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A aproximação entre o regime jurídico dos contratos administrativos

3. O CONVÊNIO COMO INSTRUMENTO DE FORMALIZAÇÃO DAS

3.6. A aproximação entre o regime jurídico dos contratos administrativos

O convênio celebrado entre a Administração Pública e as organizações do terceiro setor é concebido como instrumento para a realização da atividade administrativa de fomento. Trata-se, pois, de técnica de incentivo da qual se vale o Estado para estimular a iniciativa privada a desempenhar atividades voltadas à consecução do interesse público, nos termos do art. 174 da Constituição de 1988.237

O meio de incentivo normalmente utilizado para o desenvolvimento das atividades vinculadas ao terceiro setor é o fomento econômico, o qual busca promover o exercício de atividades particulares relevantes para o interesse público mediante a concessão de determinadas vantagens patrimoniais.238

instituições. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_

noticia=1047. Acesso em: 07 de out. de 2010. 237

“Quanto ao convênio entre entidades públicas e particulares, ele não é possível como forma de delegação de serviços públicos, mas como modalidade de fomento. É normalmente utilizado quando o Poder Público quer incentivar a iniciativa privada de interesse público. Ao invés de Estado desempenhar, ele mesmo, determinada atividade, opta por incentivar ou auxiliar o particular que queira fazê-lo, por meio de auxílios financeiros ou subvenções, financiamentos, favores fiscais etc. A forma usual de concretizar esse incentivo é o convênio.”DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, p. 338-339. No mesmo sentido: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 524.

238 “A doutrina classifica os meios de fomento econômico em reais, fiscais, creditícios e econômicos em sentido estrito. Os meios reais são aqueles que consistem na prestação ou dação de coisas ou serviços da Administração

aos particulares, sem encargos para estes, que as recebem ou os utilizam nessas condições. Incluem-se dentro desses meios de fomento o uso ou aproveitamento de coisas do domínio da Administração, a utilização gratuita de certos serviços científicos ou técnicos próprios da Administração. Os meios fiscais ocorreriam pelo estabelecimento de isenções, imunidades tributárias, redução de alíquotas, remissão, anistia, diferimentos e fixação de prazos excepcionais de recolhimento de tributos. [...] Os meios crediticios se configurariam pelo

Importante não confundir o conceito de fomento econômico com o de subvenções econômicas, disposto no art. 12, § 3º da Lei nº 4.320/64, de 17 de março de 1964. Enquanto o critério doutrinário utilizado para definir o fomento econômico é a existência de vantagens patrimoniais, a Lei nº 4.320/64 classifica as subvenções em sociais e econômicas a depender do destinatário dos recursos repassados. Assim, consideram-se subvenções sociais “as que se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa”, e subvenções econômicas “as que se destinem a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril”.

Deve-se observar que, por meio das ações de fomento, o Estado simplesmente estimula o particular a realizar atividades que são próprias da sua atividade social ou econômica, não havendo que se falar, pois, em delegação de serviço público. Nesse sentido, Di Pietro observa que a celebração de convênios entre as organizações do terceiro setor e a Administração Pública não tem o condão de transferir a execução de serviços públicos aos particulares.239

E como se trata de incentivo promovido pelo Poder Público, cabe ao particular decidir se adere ou não às políticas de fomento criadas pelo Estado, haja vista que as atividades privadas são amparadas pelo princípio constitucional da livre iniciativa.240

Dessa forma, deve-se observar que as organizações sem finalidade lucrativa podem realizar suas atividades sem manter qualquer vínculo com o Estado, não sendo

estabelecimento de linhas privilegiadas de crédito ou meios alternativos de financiamento. Os meios econômicos

em sentido estrito consistem em ajudas ou vantagens financeiras dadas pela Administração aos destinatários da

atividade de fomento, normalmente designados subvenções ou auxílios (...)” Além do fomento econômico, destaca o autor a existência dos meios jurídicos e honoríficos de fomento: “Os meios jurídicos de fomento configuram a outorga de uma condição privilegiada a determinadas pessoas, o quê, indiretamente, cria para elas diversas vantagens econômicas. O fomento honorífico é aquele que busca promover ou acentuar o exercício de certas atividades, de interesse público, pelos particulares, mediante a outorga de títulos, distinções, condecorações que atuam sobre o conceito e o sentimento de honra que existe em toda pessoa.” ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor, p. 37-38.

