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4 LIVRO DIDÁTICO: UM INSTRUMENTO NECESSÁRIO

4.3 A APROPRIAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO POR PROFESSORAS E

O livro didático tem basicamente três usuários que são: o Estado que compra e distribui o livro nas escolas públicas; o professor, responsável pela escolha e utilização do mesmo na sua prática docente e o aluno que utiliza o livro para a sua formação e para o aprendizado de conhecimentos das diversas disciplinas, sendo este o usuário final (FREITAG, COSTA e MOTTA, 1997).

Os referidos autores argumentam que o livro didático assume um papel mais relevante do que deveria para a prática docente. Para eles “fica evidente que o livro didático não serve aos professores como simples fio condutor de seus trabalhos, mas passa a assumir o caráter de ‘critério de verdade’ e ‘última palavra’ sobre o assunto” (1997, p. 108). Ou seja, os professores se apóiam mais do que deveriam no livro didático e não fazem uso crítico do mesmo, eles passam “a assimilar os conteúdos dos livros didáticos, mesmo quando esses se chocam frontalmente com suas convicções mais íntimas” (FREITAG, COSTA e MOTTA, 1997, p. 108).

Silva argumenta que “o professor, quase sempre, não tem consciência de sua inferioridade em relação ao livro que adota e também não percebe a ideologia subjacente aos textos e exercícios das suas lições” (2000, p. 40) e complementa: “ao acatar passivamente como verdadeiras as informações do LD [livro didático], agindo de acordo com o senso comum, o professor assume uma atitude ingênua” (2000, p. 41) e acaba colaborando com a intenção ideológica dos autores e editores de livros didáticos.

Silva et al. argumentam que o livro didático é um transmissor dos valores preestabelecidos pela sociedade, bem como de seus preconceitos e complementam, “tais valores são transmitidos de forma modelar pela estrutura cristalizada do livro didático, que se transforma facilmente em regras a serem seguidas, sem que se discorde e discuta a respeito” (2002, p. 63). A falta de crítica por parte dos professores e professoras em relação ao livro didático pode levá-los a perder a noção do que é útil e necessário para o desenvolvimento do/a aluno/a (FREITAG, COSTA e MOTTA, 1997).

Um dos motivos apontados por Freitag, Costa e Motta, (1997) para a falta de consciência crítica em relação ao livro didático é a ausência do hábito da leitura na

vida dos professores e professoras o que pode ser prejudicial para o desenvolvimento do hábito e do gosto pela leitura nos alunos. Porém, existem outros motivos que afastam professores e professoras da leitura. Pode ser a excessiva carga horária de trabalho, o alto custo de vida aliado ao preço elevado dos livros, a desvalorização do magistério, enfim, há necessidade de pesquisas com o intuito de esclarecer estes motivos. Certamente existe professores e professoras críticos e conscientes de seu papel na sociedade, que mesmo enfrentando adversidades conseguem formar alunos e alunas críticos/as e comprometidos/as com a comunidade. Não se pode esquecer que professores e professoras, alunos e alunas são frutos da sociedade em que estão inseridos e que toda a rede social influencia na sua formação, não apenas a escola e os livros didáticos.

Silva et al. argumenta que o hábito da leitura é mais freqüente nas séries inicias quando a imaginação das crianças “ainda não foi condicionada aos padrões do manual e às tarefas escolares,[...] nas séries finais, quando já incorporou a estrutura do livro didático, nega-se a procurar respostas ‘originais’, ou mesmo mais elaboradas, para as questões que lhe são impingidas” (2002, p. 65), o que na visão das autoras é natural, pois o material a eles destinados não são adequadamente elaborados. Uma das justificativas que as autoras dão para este fato é que os livros didáticos, geralmente apresentam fragmentos de textos escritos para outros fins que o não o pedagógico o que dificulta a compreensão e desestimula a leitura. Argumento que converge ao de Batista (2002) quando ele diz que os livros didáticos apresentam poucos textos elaborados exclusivamente para fins pedagógicos, para iniciar as crianças na arte da leitura.

