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No processo de reorientação da formação em saúde, a adoção de metodologias ativas de ensino-aprendizagem surge como uma premissa e uma indicação central. Tanto na Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como no Pró-Saúde e, de forma menos incisiva, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para as graduações na área da saúde, enfatiza-se a necessidade de alteração de ordem metodológica, de referencial pedagógico, dos cursos superiores aderirem às metodologias ativas, tomando as práticas profissionais e os problemas da realidade na atenção em saúde como o ponto central para a aprendizagem.

A base teórica das metodologias ativas em educação articula-se às ideias divulgadas pelo escolanovismo, em que a função da escola não seria a preparação para a vida, mas a própria vida, onde o ambiente em que o aluno vive possui valor determinante para o aprendizado, assim o aluno aprenderia entrando em contato direto com o objeto de aprendizagem, em vez de, simplesmente, praticar abstrações (LUZURIAGA, 2001).

No campo da formação em saúde, as metodologias ativas são tomadas como possíveis estratégias nas quais o aluno seria o protagonista central e o professor seria um facilitador coadjuvante das experiências relacionadas ao processo de aprendizagem. O aluno “[...]

assume a direção de seu caminhar e constrói sua trajetória de aprendência, ancorada na sua história de vida e experiências acumuladas, assim como na realidade em que está inserido” (REIBNITZ; PRADO, 2006, p. 232).

Ramos (2010) sintetiza os fundamentos teórico-metodológicos do escolanovismo ao indicar que:

Em termos metodológicos, a pedagogia “nova” tende a valorizar as descobertas feitas pelos próprios estudantes – e, como tal, consideradas válidas e verdadeiras se demonstrada sua utilidade para a resolução de problemas – em detrimento do saber produzido socialmente e acumulado como patrimônio científico e cultural. Como estes dois campos tendem a ser identificados como conteúdos abstratos e a-históricos, o ensino que se propõe a transmiti-los é considerado como tradicional e retrógrado. Ocorre que a transmissão e a aquisição dos conhecimentos obtidos pela ciência, sistematizados e incorporados como acervo cultural da humanidade, são fundamentais para a produção de novos conhecimentos, posto que todo novo conhecimento pressupõe um anterior. Sendo assim, nenhum método de ensino que se baseie somente na investigação ou na resolução de problemas – a não ser que admitido o espontaneísmo da aprendizagem e o relativismo do conhecimento – se sustentaria sem a aprendizagem do conhecimento científico já elaborado (p. 185).

Os conteúdos escolares, na concepção das metodologias ativas, são estabelecidos em função de experiências que o aluno vivencia frente a desafios cognitivos e a situações- problema:

Dá-se, portanto, muito mais valor aos processos mentais e habilidades cognitivas do que a conteúdos organizados racionalmente. Trata-se de ‘aprender a aprender’, ou seja, é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propriamente dito (LUCKESI, 1990, p. 58).

Roger Cousinet, anteriormente mencionado, foi um dos divulgadores dos métodos ativos em educação, juntamente com o educador norte-americano John Dewey, defensor da ideia de que o ensino deveria dar-se pela ação e não pela instrução. Ovide Decroly reforçou os pressupostos das metodologias ativas ao divulgar o método do “centro de interesse”, sendo que educar era partir das necessidades (interesses) dos alunos. Outro pioneiro da Escola Nova, Adolphe Ferrière (1879-1960), propôs que o ideal da escola ativa seria a atividade espontânea, pessoal e produtiva.

Em suma, o pressuposto das clássicas metodologias ativas é o de que o aluno deve ser o centro do processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, esse princípio requer métodos

ativos e criativos centrados no interesse do aluno, sendo a aprendizagem uma atividade de descoberta (GADOTTI, 2004).

Os intelectuais divulgadores dos métodos ativos e que tiveram suas produções reconhecidas mundialmente, em sua maioria, não eram originalmente do campo da educação. Eram da área da Psicologia, da Medicina, da Biologia e em decorrência disso, trouxeram experiências, perspectivas e posições distintas que imprimiram singularidades aos fundamentos do movimento ativista e, inquestionavelmente, à pedagogia de forma geral.

Buscaram respostas para aos problemas educacionais em novas abordagens científicas de suas áreas de origem e em experiências particulares, chegando à conclusão de que o ensino deveria ser mudado e que os problemas eram mais de ordem metodológica, de procedimentos pedagógicos do que do próprio conteúdo escolar; que as relações pedagógicas entre professor e aluno seriam mais importantes que o processo formal de ensino-aprendizagem e que o entendimento da psique da criança/aluno era fundamental para produzir experiências escolares significativas (CAMBI, 1999).

