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Capítulo 2: Uma Visão Sobre a Doença Mental

2.2. A Depressão

2.2.2. Caracterização da depressão

A depressão caracteriza-se pela perda de energia, cansaço, perturbações do sono e do apetite, um estado de tristeza persistente, um pessimismo muitas vezes acompanhado por ansiedade ou irritabilidade, assim como perda de auto estima, sentimento de culpa e pensamentos recorrentes sobre a morte ou mesmo sobre suicídio. Também o desinteresse pelas atividades que anteriormente o indivíduo desenvolvia e sintomas diversos sem qualquer justificação física130 (dores, palpitações, dormência dos membro) são sinais de uma provável depressão.

Apesar de nem sempre estes sintomas estarem presentes131 nos deprimidos, o que é comum e claramente observável, é o sentimento de vazio, que se traduz na lentificação psicomotora. A voz perde volume e vivacidade, o agir torna-se doloroso, não que tenha deixado de gostar das coisas, mas as atividades tornam-se difíceis, não que tenha perdido o amor pelos seus, só que “já não retira disso nenhuma alegria” (Widlöcher, 2001, p. 28).

O indivíduo deprimido não consegue visualizar uma saída para o problema com que se está a debater, sente-se culpado pela sua situação e seu estado de incapacidade, agravando ainda mais a sua situação e aumentando os níveis de ansiedade. Para o doente deprimido tudo é vivido com extrema gravidade, em que o passado é transportado para o presente, o futuro mostra-se pouco animador e o presente deixou de fazer sentido.

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Assim chamado por ser dito que era induzido pelo clima inglês.

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Esta ideia da necessidade de uma dieta equilíbrada de forma a restabelecer o equilíbrio interno continua a fazer parte da moderna perspetiva da visão do corpo humano, como sendo um sistema de fluídos que necessitam de estar em equilíbrio.

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Na altura era aconselhada a prática de equitação.

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Também designadas de queixas somáticas e para as quais não se encontram causas médicas.

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A tristeza e a depressão podem ser vistas como “pólos” de um mesmo processo, sendo a primeira considerada “fisiológica” e a segunda “patológica” e por isso tantas vezes relacionadas entre si e relacionadas em termos neurofisiológicos132.

Para Patel (Helman, 2007) o referencial indicativo da depressão é a alteração do humor acompanhado com sentimentos de tristeza e desespero, que podem ser acompanhados por um conjunto de sintomas somáticos de longa duração e que se aplicam a qualquer cultura, como sendo o cansaço, a fraqueza, as dores, as tonturas, as palpitações e os problemas com o sono.

Dos sintomas não somáticos Patel refere a perda de interesse nas atividades diárias, os pensamentos suicídas, a dificuldade de concentração e a ansiedade excessiva.

Patel também alerta, que pelo facto de nas sociedades ocidentais à depressão se associar alterações do humor, são muitas vezes feitas associações erradas entre estados de tristeza e depressão. É pois importante, segundo ests autor, que psiquiatras que tratem imigrantes, tenham um especial cuidado com a questão linguística e tradução para não deturparem o real sentido do que o doente quer expressar.

Por exemplo no Zimbabwe a kunfungisia, na China a neurasthenia e o susto133 na América Latina apesar de semelhantes à construção psiquiátrica da depressão, não são o mesmo.

Já para os imigrantes asiáticos na Grã-Bretanha, a depressão é manifestada através de sintomas somáticos, tais como a fraqueza generalizada, o sentir constantemente os intestinos, o medo de ter um ataque cardíaco, a preocupação com a saúde dos órgãos genitais e emissões noturnas com perda de sémen na urina (como sendo dhat ou jiryan) no entanto a presença destes sintomas não implica necessariamente uma situação depressiva (Helman, 2007). Este sintomas que são comuns a muitos momentos mais difíceis da vida, só são sinal de depressão quando se prolongam no tempo e interferem com a vida diária, chegando a torná-la insuportável.