Porém, mesmo neste cenário, muitos alunos e alunas declaram encontrar prazer na leitura. Segundo Freitag, Costa e Motta, (1997) eles gostam de se projetar, de se deixar levar pelo texto. Os referidos autores defendem que “o uso do texto literário em sala de aula de forma regular e lúdica, indiscutivelmente poderia contribuir para a formação de um leitor motivado, atento e crítico” (1997, p. 121).

A falta de formação dos professores é considerada por Silva (2000) um fator fundamental para que estes mantenham-se presos ao livro didático. Para ele “o professor é treinado para utilizar [...] um determinado LD, de modo a facilitar o seu trabalho, quando ele não dispõe de uma formação que o tenha tornado capaz de tirar de outros livros ou de jornais e revistas os conteúdos de ensino” (Silva, 2000, p.

46). O autor aponta a importância de se lançar mão de outros recursos para a realização de uma educação mais dinâmica e que desenvolva nos alunos e alunas a consciência crítica.

Silva (2000) argumenta ainda que textos dos jornais e revistas abordam temas mais próximos da realidade dos alunos e utiliza uma linguagem que facilita a compreensão da mensagem por parte dos mesmos e desta forma torna-se interessante aos alunos e importantes na sua aprendizagem. Entretanto, Brandão e Micheletti (2002) observaram, em pesquisa realizada em escolas de 1ª a 4ª séries no município de São Paulo que isso dificilmente ocorre, pois na maioria das vezes as professoras fazem uso dos textos retirados dos manuais didáticos, mesmo quando buscam um material alternativo acabam recorrendo a livros didáticos de outros autores.

A falta de crítica dos professores e professoras com relação ao conteúdo ideológico do livro didático faz com que eles e elas se tornem transmissores passivos de tais conteúdos e, “a questão da ideologia do livro didático se torna, portanto, menos uma questão de conteúdos dos livros que da formação ou desinformação do professor” (FREITAG, COSTA e MOTTA, 1997, p. 111). Para os referidos autores, as universidades têm papel fundamental na transformação deste quadro, pois cabe a elas a formação de professores críticos nos seus cursos de licenciaturas, bem como ofertar cursos de formação permanente para professores e professoras da rede pública de ensino. Cursos esses que ofertem além de conteúdos específicos, como matemática, comunicação e expressão, ciências, também conteúdos de filosofia, antropologia, sociologia, conteúdos estes que possibilitariam o desenvolvimento crítico dos professores e professoras.

Outro problema apresentado pelos referidos autores é que a escolha dos livros didáticos que irão acompanhar professores e professoras, alunas e alunos no desenvolvimento de suas atividades docentes e discentes nem sempre é feita pelos professores. Quando estes têm a possibilidade de escolha ela não é feita após “um exame minucioso do seu conteúdo ou de uma experiência prévia com alunos, mas basicamente movidos pelo comodismo e conformismo” (FREITAG, COSTA e MOTTA, 1997, p. 110-111). O que, nos dias atuais se traduz na utilização do Guia

do livro didático publicado pelo MEC que induz professores e professoras a fazerem

professores e professoras podem ser levados a fazer a escolha dos livros didáticos sem a consulta e análise prévia dos livros disponíveis, baseados na opinião de “outros”, os pareceristas. Porém, “Uma vez escolhido o livro didático, é preciso estar atento e questionar as propostas de trabalho oferecidas por ele, e que, geralmente, são redutoras e discriminadoras” (SILVA et al., 2003, p. 79) e não tomá-los como a expressão da verdade.

Diversos estudos (FREITAG, COSTA e MOTTA, 1997, FARIA, 2000, SILVA, 2000, OLIVEIRA, GUIMARÃES e BOMÉNY, 1984, dentre outros) mostram que os livros didáticos não refletem a realidade dos alunos para os quais são destinados. Este fato não permite “uma imediata compreensão do que ouve e do que lê, quando a mensagem não combina com as suas experiências cotidianas” (SILVA, 2000, p. 54). Silva argumenta que “seria ingenuidade imaginar que o LD, por iniciativa das editoras, pudesse ter o seu conteúdo e a sua metodologia adaptados à realidade da clientela escolar carente” (2000, p. 43), pois para estes ele se constitui numa mercadoria que deve produzir lucros (Silva, 2000, p. 43).

