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4.6 Métodos de Ensino Ativos: PBL (Problem Basead Learning) ou Aprendizagem Baseada

4.6.2 A Metodologia da Problematização

A Metodologia da Problematização tem sido divulgada como uma estratégia pedagógica com potencialidade para formar profissionais de saúde mais críticos e capazes de enfrentarem os desafios postos pela realidade social.

A Metodologia da Problematização surge dentro de uma visão de educação voltada para a transformação social, cuja crença é a de que os sujeitos precisam instruir-se e conscientizar-se de seu papel, de seus deveres e de seus direitos na sociedade. Trata-se de um concepção que acredita na educação como uma prática social e não individual ou individualizante (BERBEL, 1995, p. 14).

A referência teórica mais importante para explicitar a viabilização da Metodologia da Problematização no campo da formação em saúde no Brasil, tem sido o denominado Método do Arco de Charles Maguerez16, divulgado pelo esquema apresentado por Bordenave e Pereira (1991) e pela produção de Berbel (1998, 1995). Vale destacar que a produção de Paulo Freire também é, de modo recorrente, citada como aporte teórico no desenvolvimento da Metodologia da Problematização.

TSUJI; AGUILAR-DA-SILVA (2004); WATERKEMPER; PRADO (2011); JUNIOR TOLEDO. et al. (2008); GOMES,. et al. (2009); BARROS; LOURENÇO (2006).

16 Charles Maguerez foi um educador francês que se voltou para trabalhadores analfabetos em minas de carvão ou de petróleo, na agricultura ou na indústria, em países subdesenvolvidos ou recém-independentes, localizados na Europa e África. Charles Maguerez relatou sua experiência educativa no livro “La promotion technique du travailleur analphabete”, publicado no ano de 1966. Além disso, na década de 1970, Maguerez prestou consultoria ao Brasil, a qual teve por objetivo a realização de diagnóstico de treinamento de técnicos agrícolas do estado de São Paulo (BERBEL, 2012).

Como já apontado na seção anterior deste trabalho, a obra de destaque de Bordenave e Pereira intitulada “Estratégias de ensino-aprendizagem” tem como objetivo central refletir sobre os principais problemas do ensino superior, bem como apontar, segundo as perspectivas teóricas dos autores, as possíveis soluções aos problemas identificados nesse nível de ensino.

Bordenave e Pereira (1991) indicam que no campo educacional é possível perceber dois tipos de educação, a educação bancária ou convergente e a educação problematizadora ou libertadora.

A educação bancária foi caracterizada como aquela baseada na transmissão do conhecimento e da experiência do professor; os conteúdos escolares teriam uma importância central no processo ensino-aprendizagem; o objetivo da escola seria o de aumentar significativamente o arsenal de conhecimento do aluno, não preocupando-se com suas características individuais, como resultado disso, o aluno seria passivo, mais preocupado em memorizar regras e conceitos abstratos do que enfrentar os problemas concretos do cotidiano (BORDENAVE; PEREIRA, 1991).

Por outro lado, a educação problematizadora possibilitaria, por meio de estratégias pedagógicas, uma participação ativa dos alunos no processo educativo, ao considerar o conhecimento prévio que os mesmos possuem e ao oportunizar o desenvolvimento da consciência crítica e criativa por meio da resolução de problemas.

Bordenave e Pereira (1991), apesar de utilizarem conceitos criados e desenvolvidos pelo educador Paulo Freire, não fazem nenhuma menção ao referido autor e sua produção. Além disso, limitam-se a apresentar a Metodologia da Problematização como uma inovação importante para o ensino superior, sem aprofundar a reflexão acerca dos diversos determinantes dessa concepção educativa, além de apresentarem o Método do Arco como a forma privilegiada de se promover a problematização nos espaços educativos.

Segundo Berbel e Gamboa (2012), a origem mais remota da conceituação e utilização do Método do Arco encontra-se na obra de Maguerez, publicada em Paris em 1966 com a seguinte denominação “Le promotion technique du travailleur analphabete”17. Na citada

obra, Maguerez relatou a experiência, desenvolvida aproximadamente por seis anos, da utilização de sua proposta de formação junto a trabalhandores analfabetos de minas de carvão, de petróleo, da agricultura ou da indústria, em países periféricos (BERBEL, 2012).

A proposta metodológica de Maguerez divulgada no Brasil por Bordenave e Pereira, pode ser visualizada na ilustração a seguir:

Figura 1 - Esquema representativo do Arco de Maguerez

Fonte: BORDENAVE; PEREIRA, 1991, p. 10.

