatry que mais tarde passou a Short Textbook of Psychiatry (Beutler & Malik, 2002), tendo sido largamente lido. Mas na realidade o manual mais utilizado nos Estado Unidos foi desenvolvido pelo U. S. Census Bureau em 1840 e que distinguia somente as doenças mentais em “idiotice” e em “insanidade”.

Em 1952 foi publicado o DSM – I, que já vai na versão V, ao qual tem sido levantado muitas críticas à sua “universalidade”.

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Cujos objetivos são pontuais e virados para ultrapassar uma crise e minimizar os efeitos traumáticos que a experiência possa ter provocado (Leal, 2005, p. 127), aqui incluimos as de duração limitada.

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O uso dos genéricos é aconselhado pela Organização Mundial de Saúde, que por serem mais baratos, o permite a sua aquisição pela população mais pobre, conforme: How to Develop and Implement a National Drug Policy (Second Edition), http://apps.who.int/medicinedocs/en/d/Js2283e/5.2.2.html, consultado a 15/9/2013.

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A sugestão deste autor vai para os grupos de encontro rogerianos.

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Os autores166 do DSM – IV procuraram ultrapassar a crítica da dificuldade em comunicar com profissionais fora dos Estados Unidos, que usavam um outro sistema classificativo, tentando assim aproximar-se do contido na seção das perturbações mentais da 10ª edição da Classificação Internacional das Doenças e Problemas de Saúde Relacionado (ICD – 10)167.

A crítica tem como fundamento o facto que a organização dos diagnósticos e tratamentos se baseia demasiado no modelo biomédico, excluindo as visões dos psicólogos e assistentes sociais, já vindo desde o DSM – III168 e continuou a manter-se nas versões posteriores.

Tal como Watters (2010) antevia sobre o DSM-5, houve uma “dança” de doenças mentais a entrar e a sair da classificação, com o apoio das indústrias farmacêuticas que entretanto já tinham anunciado a criação de 301 novos medicamentos169, sendo 36 para a depressão e 54 para a ansiedade. Com base em situações anteriores, é sabido que após a publicação do DSM-5 os técnicos ocidentais irão promover as novas doenças em “lugares exóticos”, através de conferências e seminários internacionais, assim como ensinar os curandeiros locais a detetar estas novas doenças (Watters, 2010, p. 253).

Uma das críticas ao novo DSM170 que mais se tem ouvido nos congressos é sobre a inclusão de cada vez mais doenças/categorias, sendo esta a forma de aumentar o uso e consumo de medicamentos.

Com este novo manual é difícil não sofrermos de uma qualquer patologia ou disfunção mental ou comportamental, que apesar de retirar algumas categorias, introduz 15 novas doenças, ou seja mais 12% do que as 300 categorias do DSM-IV.

É igualmente sabido que existe o interesse em incluir tudo o que é possível neste manual, de forma a que as seguradoras paguem os tratamentos, psicoterapias e hospitalizações.

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Uma das críticas prende-se ao facto do grupo de trabalho ter sido constituído somente por homens, brancos e psiquiatras académicos, apesar da tentativa em incluir mulheres, diferentes grupos raciais e etnicos, assim como outros profissionais como sendo os psicólogos e assistentes sociais.

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Em português CID – 10, publicado pela Organização Mundial de Saúde, 1992.

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No DSM – III, publicado em 1980, foram introduzidas importantes modificações metodoloógicas e estruturais que em parte se mantiveram até à atualidade. As alterações no DSM – IV também se relacionam com o facto que desde os anos 70, os psiquiatras, eram pressionados pelas seguradoras no sentido de produzirem diagnósticos mais precisos (Lawlor, 2012).

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Grupo PhRMA (Associação Americana da Indústria Farmacêutica) pelo Vice Presidente Senior Ken Johnson, (Watters, 2010).

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O número de categorias/desordens tem vindo a aumentar de edição para edição. Começou com 198 em 1952 e em 1994 já abrangia 340 categorias.

O DSM – I era um manual de 65 páginas, que passou para 134 páginas no DSM – II, 494 páginas no DSM – III atingindo as 886 páginas no DSM – IV (Ver Anexo 17, Ronson, 2012, pp. 219, 220).

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Outra das críticas feitas à forma como foi elaborado, é o facto de terem feito parte da comissão elementos das indústrias farmacêuticas com um grande peso financeiro.