Segundo o DSM-IV-TR (2002) os diferentes tipos de depressão pertencem à categoria dos perturbações do humor134 e em que cada um dos subgrupos135 se caracteriza por um conjunto de critérios de diagnóstico próprios.

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www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol35/n2/55.htm. Consultado em 5-2-2013.

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Acontece após um acidente não explicável ou de uma situação de medo, também chamada de “perda da alma” e pode acontecer durante o sono.

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No DSM-5 passaram a “Perturbações Depressivas”.

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Perturbações Unipolares - Perturbação Depressiva Major, Perturbação Distímica, Perturbação Depressiva Sem Outra Especificação.

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Dependendo do número e sintomas apresentados e da sua severidade, o episódio depressivo pode ser categorizado como leve, moderado ou grave. No geral podemos considerar duas categorias nestas desordens: A desordem depressiva ou depressão major, também referida como depressão unipolar e a desordem bipolar anteriormente designada por psicose maníaco depressiva. Tanto depressões unipolares como bipolares podem-se tornar crónicas.

Em 2002, as depressões unipolares ocupavam o 4º lugar da classificação dos principais contribuidores para a carga global de doença (OMS, 2008) tendo passado para o 3º lugar em 2011 e estima-se que chegue ao 1º lugar no ano de 2030 (WHO, 2012).

Segundo Widlöcher (2001) não há grande interesse na distinção entre tipos de depressão, com exceção da proposta por Kielholz por se basear nas causas, que segundo este autor podem ser “... causas físicas e psicológicas” (Widlöcher, 2001, p. 33). Vemos então, que as primeiras são as depressões somáticas, provocadas por uma qualquer forma de lesão ou acidente cerebral e, as segundas, as depressões exógenas ou reacionais, provocadas por “um conflito psicológico interior permanente” (Widlöcher, 2001, p. 33). A estas ainda podemos acrescentar as depressões com base hereditária136 e as depressões endógenas, que surgem sem causa aparente e que para Hallstrom & Mcclure (2000) são consideradas as mais graves.

Para além dos fatores emocionais envolvidos e determinantes na depressão, também não podemos deixar de referir a existência da implicação de determinantes genético e biológicos, particularmente as alterações ocorridas no sistema imunológico137.

Já segundo DSM, as duas categorias com maior relevância são as depressões major ou unipolares e as perturbações bipolares (Pires, 2003).

Uma vez que a gravidade da depressão vai limitar e moldar a capacidade de desempenho laboral e social do indivíduo, será então importante prever o risco da sua recorrência, para que em pacientes com alta probabilidade se mantenha a medicação com antidepressivos (Hardeveld, Spijker, De Graaf, Nolen & Beekman, 2013) e o acompanhamento psicoterapêutico.

Perturbações Bipolares - Perturbação Bipolar I, Perturbação Bipolar II, Perturbação Ciclotímica, Perturbação Bipolar Sem Outra Especificação.

Perturbação do Humor Devida a um Estado Físico Geral, Perturbação do Humor Induzida por Substâncias, Perturbação do Humor Sem Outra Especificação.

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Esta questão é discutível pois o comportamento deprimido pode resultar de uma aprendizagem com o meio envolvente (Hallstrom & Mcclure, 2000; Widlöcher, 2001).

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“Fatores psicológicos e doença oncológica: estudo da relação entre psicoticismo, hostilidade e depressão com a evolução da doença”. Tese de Doutoramento em Psicologia, aprsentada à Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, por José António Ferreira Pinto Sargento, 2012. Exemplar cedido pelo autor.

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Na depressão bipolar estão presentes de forma alternada, episódios tanto maníacos como depressivos. Os episódios maníacos caracterizam-se por um excesso de energia, assim como um exagerado sentimento de grandiosidade, envolvendo um período de hiper atividade durante o qual a necessidade de dormir diminui substancialmente.

