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Capítulo 2: Uma Visão Sobre a Doença Mental

2.5. A Era dos Antidepressivos

Graças ao crescente interesse tanto de antropólogos como de outros profissionais de saúde mental, foi possível tanto a reforma das visão da doença mental como das instituições psiquiátricas que até à década de 80 não eram mais que asilos para doentes mentais.

Esta corrente, conhecida pelo movimento antipsiquiatria que teve início em Itália com Basaglia nos anos 70 não deixou a antropologia indiferenteda abrindo um novo entendimento à doença mental e da influência da cultura.

Estavam então abertos novos caminhos para a prática de uma nova psiquiatria e para novas teorias sobre a doença mental.

Com a criação dos sistemas classificatórios das doenças e neste caso das doenças mentais156, chegou-se a um ponto em que qualquer comportamento fora do padronizado é classificado como anormal e medicalizado, parecendo não haver mais espaço para comportamentos como a necessidade de isolamento ou de emoções como a tristeza. Este é um sentimento que se inicia com um desgosto ou perda e nos leva à necessidade de quietude e recolhimento, a um tempo de luto e choro, em que o indivíduo necessita de um espaço para si e para se reestruturar.

Os antidepressivos foram a fórmula “mágica” para se ultrapassar estes momentos quase que num abrir e fechar de olhos, num mundo onde deixou de haver tempo para o luto e a tristeza.

Apesar de se poder olhar para esta enorme panóplia de antidepressivos lançados no mercado como uma vitória da indústria farmacêutica, o certo é que vivemos numa época de um uso excessivo destes medicamentos (Matos, 2007).

Os tratamentos para as depressões têm variado conforme o olhar dos psiquiatras e investigadores. Com a divisão de depressões psicóticas e neuróticas, por Audrey Lewis em 1934, verificou-se que as psicóticas respondiam de forma diferente aos tratamentos com eletrochoques e com imipramina (o 1º antidepressivo dos tricíclicos desenvolvidos noa anos 50) e não tão bem em doentes com uma depressão menos grave considerada “reactiva ou neurótica” (Lawlor, 2012).

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O CID-10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, 10ª revisão. Esta Classificação foi aprovada pela Organização Mundial de Saúde, realizada em Genebra no ano de 1989, tendo a CID-10 entrado em vigor apenas a 1 de Janeiro de 1993, após a necessária preparação de material de orientação e formação. A sua implementação em Portugal ocorreu antes do ano 2000, sendo já utilizada nas estatísticas oficiais de saúde.

O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM) é uma publicação da American Psychiatric Association, que tem vindo a crescer ao longo dos anos. O DSM-I de 1952 tinha 130 páginas, passando para 947 da versão mais recente – DSM 5.

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George Ashcroft, em 1950, introduz a ideia da origem da depressão estar na deficiente quantidade de serotonina no cérebro, acabando por desistir dela nos anos 70, declarando no American Psychiatric Press Texbook of Clinical Psychiatry, “Additional experience has not confirmed the monoamine [of which serotonin is a subgroup] depletion hypothesis” (Watters, 2007, p. 235).

A relação que foi estabelecida entre os baixos níveis de serotonina encontrados no cérebro de indivíduos com depressão, tem sido largamente discutida, com acusações contra as farmacêuticas por estas pagarem e estarem por detrás das investigações e estudos que comprovam o efeito positivo dos antidepressivos.

Pode-se dizer que a teoria do desequilíbrio bioquímico e metabólico a nível dos neurotransmissores do sistema nervoso central, como a serotonina e a noradrenalina ainda não está clara, havendo mesmo autores que a contestam (Pires, 2002; Healy, 2003).

Não existem provas suficientes no sentido de se ter a certeza se o desequilíbrio químico no cérebro é causado pela depressão, ou pelo contrário se é efeito desta.

Através de Ressonâncias Magnéticas pode-se verificar que um cérebro de um doente com depressão tem efetivamente alterações, mas não está igualmente claro se é a depressão que provoca as alterações ou vice versa, sendo a medicação antidepressiva a causadora das lesões verificadas no cérebro (Lawlor, 2012).

Se formos olhar os estudos sobre a depressão, e tal como Pires (2002) refere ao citar Breggin (2001), toda a investigação biopsiquiátrica é feita com patrocínio de laboratórios, que têm procurado alargar o consumo de antidepressivos. Não podemos por isso acreditar, que os resultados sejam totalmente imparciais, para além de serem sempre minimizados os efeitos secundários, tal como aconteceu com a paroxetina157.