Mesmo apresentando problemas, Faria (2000) conclui que o livro didático é um mal necessário, pois facilita a vida do professor que por ser mal remunerado acaba tendo que dar muitas aulas e não tem tempo de prepará-las como gostaria e deveria. Freitag, Costa e Motta argumentam que “defensores e críticos, políticos e cientistas, professores e alunos são, no momento, unânimes em relação ao livro didático: ele deixa muito a desejar, mas é indispensável em sala de aula” (1997, p. 128). Mesmo nos dias atuais o livro didático se mantém como uma ferramenta indispensável para professores e professoras, alunos e alunas, visto que muitas vezes é o único livro que chega às mãos das crianças. Desta forma, torna-se urgente “encontrar alternativa de trabalho com esse material que garantam melhor qualidade do ensino ministrado nas escolas, pois nem sempre há outro material disponível” (SILVA et al., 2003, p. 78).

O MEC, por meio do programa de avaliação do livro didático, reconhece que este instrumento tem sido a única ferramenta de apoio para as atividades de professores e alunos, dentro e fora da sala de aula “por causa da ausência de outros materiais que orientem os professores quanto a ‘o que ensinar’ e ‘como ensinar’, e também em decorrência da falta de acesso do aluno a outras fontes de estudo e pesquisa” (SILVA, 2000, p. 140). Segundo o mesmo autor, o MEC tem empreendido

esforços para que o livro didático “passe a ser entendido como instrumento auxiliar, e não mais a principal e única ferramenta” (2000, p. 140) no processo de ensino-aprendizagem.

Por outro lado, Tonini argumenta que o livro didático, “ao chegar às nossas mãos como um produto pronto e acabado, já foi submetido a regras, a restrições, a convenções e a regulamentos próprios das políticas educacionais e editoriais” (2002, p. 116), desta forma pode não mais representar a idéia e a vontade dos autores e autoras devido a essas regras. Para Freitag, Costa e Motta, “a problemática do livro didático se insere em um contexto mais amplo, que perpassa o sistema educacional e envolve estruturas globais da sociedade brasileira: o Estado, o mercado e a industria cultural” (1997, p. 127). O livro didático, além de um artefato cultural é uma mercadoria e como tal, visa lucro.

Faria (2000) acredita no surgimento de um “novo” livro didático que esteja mais adequado à realidade dos alunos, porém, acredita mais ainda no surgimento de um “novo” professor/a que seja capaz de desenvolver o raciocínio dos alunos motivando para que estes usem sua criatividade para a compreensão e a mudança da realidade. Um profissional “que perceba o contraste entre o conteúdo do livro e a vivência das crianças” (2000, p. 89). Porém, não se pode esquecer que a realidade brasileira apresenta muitas professoras e professores despreparados, principalmente nas localidades mais distantes dos grandes centros. Professores e professoras que não tiveram acesso à educação de nível superior, que muitas vezes mal sabem ler e escrever e que tomam a iniciativa de tirar as crianças da comunidade do analfabetismo. Professores e professoras que nunca saíram de suas comunidades e que embora conheçam a realidade de seus alunos desconhecem a realidade apresentada pelos livros didáticos. Como podem esses profissionais desenvolver uma consciência crítica em seus alunos?

O referencial teórico apresentado até aqui iluminará e fundamentará a análise dos dados obtidos no desenvolvimento desta pesquisa. Antes, porém, é necessário apresentar a metodologia que foi seguida para a realização da referida pesquisa, bem como, conhecer o campo empírico, ou seja, os livros didáticos que foram analisados nesta investigação, o que será feito no próximo capítulo.