239

“O convênio não se presta à delegação de serviço público ao particular, porque essa delegação é incompatível com a própria natureza do ajuste; na delegação ocorre a transferência de atividade de uma pessoa para outra que não a possui; no convênio, pressupõe-se que as duas pessoas têm competências comuns e vão prestar mútua colaboração para atingir seus objetivos.”DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, p. 339. 240

“O importante é destacar que, sendo a liberdade de iniciativa um fundamento da República, o fomento público é de adesão facultativa pelo administrado relativamente aos objetivos de interesse público fixados em lei, em troca dos incentivos nela previstos; só a partir da adesão é que o administrado se obriga a cumprir as metas cuja implementação é incentivada.” SOUTO, Marcos Juruena Villela. Estímulos positivos. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de (Coord.) Terceiro Setor, Empresas e Estado: novas fronteiras entre o público e o privado. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 17.

a atividade administrativa de fomento inerente à existência ou ao desenvolvimento do terceiro setor.

Percebe-se, assim, que o Estado pode se desincumbir de maneiras distintas do dever de atender às demandas dos cidadãos na área social. Atividades materiais nas áreas de educação e saúde, por exemplo, podem ser prestadas diretamente pela Administração (caso em que as atividades consistem em serviços públicos) ou por meio da celebração de parcerias com o setor privado.241

O próprio modelo político-econômico adotado por um determinado Estado pode influenciar na forma de a Administração Pública desempenhar as atividades sociais, haja vista que há defensores de um Estado “mais enxuto” como há também defensores de uma Administração prestadora de todos os serviços sociais.242

Não se podem perder de vista que os convênios celebrados entre o Estado e as entidades do terceiro setor enquadram-se na atividade administrativa de fomento, de modo que a Administração incentiva determinadas práticas que são livres à iniciativa privada. Assim, várias atividades que possuem natureza de serviço público quando

241 “A parceria pode servir a variados objetivos e formalizar-se por diferentes instrumentos jurídicos. Ela pode ser utilizada como: a. forma de delegação da execução de serviços públicos a particulares, pelos instrumentos da concessão e permissão de serviços públicos, ou das parcerias público-privadas (concessão patrocinada e concessão administrativa, criadas pela Lei n° 11.079, de 30-12-2009); b. meio de fomento à iniciativa de interesse público, efetivando-se por meio de convênio ou contrato de gestão; c. forma de cooperação do particular na execução de atividades próprias da Administração Pública, pelo instrumento da terceirização (contratos de prestação de serviços, obras e fornecimento, sob a forma de empreitada regida pela Lei n° 8.666, de 26-6-93, ou de concessão administrativa, regida pela Lei n° 11.079/2005); b. instrumento de desburocratização e de instauração da chamada Administração Pública gerencial, por meio dos contratos de gestão.” DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas, p. 22-23.

242 “Estamos assistindo, então, a uma outra forma de o Estado atuar. Razões de governo podem levar o Estado a

atuar de forma mediata, indireta, fazendo-se substituir no exercício da prestação de serviços relevantes à população por particulares em colaboração, mediante a adoção de instrumentos jurídicos diversos daqueles habitualmente utilizados na prestação de serviços públicos, como a delegação (concessão e permissão) e que configurariam, no seu conjunto, a atividade de fomento. A questão fundamental, no entanto, é saber se a Administração pode, livremente, optar por formas jurídicas de atuação, isto é, se ela pode substituir meios diretos de agir por meios indiretos. Penso que não. Dado o teor do texto constitucional que disciplina o agir da Administração Pública, não lhe é permitido escolher entre a prestação direta de serviços de saúde, ou a possibilidade de entregar a gestão dos serviços de saúde a Organizações Sociais, mediante celebração de contratos de gestão. Ademais, como será visto oportunamente, a atividade administrativa de fomento, enquanto subsidiária, não desonera a Administração de atuar, de modo direto, na prestação de serviços como os de saúde e os de educação. A atuação do Estado mediante a ação administrativa de fomento revela outra característica do chamado Terceiro Setor. Embora, a princípio, todos os entes que não exerçam atividade lucrativa e busquem alcançar finalidades sociais relevantes possam integrar o Terceiro setor, o fato é que os entes que o integram buscam, também, receber do Estado os recursos necessários à realização de tais finalidades, mediante, como dito, a ação administrativa de fomento.” ROCHA, Sílvio Luís Ferreira. Terceiro setor, p. 21.

