• Nenhum resultado encontrado

A aprendizagem significativa é um dos princípios pedagógicos que embasam o referencial pedagógico da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. A referida política tem ganhado força como um aporte importante para a gestão de recursos humanos na área. Segundo Ceccim (2005), a introdução da Educação Permanente em Saúde seria a estratégia fundamental para a recomposição das práticas de formação, atenção, gestão, formulação de políticas e controle social no setor da saúde. De acordo com argumentos divulgados no Seminário Internacional de Políticas de Recursos Humanos em Saúde, é desejável que a aprendizagem seja contínua e ao ‘longo da vida’, pois as IES criam oportunidades apenas para o contato inicial dos futuros profissionais com suas áreas específicas de atuação, centrando-se em determinados conhecimentos técnicos e negligenciando outras habilidades relevantes, tais como: a capacidade de aprender a aprender e de desenvolver trabalho em equipe a fim de resolver os problemas emergentes no setor e melhorar a qualidade da assistência, bem como, o desenvolvimento crítico e ético dos sujeitos (FEUERWERKER; LIMA, 2002).

O anexo da Portaria nº 198/2004 que orientava a operacionalização da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde apresentava o enfoque que deveriam ter os projetos voltados à formação de profissionais. Uma das linhas a serem apoiadas, financeiramente, referia-se à necessidade de mudança na graduação em saúde, pelo incentivo à implemantação das diretrizes curriculares para o ensino da área. Especificamente, quanto à educação formal dos profissionais da área, o documento apontava quais príncipios pedagógicos deveriam nortear a formação, a saber:

[...] o desenvolvimento de estratégias para transformações curriculares na graduação das profissões de saúde; desenvolvimento de currículos integrados; adoção de metodologias ativas de ensino-aprendizagem que possibilitem tomar as práticas e problemas da realidade como mote para a aprendizagem; adoção de metodologias inovadoras de avaliação, diversificação dos cenários de práticas desde o início do curso [...] (BRASIL, 2004d, p. 19).

A Educação Permanente em Saúde recorre aos pressupostos das metodologias ativas, tomando essencialmente a noção de aprendizagem significativa como princípio pedagógico. Nesse sentido, vincula a aprendizagem a elementos que façam sentido imediato aos sujeitos envolvidos, de acordo com o que discutem Lima et al. (2010); Pinto et al (2010) e Ramos (2009).

Na aprendizagem significativa, educador e estudantes têm papéis diferentes dos tradicionais. O professor não é mais a fonte principal da informação (conteúdos), mas o facilitador do processo ensino-aprendizagem, que deve estimular o estudante a ter postura ativa, crítica e reflexiva durante o processo de construção do conhecimento. Necessariamente, os conteúdos trabalhados devem ter potencial significativo (funcionalidade e relevância para a prática profissional) [...] Para que a aprendizagem seja significativa, há que se trabalhar com uma pedagogia diferenciada, que considere cada sujeito com seus potenciais e dificuldades, que esteja voltada à construção de significados (FEUERWERKER; LIMA, 2002, p. 172).

A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, além de orientar a mudança teórico-metodológica da formação inicial concretizada nos cursos de graduação, também indicou outros enfoques que reforçariam a formação de profissionais para o SUS, sendo eles: desenvolvimento de ferramentas e metodologias para a educação permanente em saúde; educação e desenvolvimento de profissionais de saúde voltados para a atuação na Saúde da Família, na gestão e para o controle social do SUS (BRASIL, 2004d).

Ao aprofundar o estudo sobre os pressupostos das pedagogias novas foi possível identificar a articulação do pressuposto da aprendizagem significativa com o referencial de autores defensores da não diretividade pedagógica.

Um dos difusores da não diretividade pedagógica foi Carl Ransom Rogers (1902- 1987), psicólogo norte-americano de grande influência, por sistematizar um método ao qual denominou “Terapia Centrada no Cliente”, ou também “Abordagem Centrada na Pessoa”. É considerado o precursor da Psicologia Humanista e seus métodos estão descritos em algumas de suas obras. Os livros Tornar-se Pessoa e A Pessoa como Centro, traduzidos e

divulgados no Brasil na década de 1970, explicitam os fundamentos de sua abordagem em psicoterapia.

A construção de seu referencial sobre a educação pode ser identificada de forma mais pontual na obra Liberdade para Aprender, em que Rogers levou os princípios de sua Terapia Centrada no Paciente para o campo educacional, definindo a aprendizagem significativa e o professor facilitador como conceitos-chave em sua teoria. Nos fragmentos a seguir percebe-se como Rogers compreendia o processo de aprendizagem e de certa forma o papel do professor:

Creio que aquilo que se pode ensinar a outra pessoa não tem grandes conseqüências, como pouco ou nenhuma influência significativa tem sobre o comportamento [...]