O mesmo autor (Pires, 2002, p.33) refere ainda que a indústria farmacêutica tem procurado fazer crer que a “depressão é uma doença em que existe um défice em bioaminas e que existem fármacos recuperadores deste défice”.

Segundo a GlaxoSmithKline158, (Watters, 2010) a serotonina ajuda a que as mensagens se movimentem entre as células no cérebro, esta comunicação fica interrompida quando o nível deste neurotransmissor químico é alterado, surgindo assim a depressão. No

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Substância ativa utilizada em alguns anti depressivos.

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A GSK é uma companhia de produtos farmacêuticos multinacional britânica, está sediada em Londres e é a 4ª maior do mundo. Esteve recentemente envolvida num enorme escândalo por promoção fraudulenta de medicamentos, entre eles o antidepressivo cuja substância ativa – a paroxetina, aumentaria o risco de tendência suicída em jovens adultos. www.rtp.pt/noticias/index.php?article=127092&tm=7&layout=121&visual=49, consultado a 12-10-2013.

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entanto, é sabido que o efeito dos antidepressivos não é manter o equilíbrio dos níveis de serotonina, mas sim alterar o equilíbrio químico do cérebro (Watters, 2010).

Estudos recentes desenvolvidos pela Organização Mundial de Saúde revelaram um quadro bastante diferente no que respeita a tratamentos, sendo mais indicado para as depressões, a prescrição de um tónico ou de um sedativo em vez dos antidepressivos que, por sua vez devem ser prescritos nos casos de ansiedade (Healy, 2003).

Sabendo que não se poder generalizar a todo o tipo de depressões159, somos levados a pensar que efetivamente se pode chegar à cura sem antidepressivos.

Apesar de todas as doenças terem uma expressão externa, esta é muitas vezes olhada somente no momento, sem se analisar uma continuidade do que aconteceu antes do despoletar do que se tornou visível.

Mas não são só os sintomas que fazem uma doença, mas sim esta combinação de sintomas com crises e situações, que tal como Foucault aponta (1998, p. 32) “…é o situar um sintoma numa doença”, para que o doente não um mero recipiente de uma patologia.

Também é corrente a ideia, que o tratamento com psicoterapias ou mesmo as ditas terapias alternativas só se aplicam a casos de depressão ligeira. Nos casos de depressões mais profundas e porque se aceita o princípio da depressão ser o resultado de um desequilíbrio bioquímico, o tratamento com psicofármacos é sempre obrigatório.

No entanto, o que se verifica é que muitos doentes ao serem medicados com antidepressivos, muitas vezes por estarem a passar por momentos de tristeza ou melancolia, acabam por ver aumentar os sintomas, para os quais se vai dando mais fármacos, como calmantes e comprimidos para dormir, aumentando a dependência a estes, (Breggin, 2001, citado por Pires, 2002) que mais tarde irá obrigar a um “desmame”, por vezes nada agradável.

Por outro lado diversas experiências têm demonstrado que o tratamento com placebos160, fazem os pacientes interpretarem os sinais do corpo como resultado do fármaco, reagindo com um aumento de atividade e mobilidade.

Na Guiné-Bissau, não foi possível ver o resultado do tratamento com fármacos, pois por falta de medicamentos, ou por falta de possibilidade financeira para os comprar ou mesmo pela recusa em prosseguir o tratamento devido aos efeitos secundários161, considerados muito desagradáveis e limitadores da vida diária, os pacientes nunca prolongaram a toma de medicamentos mais do que três semanas.

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Caso das depressões com uma base biológica/genética.

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Placebo – é qualquer produto quimicamente inerte ou pelo menos não contendo o princípio ativo indicado para a situação que normalmente é prescrito.

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Aquilo que sabemos é que a depressão é a primeira causa de incapacidade a nível mundial e que os tratamentos usados são os antidepressivos e as psicoterapias breves162.

Segundo a OMS (2008) diversas análises económicas demonstraram que o tratamento da depressão é possível nos cuidados primários e relativamente barato (menos de um dólar) e com bastante sucesso usando um genérico163 antidepressivo, intervenção psicossocial, ao que Healy, (2003, p. 261) acrescenta “a participação em grupos de encontro”164

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