O uso do termo metodologias ativas, no campo da formação em saúde, parece indicar uma gama variada de propostas pedagógicas, divulgadas como inovadoras e alternativas ao processo de formação vivenciado pelas instituições de ensino superior. Foi possível, pela sistematização realizada, perceber que são consideradas metodologias ativas, basicamente as propostas alicerçadas pela crítica a uma postura mais diretiva do processo de ensino- aprendizagem; aquelas que rompem com a postura disciplinar do currículo; aquelas que defendem os princípios pedagógicos da aprendizagem significativa, do professor facilitador e do aprender a aprender e aquelas propostas que adotam como método de ensino a aprendizagem baseada em problemas ou a metodologia da problematização. Em outras palavras, na atualidade, o termo metodologias ativas representa, no campo da formação em saúde um conceito abrangente que abriga as diversas metodologias, propostas pedagógicas, métodos que se respaldam na postura não diretiva de formação escolar, inspirada nos ideais da Escola Nova.

Georges Snyders (1978), em sua obra Para onde vão as pedagogias não-directivas? ao realizar uma análise do ponto de vista pedagógico e político acerca de autores ligados à não diretividade, indicou que tal corrente pedagógica trouxe contribuições ao debate educacional ao ter questionado a relação autoritária entre professores e alunos, a dominação do mestre e a passividade do aluno, além de fomentar a discussão sobre a democracia nas relações pedagógicas.

Snyders, todavia, ao estudar os pressupostos teóricos da não diretividade, desenvolveu sérias e contundentes críticas a tal postura pedagógica. Indicou que possivelmente as pedagogias não diretivas não consigam resolver os problemas que suscitaram:

[...] nosso receio é precisamente que este esforço para a democracia se afunde no conformismo, que a abdicação do mestre deixe os alunos serem vítimas de estereótipos estabelecidos, que certa indiferença pelos conteúdos do ensino e pela sua força de verdade condene os alunos a um cepticismo inevitavelmente passivo e, no fim de contas, os deixe desarmados perante as tarefas de envergadura que deveriam empreender (SNYDERS, 1978, p. 8).

A abstração de democracia nas relações pedagógicas, defendida pelas pedagogias não diretivas, entendida como ausência de condução pedagógica, acabaria por obliterar a possibilidade do processo educativo. Nessa direção, Luckesi (1990) faz importantes reflexões ao questionar:

Mas o que será mais democrático: excluir toda forma de direção, deixar tudo à livre expressão, criar um clima amigável para alimentar boas relações, ou garantir aos alunos a aquisição de conteúdos, a análise de modelos sociais que vão lhe fornecer instrumentos para lutar por seus direitos? Não serão as relações democráticas no estilo não-diretivo uma forma sutil de adestramento, que levaria a reivindicações sem conteúdo? Representam as relações não-diretivas as reais condições do mundo social adulto? Seriam capazes de promover a efetiva libertação do homem da sua condição de dominado? (LUCKESI, 1990, p. 73).

Em contraponto a não diretividade pedagógica, a concepção diretiva do processo pedagógico entende que o trabalho educacional deve ser um ato intencional com o objetivo de proporcionar aos alunos o acesso ao conhecimento objetivo produzido historicamente.

Saviani (1991a), ao definir a natureza e a especificidade da educação, indica que:

[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens, assim o objetivo da educação diz respeito, de um lado à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, do outro lado e concomitante, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo (p. 21).

Nesse sentido, a postura diretiva compreende o ato pedagógico como uma relação entre o aluno e as matérias de estudo, mediadas pelo professor, que deve procurar assegurar os resultados formativos desse encontro. A instituição escolar deve possibilitar o encontro entre o aluno e o mundo social, desempenhando o papel de transmissora e assegurando a

assimilação dos conteúdos culturais. Não obstante, o aluno não deve recebê-los passivamente, cabendo ao professor criar oportunidades para que se estabeleça uma relação dialética entre os conteúdos e as experiências trazidas pelos alunos (LIBÂNEO, 2002).

Além disso, nem sempre defender uma proposta ativa de ensino-aprendizagem significa filiar-se aos princípios pedagógicos não diretivos. Tal constatação parte do entendimento que Gramsci fez acerca de certa positividade da escola ativa, entendida por ele como princípio central da Pedagogia Moderna. Para Gramsci (2004), a escola ativa ao romper com os princípios pedagógicos jesuíticos representou um progresso, entretanto, o autor deixou claro que o papel clássico do processo educativo escolar dever ser reafirmado, ou seja, de que é dever das gerações adultas formar as gerações mais novas.

