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O pressuposto pedagógico denominado professor facilitador, como já indicado, pode ser identificado de forma explícita nas propostas da Rede Unida para a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para as graduações em saúde; no PROMED e no Pró-Saúde.

Ao lidar com a origem teórico-metodológica do conceito professor facilitador, o estudo deparou-se novamente com as indicações das pedagogias não diretivas e, especificamente, com a produção de Carl Rogers. O termo professor facilitador foi cunhado por Rogers para expressar uma relação pedagógica centrada no interesse e na atividade dos alunos. O conceito foi utilizado e divulgado por outros teóricos da educação como a possibilidade de superação de relações autoritárias entre professor e aluno e como a forma mais democrática de viabilizar a aprendizagem significativa. Portanto, o aporte teórico do

conceito de professor como facilitador emergiu originariamente do campo da psicoterapia rogeriana, em que a ênfase era a terapia centrada no cliente.

Na obra A pessoa como centro, Rogers (1977), caracteriza o terapeuta como aquele que ao invés de provocar no cliente a formação de projeções ou fantasias, deve acarretar respeito ou admiração por parte do cliente, além de ser visto como alguém real que compreende, respeita e aceita a pessoa do cliente tal como ele próprio se percebe e conceitua. O cliente deve ser percebido como uma pessoa independente, que possa experimentar os seus próprios sentimentos e descobrir o que a sua experiência significa. Assim, o terapeuta deve gerar: “[...] atitudes de empatia, consideração e autenticidade, e apenas através delas estabelecer a base do relacionamento que deverá facilitar o crescer pessoal de outro indivíduo” (ROGERS, 1977, p. 15).

Com base nos pressupostos da obra Terapia Centrada no Cliente (1975)6, na

compreensão do papel do terapeuta e da pessoa como o centro do processo terapêutico, Rogers (1985), no livro Tornar-se pessoa7 descreveu as implicações de sua teoria para o processo ensino-aprendizagem e apresentou o conceito de professor facilitador.

No livro Liberdade para Aprender (1971)8, Rogers afirma que o facilitador da

aprendizagem deve ajudar a esclarecer os propósitos individuais e/ou do grupo de alunos, proporcionar facilidades para que o estudante exprima e realize seus objetivos, estimular os sujeitos envolvidos na relação pedagógica para que “[...] assumam o encargo de seguir em novas direções ditadas por seus próprios interesses” (ROGERS, 1971, p. 105).

Apesar de Rogers indicar que seria vã a tentativa de “[...] ensinar a outra pessoa a maneira de ensinar” (1985, p. 254), sugeriu, a partir de seu método em psicoterapia, algumas condições a serem consideradas pelo professor. Uma das condições seria a autenticidade ou congruência do professor, em que o mesmo deveria ter consciência das atitudes que assume, sendo “[...] uma pessoa, não a encarnação abstrata de uma exigência curricular ou um canal estéril através do qual o saber passa de geração em geração” (ROGERS, 1985, p. 265).

Seria fundamental para o professor cultivar relações autênticas com seus alunos desenvolvendo atitudes favoráveis para relações interpessoais, importando “[...] menos que o professor cumpra todo o programa estabelecido ou utilize os métodos audiovisuais mais apropriados; o que mais importa é que ele seja congruente, autêntico nas suas relações com os alunos” (ROGERS, 1985, p. 266).

6 Em Terapia Centrada no Cliente, Rogers apresentou formalmente, em 1951 na primeira edição da obra, sua teoria sobre Terapia e sobre a personalidade humana.

7 A primeira edição da obra: Tornar-se pessoa data do ano de 1961. 8 O livro Liberdade para aprender foi lançado em 1969.

Outra condição seria a aceitação do aluno tal como ele é, a compreensão de suas atitudes e sentimentos. A função do professor consistiria no desenvolvimento de um clima na sala de aula que permitisse a realização natural da aprendizagem, desenvolvendo uma relação de empatia com o aluno, captando seus interesses e vontades. Portanto: “Quando o facilitador é uma pessoal real, se apresenta tal como é, entra em relação com o aprendiz, sem ostentar certa aparência ou fachada, tem muito mais probabilidade de ser eficiente” (ROGERS, 1971, p. 106).