De acordo com o esquema, o Método possui cinco etapas, sendo que o processo de aprendizagem deve estar relacionado com um determinado aspecto da realidade, levando o aluno primeiramente a observar a realidade em si mesma. “Ao observar a realidade, os alunos expressam suas percepções pessoais efetuando, assim, uma primeira ‘leitura sincrética’ ou ingênua da realidade” (BORDENAVE, 1989, p. 266).

Nessa primeira fase, a discussão entre os membros dos grupos é importante, pois ajudará a identificar e a redigir o problema, que atuará como uma síntese dessa etapa e referência para as demais fases (BERBEL, 1998).

Na segunda etapa, os alunos deverão identificar os pontos-chave do problema ou do assunto destacando, os elementos mais determinantes da situação. Devem elaborar os pontos essenciais que deverão ser estudados sobre o problema identificado.

A etapa da teorização é o momento em que os alunos se organizam para buscar informações para entenderem o problema, tanto em suas manifestações empíricas, como também teóricas. De acodo com Berbel (1998), os alunos “Vão à biblioteca buscar livros, revistas especializadas, pesquisas já realizadas, jornais, atas de congressos etc, vão consultar especialistas sobre o assunto, vão observar o fenômeno ocorrendo [...] assistem palestras e aulas quando oportunas” (p. 143).

Após a busca de informações e a teorização do problema, os alunos passam à formulação de hipóteses de solução para o problema em estudo. Nessa fase, os alunos pautam-se pelas indagações acerca do que precisa acontecer e fazer para que o problema seja solucionado (BERBEL, 1998).

Com as atividades desenvolvidas nas etapas descritas chega-se a última que se refere à aplicação à realidade, momento em que a Metodologia da Problematização supera o exercício intelectual, em que as decisões devem ser postas em prática. “[...] o aluno usa a realidade para aprender com ela, ao mesmo tempo em que se prepara para transformá-la” (BORDENAVE, 1989, p. 267).

A proposta pedagógica da problematização da aprendizagem, do Arco de Maguerez, está calcada nos princípios da Pedagogia Ativa não diretiva, ou seja, o processo de aprendizagem não é guiado por objetivos educacionais definidos e nem delimita expectativas quanto à aprendizagem; o professor deve ser facilitador tendo a função de organizar o grupo para que busque as informações, conhecimentos, avaliados como necessários para resolver dado problema. A imprevisibilidade é uma marca peculiar desse método de ensino.

Na Metodologia da Problematização não há controle total dos resultados em termos de conhecimentos. Eles são buscados para responder ao problema do estudo, este entendido amplamente, considerando-se suas possíveis causas e determinantes, que em geral ultrapassam os aspectos técnicos-científicos. Os resultados não são de todo previstos, a não ser em termos de vivência das atividades pelo aluno em todas as etapas do processo. Os conteúdos tanto podem não satisfazer o professor em termos do que gostaria de ver apreendido pelos alunos, quanto podem surpreender ao professor e ao próprio grupo quando descobrem aspectos e relações não previstos (BERBEL, 1998, p. 150).

O Arco de Maguerez é aclamado, no campo da formação em saúde, como a proposta mais acabada da problematização do ensino. Todavia, há outras abordagens metodológicas que consideram a problematização um recurso importante ao processo ensino-aprendizagem, dentre elas pode-se indicar o Método de Paulo Freire e a Pedagogia Histórico-Crítica.

As ideias do educador Paulo Freire possuem uma considerável aceitação na área da saúde, tanto em processos educativos formais, aqueles desenvolvidos em curso de formação de profissionais de nível superior e cursos de caráter profissionalizante, quanto em práticas educativas não formais, como por exemplo, práticas educativas com grupos específicos e com a comunidade. Muitas referências sobre a Metodologia da Problematização na formação em saúde utilizam os pressupostos da Pedagogia Libertadora, destacadamente o entendimento da

relação professor-aluno, que tem no diálogo o método básico e na problematização de temas vividos pelos alunos o fio condutor do processo educativo.

A produção de Saviani, apesar de ser reconhecida na área da educação, não tem sido tomada como referência no campo da formação superior em saúde. Saviani, ao expor seus pressupostos pedagógicos, de maneira especial nas obras Pedagogia Histórico-Crítica: primeira aproximações e Escola e Democracia, reforçou a ideia de que o trabalho educativo realiza-se pelo ato de promover, de forma direta e planejada, em cada sujeito, a humanidade que foi produzida histórica e socialmente pelo conjunto dos homens (SAVIANI, 1991a).