Gramsci em Cadernos do Cárcere (2004), especificamente, no Caderno 12, fez apontamentos sobre os intelectuais e o princípio educativo explicitando que a instituição escolar deveria promover a participação ativa do aluno, em que o nexo instrução-educação, mediado pelo trabalho do professor, oportunizasse a relação efetiva entre vida e cultura; em que a aprendizagem do real, dos elementos culturais fundamentais seriam os elementos centrais para a promoção da formação intelectual dos estudantes, sendo que as noções científicas concretas aprendidas na escola deveriam colaborar para a superação do senso comum do ambiente em que o aluno vive.

Em diferentes passagens, Gramsci (2004), ao defender que a escola deveria considerar e trabalhar com a possibilidade da formação do aluno como um sujeito ativo, não o faz de forma desavisada ou indistinta dos referenciais escolanovistas. Advertiu quanto à propagação dos princípios ativos sem a devida reflexão:

Ainda se está na fase romântica da escola ativa, na qual os elementos da luta contra a escola mecânica e jesuítica se dilataram morbidamente por razões de contraste e de polêmica: é necessário entrar na fase “clássica”, racional, encontrando nos fins a atingir a fonte natural para elaborar os métodos e as formas (GRAMSCI, 2004, p. 39).

Sem negar o progresso de certas ideias da Pedagogia Ativa, Gramsci apontou que no decurso da crítica aos métodos escolares tradicionais e à proposição de novos pressupostos, o movimento ativo paralisou os estudos pedagógicos, e formou-se o que ele denominou de “igreja”, dando lugar a “involuções” que geraram problemas e tornaram-se elementos que, se levado as últimas instâncias, inviabilizariam a tarefa central do processo educativo formal.

Uma das involuções destacada pelo autor foi o conceito de “espontaneidade”, em que “[...] quase se chega a imaginar que o cérebro do menino é um novelo que o professor ajuda a

desembaraçar” (GRAMSCI, 2004, p. 62). Gramsci de forma segura reforçou o princípio de que a educação escolar e todas as atividades desenvolvidas nela se traduzem na luta contra as características meramente biológicas, naturais e instintivas do aluno. A educação, para ele, teria a tarefa de produzir uma “natureza” social nos sujeitos, dominando a “natureza” bio- física e produzindo um sujeito social e historicamente situado (GRAMSCI, 2004).

Outra involução da escola ativa, identificada por Gramsci, foi o conceito de escola. O autor conceituou escola como “atividade educativa direta”, não sendo a vida do estudante, como bem defendida pela Pedagogia Ativa. A escola é uma fração da vida do aluno, ao frequentar a escola o aluno conviverá com dois “mundos”, o da vida em sociedade e da cultura sistematizada. Portanto, a escola teria a função de colocar o estudante em contato, “[...] ao mesmo tempo, com a história humana e com a história das ‘coisas’, sob o controle do professor” (GRAMSCI, 2004, p. 63).

Por entender a educação escolar como uma atividade educativa direta, Gramsci reforçou o papel do professor na formação e na preparação intelectual do aluno. A tarefa consistiria em acelerar e em disciplinar a formação do mesmo no processo de apropriação da cultura superior, não o deixando preso às suas impressões primeiras. “Um jovem de intelecto agudo e vivo, desprovido de uma sólida preparação, não tem mais a apresentar do que um acervo de idéias, ora verdadeiras ora falsas, que têm para ele o mesmo valor” (GRAMSCI, 2004, p. 189).

Sendo assim, no que tange às origens teórico-metodológicas do referencial pedagógico das atuais propostas para a formação superior na área da saúde, é possível perceber as reverberações dos ideais das pedagogias não diretivas e ativas que se coadunaram ao movimento do ‘escolanovismo’, no início do século passado.

O que hoje se apresentam como inovações pedagógicas na atualidade, ao ser situado historicamente, perde sua inventividade e originalidade, sem que tenha havido o devido reconhecimento de suas fontes. A aceitação acrítica do que se reveste de novidade velha pode, igualmente, ocultar as oposições que essas mesmas proposições enfrentaram no passado, inclusive no Brasil, oposições promovidas por aqueles que, dentre outros senões observados nesses princípios, defendiam a educação pública, gratuita e de qualidade para todos, como um dos caminhos para uma sociedade menos desigual.

4.6 Métodos de Ensino Ativos: PBL (Problem Basead Learning) ou Aprendizagem