Rogers defendeu veementemente uma educação centrada na pessoa, elaborando crítica contundente às estratégias que buscavam reforçar o controle do professor na relação pedagógica. Nesse quadro, o professor facilitador teria como estratégia central promover:

[...] um clima psicológico no qual aquele que aprende é capaz de assumir um controle responsável. Além disso, o facilitador contribui para reduzir a ênfase em metas estáticas ou de conteúdo, e assim encoraja a focalização no processo, no vivenciar a maneira pela qual a aprendizagem ocorre (ROGERS, 1977, p. 139).

Pode-se encontrar nas reflexões de Alexander Sutherland Neill (1883-1973)9 a

concepção de professor facilitador, principalmente em Liberdade sem Medo (1976)10, obra

que relatou a experiência educacional desenvolvida em Summerhill. Para Neill, a missão do professor consistia em estimular o pensamento e não em inculcar teorias. O professor deveria centrar seu trabalho no interesse do aluno, não influenciando ou transmitindo conceitos: “[...] professores acham-se na obrigação de influenciar as crianças porque pensam saber o que a criança deve ter, deve aprender, deve ser. Discordo” (NEILL, 1976, p. 238).

Ao ser questionado sobre o que faria com um aluno que não se dedicasse a coisa alguma, ou se interessasse ora por uma atividade ora por outra, sem centrar atenção à nenhuma, Neill respondeu que nada faria. Segundo ele, a vida é cheia de fragmentos de interesse e expõe como em sua escola era tratada tal questão: “Jamais sugerimos a uma criança que ela deveria terminar um trabalho. Se o seu interêsse terminou, é errado pressioná- la para que o termine” (NEILL, 1976, p. 337, grafia original).

9 Alexander Sutherland Neill educador escocês que coordenou na Inglaterra a experiência da escola livre Summerhill, criada em 1921 e dirigida por ele até a sua morte. Baseou seu trabalho no conceito de liberdade individual, sendo um dos divulgadores da não diretividade pedagógica. Para Neill, a escola não deveria exercer a função formadora, renunciando assim à disciplina e à direção pedagógica do processo de ensino-aprendizagem (GADOTTI, 2004; ARANHA, 2006).

10 A obra Liberdade sem medo foi lançada no ano de 1960, tendo a 1ª edição em língua portuguesa no ano de 1963 (NEILL, 1976).

Ao descrever qual deveria ser a atitude de um sujeito mais experiente frente às dúvidas das crianças, Neill explicita qual era o papel do professor: “Assim, professor algum de Summerhill jamais sugere a um aluno o que deve fazer. O professor apenas dará assistência ao aluno que lhe peça uma informação técnica sôbre como uma coisa deve ser feita (NEILL, 1976, p. 337, grafia original)”.

A concepção de professor facilitador também pode ser identificada na obra A Educação Nova, de Roger Cousinet (1881-1973)11, a ideia divulgada era de que o professor

não deveria desempenhar o papel de dirigente do processo de ensino-aprendizagem, e sim o papel de auxiliar. Esse autor afirma que: “[...] o auxílio do educador é, evidentemente, necessário. Segundo os princípios da Escola Nova, só deve dar esse auxílio quando (e na medida em que) for necessário” (COUSINET, 1959, p. 129).

O conceito de professor facilitador, mesmo que sem essa denominação exata, está presente na produção Cousinet, que foi um dos divulgadores do movimento da não diretividade pedagógica. O autor definiu assim o professor: “O mestre não é mais o autor da educação; é testemunha e protetor” (COUSINET, 1959, p. 19).