Saviani, ao defender uma postura pedagógica “para além dos métodos novos e tradicionais”(1991b, p. 76), afirmou que o método de ensino deveria partir da prática social em que aluno e professor estão inseridos, sem negar que há diferenças significativas entre tais sujeitos, que por serem históricos, possuem interesses e posições diferentes. Enquanto o professor possui, pela articulação de conhecimentos e experiências acumuladas, uma síntese da prática social, que é precária, não universal, o aluno, por não ter se apropriado dos elementos essenciais para efetivar a articulação entre conhecimento e prática social, possui uma compreensão sincrética.

A problematização emerge na prática social, como momento de identificação dos principais problemas, postos pela realidade, que precisam ser resolvidos no âmbito da prática social. Saviani (1991b) adverte que a capacidade de problematizar dada prática social depende do domínio de certos instrumentos, no caso da escolarização, o domínio de elementos culturais e científicos.

A instrumentalização, no método proposto por Saviani seria uma etapa importante do processo de formação, pois nessa se daria a apropriação de instrumentos/conhecimentos teóricos e práticos indispensáveis à luta social e à tomada de consciência do lugar ocupado pelos educandos na sociedade em que vivem.

O quarto passo da proposta metodológica do autor seria a catarse, na qual se efetivaria a incorporação das ferramentas culturais, “[...] transformados agora em elementos ativos de transformação social” (SAVIANI, 1991b, p. 81). E finalmente a última etapa, o ponto culminante do processo educativo, a possibilidade da síntese, da articulação dos conhecimentos e experiências da prática social.

Ao apresentar os dados e a sistematizaçao sobre a divulgação e a utilização da problematização como um elemento estruturante do método de ensino, destacou-se que nem todas as propostas pedagógicas que tomam a problematização como um fundamento didático compartilham a mesma concepção filosófica de educação, em vista disso, é fundamental

entender os pressupostos teóricos que direcionam os princípios pedagógicos expressos em métodos de ensino-aprendizagem ou propostas curriculares.

É importante registrar, que as várias formas de conceber a educação escolar resultam de opções e entendimentos que privilegiam determinados aspectos do processo educativo. Relembrando a metáfora do mirante utilizada por Löwy (1994), para explicar as diferentes posições e visões na produção do conhecimento, é possivel fazer uma reflexão similar acerca do que seria um referencial pedagógico adequado ao processo educativo. Quanto mais abrangente for um referencial pedagógico, no sentido de orientar e possibilitar de fato uma relação pedagógica que garanta o acesso, a socialização e a aquisição do conhecimento sistematizado, maior será o resultado da ação educativa escolar.

A dimensão da eficácia de um referencial pedagógico não se expressa pela quantidade de novidades, de técnicas, de exercícios e recursos pedagógicos anunciados, mas se de fato conduzir as distintas ações pedagógicas à realização da função clássica do trabalho escolar, ou seja, a transmissão e assimilação do conhecimento historicamente produzido.

Como bem advertido por vários teóricos que defendem uma postura comprometida da escola em favor a socialização do conhecimento, o trabalho pedagógico deve desempenhar o papel de mediador entre a vida cotidiana e as esferas não cotidianas da ação social, sendo que cada professor deve assumir a responsabilidade de transmitir aos alunos o que de mais sofisticado exista no conhecimento humano (DUARTE, 2001a).

Bernad Charlot (2009) ao refletir sobre o que seria a especificidade da atividade escolar considera em primeiro lugar que a “[...] escola é um lugar onde o mundo é tratado como objeto e não como ambiente, lugar de vivência” (p. 93). A escola deverá trabalhar com conceitos teóricos, que obviamente têm um referente fora da escola, mas que se distancia e diferencia do cotidiano do aluno. “A distanciação possibilita ao aluno sair do mundo subjetivo das emoções, dos sentimentos, da experiência vivenciada e pôr o mundo como objeto a ser pensado” (CHARLOT, 2009, p. 94).

Portanto, a ação pedagógica do professor, segundo Charlot (2009) teria por um lado a função de controlar a relação entre o objeto de pensamento, os conceitos teóricos e os seus referentes no cotidiano, nas experiências vividas, e por outro lado, introduzir o estudante no mundo intelectual, constituído por objetos e conceitos que não derivam imediatamente de sua experiência de vida.

Young (2011) adverte ao discutir a função da instituição escolar no desenvolvimento intelectual do aluno, os riscos que certas “ortodoxias” pedagógicas atuais vêm divulgando como inovações progressistas no campo da educação escolar: “há o perigo de se negligenciar