Compreendo cada vez melhor que apenas estou interessado nas aprendizagens que tenham uma influência significativa sobre o comportamento. É muito possível que se trate unicamente de uma idiossincrasia pessoal.

Sinto que o único aprendizado que influencia significativamente o comportamento é o aprendizado autodescoberto, auto-apropriado.

Um conhecimento autodescoberto, essa verdade que foi pessoalmente apropriada e assimilada à experiência de um modo pessoal, não pode se comunicar diretamente a outra pessoa (ROGERS, 1985, p. 254).

Para Rogers (1971), os seres humanos têm naturalmente potencialidade de aprender, e aprendem algo que se relaciona com os seus próprios objetivos, portanto, a aprendizagem deve ser significativa e autodirigida. Ao professor caberia a função de promover um clima favorável de liberdade para facilitar a aprendizagem, trazendo à tona os propósitos individuais ou os do grupo.

O conceito de aprendizagem significativa ganha destaque como um dos princípios pedagógicos defendidos pelos documentos que tratam da orientação da formação em saúde no Brasil, e como já exposto, é um dos princípios da não diretividade na educação. Segundo Rogers (1971), a aprendizagem significativa seria toda aprendizagem autodescoberta, aquela com sentido imediato para os sujeitos envolvidos:

A aprendizagem significativa verifica-se quando o estudante percebe que a matéria a estudar se relaciona com seus próprios objetivos [...] uma pessoa só aprende significativamente aquelas coisas que percebe implicarem na manutenção ou na elevação de si mesma (ROGERS, 1971, p. 154).

A aprendizagem significativa aumenta ao máximo, quando o aluno escolhe suas próprias direções, ajuda a descobrir recursos de aprendizado próprio, formula problemas que lhe dizem respeito, decide quanto ao curso de ação a seguir (ROGERS, 1971, p. 158).

Considerando o exposto, é possível fazer algumas ponderações com relação à concepção e aos desdobramentos pedagógicos do conceito de aprendizagem significativa, retirado do contexto da clínica psicológica e aplicado aos processos formais de educação. Ao que parece, o referido princípio pedagógico secundariza o papel do professor como mediador do processo de ensino-aprendizagem, pois parte do pressuposto de que o professor não deve transmitir conhecimentos, deve facilitar a aprendizagem e os conteúdos escolares precisam estar diretamente relacionados às experiências dos alunos.

No campo específico da Psicologia da Educação, David Paul Ausubel4, ao tentar

explicar a aprendizagem escolar e o ensino trabalhou com o conceito de aprendizagem significativa, o qual se tornou central em sua teoria.

Segundo Pelizzari et al. (2002), as ideias de Ausubel, formuladas inicialmente nos anos de 1960, podem ser consideradas as primeiras propostas psicoeducativas que tentaram explicar a aprendizagem escolar e o ensino sob uma ótica divergente aos princípios direcionistas.

Para Ausubel (2002), a aprendizagem significativa ocorre quando o estudante relaciona, de forma não arbitrária e substantiva (não literal), uma nova informação a outras com as quais já esteja familiarizado, sendo o resultado dessa relação, o surgimento de um novo significado.

A aprendizagem significativa pressupõe que o aluno manifeste uma disposição para a aprendizagem significativa – ou seja, uma disposição para relacionar, de forma não arbitrária e substantiva, o novo material à sua estrutura cognitiva – e que o material aprendido seja potencialmente significativo – principalmente incorporável à sua estrutura de conhecimento através de uma relação não arbitrária e não literal (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980, p. 34).

As duas características básicas da aprendizagem significativa definida por Ausubel são: a não arbitrariedade e a substantividade. A não arbitrariedade refere-se ao entendimento de que o material potencialmente significativo se relaciona de forma não aleatória com os conhecimentos já existentes na estrutura cognitiva do estudante. “Os conhecimentos, que o indivíduo adquiriu ao longo da sua existência, funcionam como um conjunto ordenado e

4 David Paul Ausubel (1918-2008) foi um psicólogo importante da educação estadunidense. Destacou-se ao propor a teoria cognitivista da aprendizagem, que afirmava a tese de que aprender é construir conhecimento. Sua teoria se contrapôs à forma em que era encaminhada a educação escolar em seu tempo, fundamentalmente as ideias behavioristas de aprendizagem e desenvolvimento humano. Foi influenciado por Piaget ao elaborar seu pensamento educacional (FERNANDES, 2011; PELIZZARI. et al., 2002).

organizado de idéias para a incorporação, compreensão e fixação de novos conhecimentos [...]” (PRAIA, 2000, p. 124).