executadas pela Administração, são consideradas atividades econômicas quando desempenhadas livremente pelos particulares.243

Não se pode confundir, pois, as situações em que o Poder Público incentiva comportamentos livres à iniciativa privada (fomento), com outras em que a Administração delega a particulares atribuições que lhe são próprias. É neste último caso que o art. 175 da Constituição autoriza a delegação da execução de serviços públicos, mediante concessão ou permissão, hipótese em que é evidente a impossibilidade de o particular prestar tais atividades sem a outorga estatal.244

Sob o ponto de vista técnico-jurídico, portanto, não há que se falar em delegação de serviços públicos nas relações entre o Estado e as entidades do terceiro setor, visto que as entidades privadas atuam amparadas no princípio da autonomia privada.

Ocorre que, sob a ótica substancial, o Poder Público deixa de prestar diretamente serviços sociais para transferir a execução e a responsabilidade por tais atividades às organizações não governamentais. Daí a confusão acerca da utilização do termo “delegação” de serviços públicos.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona que as parcerias entre o Estado e as entidades privadas podem servir a variados objetivos e formalizar-se por diferentes instrumentos jurídicos, como concessão e permissão de serviços públicos (para delegação da execução de serviços públicos a particulares); convênio ou contrato de gestão (meios de fomento à iniciativa privada de interesse público); contratos de prestação de serviços, obras e financiamentos, denominados pela autora de “instrumento da terceirização” (forma de cooperação do particular na execução de atividades próprias da Administração Pública).245

243 “É diferente dos serviços públicos não exclusivos do Estado, como os da saúde e educação, que a Constituição, ao mesmo tempo em que os prevê, nos artigos 196 e 205, como deveres do Estado (e, portanto, como serviços públicos próprios), deixa aberta ao particular a possibilidade de exercê-los por sua própria iniciativa (arts. 199 e 209), o que significa que se incluem na categoria de serviços públicos impróprios; nesse caso, a autorização não constitui ato de delegação de atividade do Estado, mas simples medida de polícia”. DI PIETRO, Maria Sylvia. Parcerias na Administração Pública, p. 265.

244 Conforme será analisado no capítulo seguinte (item 4.3.2), existem vários contratos celebrados entre o setor público e a iniciativa privada que não envolvem a delegação de serviços públicos, de modo que a transferência de competências não pode ser apontada como argumento suficiente para negar natureza contratual ao convênio administrativo.

Não há dúvidas de que o aumento de transferências financeiras do Estado ao terceiro setor representa decisão político-econômica de privatizar (lato sensu) a realização das atividades sociais que incumbem ao Estado. Embora o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado utilize da expressão publicização, trata-se, na verdade, de privatização (ou desestatização), visto que as chamadas atividades não exclusivas do Estado passaram a ser desempenhadas prioritariamente pelo terceiro setor.246

Dessa forma, constata-se um crescente número de ONGs que celebraram convênios com o Estado para a realização de atividades que a própria Administração Pública poderia executar.247 Segundo Di Pietro, apesar de aparentemente as entidades do terceiro setor desempenharem atividade privada fomentada pelo Estado, o verdadeiro objetivo da reforma do Estado que culminou com a edição da Emenda Constitucional n. 19/98 seria a transferência de competências públicas às organizações não governamentais:

Aparentemente, a organização social vai exercer atividade de natureza privada, com incentivo do Poder Público, dentro da atividade de fomento. Mas, na realidade, o real objetivo parece ser o de privatizar a forma de gestão de serviço público delegado pelo Estado. A própria lei, em pelo menos um caso, está prevendo a prestação de serviço

público pela organização social; quando a entidade absorver atividades de entidade

federal extinta no âmbito da área de saúde, deverá considerar no contrato de gestão, quanto ao atendimento da comunidade, os princípios do Sistema Único de Saúde, expressos no art. 198 da Constituição Federal e no art. 7° da Lei n° 8.080, de 19-9- 90.248

É possível identificar, assim, situações em que a relação entre o Estado e o terceiro setor deixa de se enquadrar como atividade típica de fomento, passando a caracterizar transferência material de atribuições ligadas às áreas sociais.