A visão da depressão, tal como muitas outras patologias, tem sofrido grandes alterações nas diferentes versões do DSM. Verificamos que os critérios são cada vez mais específícos e detalhados, assim como em relação ao tempo em que sintomas têm de estar presente, tem vindo a ser reduzido.

No DSM-I a depressão é vista como o resultado de uma situação que o doente está a viver e que sente não ser capaz de lidar com ela, associada muitas vezes ao sentimento de culpa por falhas passadas (Lawlor, 2012).

Mas só após o DSM-III é que a depressão passou a ser vista como um problema, tornando-se o foco principal das indústrias farmacêuticas (Lawlor, 2012) e que culminou com o famoso Prozac, também conhecido pela “pílula da felicidade”.

Apesar do DSM – 5 ter algumas novas patologias no espectro das perturbações depressivas, em relação à Depressão Major tanto os critérios de sintomas para o diagnóstico como a duração requerida não sofreram alterações em relação ao DSM – IV (APA, 2013).

Paralelamente, têm sido desenvolvidos diversos estudos171 que contrariam esta “febre” por antidepressivos e em que se debate a questão do “efeito placebo”172 (Lawlor, 2012). Um destes trabalhos desenvolvido pelo psicólogo clínico Kirsch, tendo concluído que os antidepressivos são só marginalmente mais eficazes que os placebos e que mesmo face a depressões profundas, os antidepressivos só são ligeiramente mais eficazes que os placebos (Lawlor, 2012)

Uma vez que o DSM foi criado com base em sintomas que são expressão de emoções,

não consegue ter a mesma aplicação universal, uma vez que noutras culturas esta relação não é feita de forma tão linear, ou seja não é feita da mesma forma e tem resultados diferentes (Pussetti, 2006; Leff, 1981).

Tem-se tornado claro que os modelos da psiquiatria ocidental não são totalmente e de forma cega, aplicáveis a outros enquadramentos sociais, tendo pouco valor os modelos de psicoterapia ocidental em contextos que não sejam aqueles para os quais foram criados (Boia e Errante, 2002).

Também a capacidade de insight difere entre culturas e, segundo Pussetti (2006, p. 13) nas entrevistas por ela elaboradas a médicos ocidentais, estes consideram que os africanos demonstram uma menor capacidade em verbalizar e em exprimir de forma abstrata, questão a

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Em Watters (2010) esta questão é também analisada, chegando-se à mesma conclusão.

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que esta investigadora discorda após trabalho desenvolvido na Ilha de Bubaque (Arquipélago dos Bijagós) onde ela encontrou: “...um vocabulário das emoções muito complexo e uma refinada capacidade de comunicar os próprios estados interiores”, sendo um dos exemplos o “coração queimado”, que quem sofre deste mal, fica sem esperança, sente-se cansado, não tem vontade de comer, de falar e chora por nada, toda uma sintomatologia do que nós classificamos como depressão (Pussetti, 2006, p. 17).

De Jong173, que foi psiquiatra na Guiné concorda que não se pode fazer diagnósticos baseados somente no DSM, defendendo que na revisão do DSM devem estar presentes antropólogos, por estes serem quem melhor conhece e interpreta as diferenças culturais que devem ser levadas em conta nesta nova versão do manual.

Segundo Pires (2002, p. 27) a depressão “é um conjunto de reações psicofisiológicas, e outras, perante acontecimentos reais ou imaginados, nos quais a pessoa se sente literalmente afundada”.

Por outro lado Matos (2007, p. 451) refere a importância em “Desmedicalizar, despsiquiatrizar” uma vez que também para ele as perturbações psíquicas resultam de uma história com várias “vicissitudes relacionais”.

Tal como William Glasser174 (2011) psiquiatra americano, que levantou uma enorme polémica ao acusar os seus colegas de quererem diagnosticar os clientes com doenças mentais e prescreverem medicamentos, quando o problema destes era sofrerem de infelicidade e não de distúrbios mentais.

Fica-nos então a reflexão, tal como Watters refere: “We are engaged in the grand project of Americanizing the world’s understanding of the human mind” (Watters, 2010, p. 1), em que as perturbações mentais são vistas como universais tanto na forma como na sintomatologia e em que os tratamentos foram standardizados.