A substantividade implica em que o material da aprendizagem deve se relacionar de modo substantivo com as ideias relevantes que já existem na estrutura cognitiva do estudante, ou seja, o mesmo conceito ou proposição pode ser expresso através de uma linguagem sinônima que vai remeter ao mesmo significado (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980).

A teoria da aprendizagem significativa de Ausubel respalda-se no entender de que o fator mais importante de que depende a aprendizagem de um aluno é aquilo que ele já sabe, aquilo que está incorporado em sua estrutura cognitiva (MOREIRA et al., 2000). Fica claro que a produção teórica de Ausubel5 é a expressão das teorias cognitivistas com ênfase na

pedagogia por descoberta, ao destacar a importância da aprendizagem ativa, em que o aluno busque por si mesmo realizar aprendizagens significativas, reforçando por sua vez outro princípio pedagógico das pedagogias não diretivas que é o “aprender a aprender” (PELIZZARI et al., 2002).

O princípio da aprendizagem significativa defendida por Rogers articula-se à concepção inatista de desenvolvimento humano, em que as capacidades dos sujeitos, dentre elas, traços da personalidade, valores pessoais, hábitos, forma de pensar, encontram-se em sua forma acabada por ocasião do nascimento dos mesmos. O entendimento é de que as características propriamente humanas são naturais aos sujeitos não sendo adquiridas ou aprendidas. “Os seres humanos têm natural potencialidade de aprender. São curiosos a respeito do mundo em que vivem, até que, e a menos que, tal curiosidade seja entorpecida por nosso sistema educacional” (ROGERS, 1971, p. 154).

Segundo Rego (2005), a concepção inatista gera uma perspectiva limitada do papel da educação escolar para o desenvolvimento do sujeito, pois considera o desempenho individual

5 Um dos pesquisadores brasileiros que se destaca na atualidade no estudo da obra de Ausubel, especialmente do conceito de Aprendizagem Significativa é Marco Antonio Moreira, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É licenciado e mestre em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Doutor em Ensino de Ciências pela Cornell University/USA, desempenhou inúmeras atividades acadêmicas, na atualidade é editor dos periódicos: Investigação em Ensino de Ciências e Aprendizagem Significava em Revista. A produção acadêmica do pesquisador vários livros conta com vários livros dentre eles destaca-se: MOREIRA, Marco Antonio. Aprendizagem significativa: a teoria e textos complementares. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2011; MOREIRA, Marco Antonio. Mapas conceituais e aprendizagem significativa. São Paulo: Centauro Editora, 2010; MOREIRA, Marco Antonio. A teoria da aprendizagem significativa: sua fundamentação e implementação. Coimbra: Almedina, 2009; MASINI, Elcie A.; MOREIRA, Marco Antonio. Aprendizagem significativa: condições para ocorrência e lacunas que levam a comprometimentos. 1. ed. São Paulo: Vetor Editora Psico-Pedagógica, 2008; MOREIRA, Marco Antonio; MASINI, Elcie A. Aprendizagem Significativa: a teoria de David Ausubel. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2006; MOREIRA, Marco Antonio. A teoria da aprendizagem significativa e sua implementação em sala de aula. 1. ed. Brasília: Editora da UnB, 2006 (as informações apresentadas foram coletadas na Plataforma Lattes. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4787437U0>. Acesso em 09 abril de 2013.

dependente de suas capacidades inatas. Os elementos que constituem o processo de ensino- aprendizagem ficam dependentes de traços comportamentais ou cognitivos intrínsecos ao aluno. Sendo assim, pode-se inquirir: Até que ponto a incorporação do pressuposto da aprendizagem significativa em processos educativos formais reforça a ideia de que o sucesso e o fracasso da aprendizagem é responsabilidade exclusiva do aluno?

Por outro lado, o conceito de Ausubel sobre aprendizagem significativa é compatível com a teoria construtivista do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget (MOREIRA, 2000; VALADARES, 2011). Assim sendo, o aluno é considerado o protagonista da construção do seu próprio conhecimento e daquilo que por ele mesmo aprendeu. “A teoria da aprendizagem significativa é uma teoria construtivista porque defende que o conhecimento é um processo construtivo e valoriza, portanto, muito o papel da estrutura cognitiva prévia de quem aprende” (VALADARES, 2011, p. 54).

Como desdobramento do princípio da aprendizagem significativa, o conceito de professor facilitador emerge, igualmente, no campo da formação em saúde. Nos diversos documentos analisados há uma evidente crítica ao papel, dito tradicional, do professor, aquele que seleciona e organiza a transmissão do saber constituído, e a indicação de que o desejável para um processo de formação democrático seria o de facilitador da aprendizagem, aquele que possibilitasse um clima favorável para que o aluno tenha, de forma ativa, uma postura crítica e reflexiva.