246 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo, p. 497. Em sentido semelhante José dos Santos Carvalho

Filho: “O que existe, nas realidade, é o cumprimento de mais uma etapa do processo de desestatização, pelo qual o Estado se afasta do desempenho direto da atividade, ou, se se preferir, da prestação direta de alguns serviços públicos, mesmo não econômicos, delegando-a a pessoas de direito privado não integrantes da Administração Pública.” CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, p. 384. 247

Atualmente há até organizações do terceiro setor responsáveis pela proteção de testemunhas ameaçadas:

“Abandonado pela justiça. Sem dinheiro e sem assistência, comerciante que acusou juiz no Maranhão deixa Programa de Proteção a testemunhas, denuncia desvio de dinheiro público e volta à sua casa, mesmo correndo risco de morrer”. ABANDONADO pela justiça. Isto é Brasil (on line). Disponível em: http://www.istoe.com.br/ reportagens/114874_ABANDONADO+PELA+JUSTICA. Acesso em: 16 dez. 2010.

É que a atividade administrativa de fomento, em seu sentido clássico, pressupõe a ação estatal em caráter suplementar (como incentivo), sem que seja configurada relação de dependência entre os particulares e o Poder Público.

Deve-se conceber a atividade de fomento vinculada ao princípio da subsidiariedade, que concebe a atuação estatal nas hipóteses em que a ação dos grupos sociais mostrar-se ineficaz ou não conveniente ao interesse público. Caberia à Administração Pública, assim, criar condições necessárias para a atuação dos grupos sociais, quando do desenvolvimento de atividades de interesse público, bem como, se necessário, atuar de forma conjunta com os particulares. Deve o Estado tornar-se parceiro de determinadas organizações da sociedade civil, desempenhando projetos de forma cooperada.249

Por outro lado, como anotou Sílvio Luís Ferreira da Rocha, a atividade administrativa de fomento não exonera o particular do risco existente na atividade, tampouco o exonera da obrigatoriedade de aportar recursos próprios para a atividade fomentada, haja vista a atividade de fomento não se resumir a atos de liberalidade administrativa.250

No entanto, a partir da década de 90, observou-se a criação de uma série de pessoas jurídicas dependentes do Poder Público.251 Nesse contexto, muitas entidades passaram a depender da celebração de convênios administrativos, da mesma forma que

249

ROCHA, Sílvio Luís Ferreira. Terceiro setor, p. 33. Como observa Antonia Baraggia, o princípio da subsidiariedade é uma das bases fundamentais do terceiro setor. BARAGGIA, Antonia. I vincoli normativi sul

settore non profit, p. 775.

250 “A observância do princípio da repartição de riscos (previsto, inclusive, na Lei n. 4.320, de 1964, em seu artigo 16, quando, ao tratar das subvenções sociais, usa o termo suplementação de recursos de origem privada, indicando, portanto, que o fomento pressupõe o investimento de recursos privados na atividade incentivada) serviria para por fim à ‘farra’ de transferências de recursos públicos a entes privados que, sob o pretexto de serem fomentados, passaram, em flagrante desesrespeito aos princípios constitucionais, a gerir bens, servidores e recursos públicos, sem a necessária contrapartida como o que está ocorrendo com as entidades qualificadas como Organizações Sociais.” ROCHA, op. cit. p. 33.