Cousinet sugere que uma nova educação deveria inverter a lógica sob a qual a instituição escolar estava assentada. Propôs a inversão de uma pedagogia destinada ao ensino para uma pedagogia centrada na aprendizagem, na qual o estudante deixa de ser escolar e passa a ser aprendiz, sendo, nesse caso, revisto o papel do professor:

E o mestre não incomodará mais o escolar com sua exibição de um saber pronto e acabado, o escolar não incomodará mais o mestre pela apresentação de sua ignorância, por seu estado de não-sabente daquilo que o mestre sabe. Passa de um estado negativo para um estado positivo. E, em certo estádio seguinte, o mestre se absterá de conduzi-lo, e o acompanhará (COUSINET, 1974, p. 173).

Tendo aceito a transformação pedagógica a que essa nova concepção o convida, o professor não está mais amarrado à tarefa penosa que consiste em transmitir seu saber a escolares que não estão dispostos a recebê-lo [...] Em vez de os alunos que aprendem, que aprendem porque não sabem, ficarem à disposição do mestre que sabe, o mestre é que está à disposição dos alunos. Ajuda-os, colabora em sua aprendizagem (COUSINET, 1974, p. 173-174).

Ao apresentar os fundamentos do princípio pedagógico identificado pela expressão “professor facilitador”, foi possível perceber como o fundamento do “aluno como centro do

11 Roger Cousinet, Pedagogo francês (1881-1873), defensor da liberdade de ensino e do método ativo respaldado nas atividades de grupo. Ao longo de sua vida publicou diversas obras voltadas à reflexão de métodos de ensino, que o fez um dos protagonistas da chamada Educação Nova (GADOTTI, 2004; COUSINET, 1974). A primeira edição da obra A Educação Nova foi lançada na França em 1950 e no Brasil em 1959 (RAILLON, 2010).

processo educativo” se explicita. Os referidos pressupostos se articulam teoricamente, pois o referencial pedagógico da não diretividade, respaldado pela Pedagogia Ativa, que é suporte teórico do movimento da Escola Nova, apresenta uma dicotomia entre o processo de ensino- aprendizagem, valorizando demasiadamente a “figura” do aluno, em detrimento da valorização do papel do professor no processo educativo.

Nos textos das Diretrizes Curriculares Nacionais das graduações em Biomedicina; Enfermagem; Farmácia; Fisioterapia; Fonoaudiologia, Medicina; Medicina Veterinária; Nutrição; Odontologia e Terapia Ocupacional há a afirmação de que tais cursos deveriam ter um Projeto Político Pedagógico “centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador”, essa questão é apresentada igualmente em todas as Diretrizes no artigo 9º.

A indicação dos pressupostos do professor como um facilitador e da aprendizagem centrada no aluno parece indicar a impossibilidade de uma relação pedagógica entre o aluno e o professor; entre um sujeito que precisa se apropriar do conhecimento sistematizado, produzido e acumulado historicamente e entre um sujeito que tem como responsabilidade social assegurar o acesso a tal conhecimento. Snyders (1978) indicou que os postulados da não diretividade reforçam uma incomunicabilidade entre professor-aluno, fato que pode ser evidenciado pelos pressupostos do professor facilitador e do processo educativo centrado no aluno.

Tal raciocínio, que vê bem estar no fundamento da atitude não-directiva, postula uma incomunicabilidade radical entre o professor e os alunos: as informações transmitidas pelo educador não teriam qualquer eco no educado, não corresponderiam a nada na vida deste. E, por conseqüência, não podem consistir senão em simples medidas de polícia, destinadas a impedi-los de prosseguir pelo seu caminho natural (SNYDERS, 1978, p. 164).

O processo ensino-aprendizagem efetivado pela relação professor-aluno, historicamente tem sido alvo de reflexão e crítica por inúmeros referenciais pedagógicos. Não obstante, há posições que, apesar da crítica, reforçam a ideia de que o processo ensino- aprendizagem seria uma atividade conjunta e colaborativa, entre sujeitos sociais com características distintas que interagem no sentido de efetivar o objeto específico do trabalho escolar, a transmissão e assimilação do conhecimento sistematizado (SAVIANI, 1991a).

4.4 O Aprender a Aprender Reorientando a Formação em Saúde: Atualização da