A nível das classificações das doenças mentais, tem sido desenvolvido um enorme esforço para uniformizar as categorias e critérios de diagnóstico, nos dois grandes sistemas classificativos, CID-10 e DSM (atualmente na 5ª versão).

Podemos ver na Tabela 1 a comparação da classificação da depressão nestes dois sistemas.

Tabela 1

Comparação da Classificação da Depressão pelo CID-10 e DSM-IV-TR

CID-10 DSM-IV-TR

Distúrbios do Humor Perturbações do Humor

 Perturbação Afetivo Bipolar

 Perturbação Depressivo Recorrente

 Perturbação Persistente do Humor - Ciclotímica

- Distímica

- Outras Perturbações Persistentes do Humor

 Outras Perturbações do Humor

 Perturbação do Humor não Especificado

 Perturbações Depressivas: - Depressão Major - Distímica  Perturbações Bipolares: - Perturbação Bipolar I - Perturbação Bipolar II - Ciclotímica

 Outras Perturbações do Humor:

- Perturbações do Humor devido a um Estado Físico Geral

- Perturbação do Humor Induzida por Substâncias

O indivíduo deprimido pode apresentar sintomatologia depressiva diferente ao longo da vida, da mesma forma que esta também se altera consoante a idade do paciente.

Podemos então dizer, que existe uma relação entre mente e corpo, em que estes interagem permanentemente e influenciam-se de tal forma que se torna possível pela ação de um ou do outro, uma desregulação física e/ou biológica (Quartilho, 2001).

Foi pela compreensão desta relação que Karl Jaspers introduziu na psiquiatria a interpretação da saúde mental e a conexão entre vivências e estados de espírito (Pio Abreu, 2006).

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Mas também é possível olhar a doença psicológica como uma forma do organismo se defender de algo que sente que lhe irá causar dor ou desprazer. Nesta perspetiva podemos então dizer, que a depressão é um mecanismo para evitar determinadas emoções.

Um dos riscos que a depressão acarreta, devido ao enorme sofrimento que o doente vive, é o suicídio, em particular nos casos de perturbação bipolar, em que cerca de 20 por cento de quem sofre desta perturbação acaba por cometer suicídio (Gleitman, Fridlund & Reisberg, 2003).

Quase um milhão de vidas são perdidas devido a suicídios, o que significa cerca de 3000 de suicídios por dia. Por cada suicídio conseguido, há por dia, 20 ou mais tentativas frustradas (WHO, 2012).

É com Durkheim que surge o interesse e o primeiro estudo sobre o suicídio. Segundo a sua visão, o suicídio teria como causa a ausência e/ou o desregulamento de normas138, o que leva a um estado de desorganização pessoal. Só com a existência de limites nas normas sociais os indivíduos seriam felizes.

Segundo Émile Durkheim, as necessidades humanas, ao contrário do que acontece com os animais, têm uma capacidade de se prolongarem de forma infinita. Seria então esta inexistência de um limite natural aos desejos do Homem, a responsável pelo desejo de realização e satisfação. Este desejo uma vez incorporado na consciência social, legitimaria o comportamento dos indivíduos ao ditar as regras sociais (Durkheim, 2001).

Em relação às queixas físicas, Kleinman (Helman, 2007) refere que muitas vezes estas queixas são uma forma de coping para lidar com a doença, pois é mais fácil e mais aceitável socialmente dizer “Tenho uma dor” do que “Sinto-me deprimido”.

Segundo algumas novas teorias são os indivíduos que aprendem, o que Martin Seligman139 chama de “learned helplessness”140 (Widlöcher, 2001, p. 154) pois o indivíduo acaba por acreditar que não tem poder sobre os acontecimentos, tornando-se “helpless”141. Na opinião de Seligman seria necessário passar por grandes e vários traumas para que a depressão se instalasse, assim a tristeza seria uma reação à própria incapacidade do indivíduo.

138

A que o autor chamou de anomia.

139

Antigo presidente da American Psychological Association (APA).

140

“Desamparao aprendido” (tradução da autora).

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