251 ”Entre 1996 e 2005, observou-se um crescimento da ordem de 215,1% das fundações privadas e associações

sem fins lucrativos no Brasil. Isso significa que o número das FASFIL passou de 107,3 mil para 338,2 mil no período. Proporcionalmente, esse grupo de entidades foi o que mais cresceu no País. [...] pode ser constatado que as Demais organizações sem fins lucrativos (caixas escolares, partidos, sindicatos, condomínios e cartórios) apresentaram um crescimento de 152,2%, enquanto todo o conjunto de organizações pública, privada lucrativa e privada não-lucrativa existentes no CEMPRE cresceu 74,8%. É importante observar que após haver registrado uma fortes expansão, o crescimento dessas entidades perdeu fôlego entre 2002 e 2005 (22,6%). Se o ritmo de crescimento das FASFIL nos anos de 2002 a 2005 representar uma mudança de tendência, em 2008 elas apresentarão um crescimento bem inferior aos 157,0% alcançado no período 1996 a 2002. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) et al. As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no

Brasil. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/fasfil/ 2005/ default.shtm. Acesso em:

muitas empresas privadas possuem como principal nicho de mercado o fornecimento de bens e a prestação de serviço para o Estado.

Dessa forma, apesar de, sob a ótica formal, o convênio representar ações da iniciativa privada no exercício de competências próprias, incentivadas pelo Estado por meio da atividade de fomento, em muitas situações os convênios são utilizados em substituição à celebração de contratos de prestação de pelo Estado.

Deve-se observar que há muitas situações em que o repasse de verbas públicas aos particulares não vem acompanhado de aporte de recursos privados relevantes para a execução do objeto do convênio, de modo que os riscos da atividade privada são praticamente suprimidos. Nesses casos, existe evidente descaracterização da noção tradicional de fomento, pois o Estado passa a custear integralmente a atividade privada a ser desempenhada. Mesmo que tecnicamente essa atividade administrativa ainda seja entendida como atividade de fomento, não há como negar a mudança de referencial no momento em que o Estado custeia todo o desenvolvimento e a execução da atividade.

Percebe-se, pois, que nos convênios em que há grandes repasses de natureza patrimonial a entidades privadas, sem que haja relevantes aportes financeiros pelos particulares, passa a existir enorme semelhança entre tais convênios e o contrato de prestação de serviços regido pela Lei n° 8.666/93. Como o particular acaba fazendo simplesmente a gestão privada dos recursos públicos repassados pelo Estado, a parceria distancia-se da atividade de fomento e se aproxima muito da prestação de serviços do particular em benefício do Estado, apresentando como peculiaridade a inexistência de remuneração à entidade privada.

Interessante notar que a celebração de convênios administrativos, contratos de gestão e termos de parceria com as entidades do terceiro setor, envolvendo repasses de elevadas quantias financeiras, tem acarretado controvérsias sobre a própria natureza dos institutos em análise. A esse respeito vale citar as lições de Tarso Cabral Violin:

Entendemos que os contratos de gestão firmados entre a Administração Pública e as organizações sociais têm a mesma natureza jurídica dos contratos administrativos, e não dos convênios, pois neles há interesses contraditórios, onde a Administração pretende que determinado serviço seja realizado e pagará para que as organizações sociais o realize. Nos contratos de gestão também há as prerrogativas da Administração Pública existentes nos contratos administrativos. É claro que os

contratos de gestão têm algumas peculiaridades, e às vezes até são semelhantes aos convênios, mas não há como, pela importância dos serviços realizados pelas organizações sociais, que estas tenham apenas vínculo de convênio com a Administração Pública, onde elas possam denunciar a qualquer momento, sem penalidades.252

Como se vê, a prestação de serviços de interesse público pelas entidades do terceiro setor tem chamado a atenção da doutrina acerca da necessidade de incidência do regime jurídico típico dos contratos administrativos.

É importante deixar claro que não se sustenta no presente trabalho a impossibilidade de celebração de tais convênios. O que se questiona é a legalidade da celebração do vínculo sem que haja processo objetivo de escolha da entidade privada que recebe elevadas quantias financeiras.

Assim como as demais atividades administrativas, o fomento pauta-se pelos princípios que regem a Administração Pública, especialmente o princípio da isonomia. Afinal, não pode o administrador favorecer nem perseguir entidades interessadas, devendo assegurar a todos o direito de concorrer aos seus benefícios.253 Não cabe ao