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3. O CONVÊNIO COMO INSTRUMENTO DE FORMALIZAÇÃO DAS

3.3. Terceiro setor: definição e abrangência

Ao longo das últimas décadas surgiram, em vários países, organizações autônomas da sociedade civil, criadas voluntariamente por particulares, mantidas sem o auxílio do Estado e que não possuíam finalidade lucrativa.

Consistiam, portanto, em um setor da sociedade que não pertencia ao Estado (chamado de primeiro setor) nem ao mercado (segundo setor). Essa nova forma de organização e de atuação da sociedade civil passou a ser denominada terceiro setor.

O desenvolvimento organizado do terceiro setor no Brasil iniciou-se na década de setenta, embora ainda sem essa denominação, período em que se observou uma significativa expansão das associações civis, dos sindicatos, dos grupos ambientalistas, dos movimentos em defesa das minorias etc.143

As concepções acerca do terceiro setor variaram conforme o passar dos anos. No início da década de noventa, por exemplo, as definições apresentavam termos mais sociológicos e principiológicos do que jurídicos, em virtude da inexistência de legislação específica.144

Os juristas apenas começaram a tratar do assunto de forma sistematizada a partir do Plano Diretor da Reforma do Estado, desenvolvido em 1995 pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE). Nesse período a

143 ZEN, Marcela Roza Leonardo. Licitação e Terceiro setor: reflexos sobre o concursos de projetos da lei das

OSCIPS, p. 78.

144 “[...] pode-se dizer que o Terceiro setor é composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil.” FERNANDES, Rubem César. O que é o terceiro setor? p. 27.

Administração Pública, especialmente no âmbito federal, incentivou a criação e o desenvolvimento dos entes do terceiro setor. 145

Destaca-se que embora o Plano Diretor não tenha sido formalizado como espécie de ato normativo, ele integrou a exposição de motivos encaminhada ao Congresso Nacional juntamente com a proposta de Emenda Constitucional que se tornou, três anos depois, a Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998.146

Ademais, o Plano Diretor deflagrou a edição de legislação específica acerca do terceiro setor, com destaque para a Lei Federal n°. 9.637, de 15 de maio de 1998, que disciplina as organizações sociais (OS), e a Lei n°. 9.790, de 22 de março de 1999, que dispõe sobre as organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs), regulamentada pelo Decreto n° 3.100, de 30 de junho de 1999.

Há quem sustente, hoje em dia, que devido às especificidades da matéria o terceiro setor caracteriza-se como um ramo autônomo do Direito.147 Para o presente

145

“A partir de 1995, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado criou o setor de serviços não exclusivos do Estado, transferindo para o setor público não estatal a execução dos serviços sociais que anteriormente eram prestados pelo Estado. Desta forma, desenvolveu-se em todo o país o espaço denominado Terceiro setor, ocupado por organizações sem fins lucrativos, responsável pela execução dos serviços públicos sociais.” ZEN, Marcela Roza Leonardo. Licitação e Terceiro setor: reflexos sobre o concursos de projetos da lei das OSCIPS, p.78. No mesmo sentido: “É possível afirmar que o recente interesse pelo Terceiro setor é uma das decorrências das políticas reformistas de Estado, ocorridas nas últimas décadas do século XX, as quais provocaram, em muitos casos, o desmantelamento das estruturas públicas voltadas à prestação de serviços sociais à comunidade. Foi nesse período que surgiu a expressão espaço público não estatal, cuja evolução foi propagada – e de certo modo incentivada – pelo Governo do ex-Presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002).” OLIVEIRA, Gustavo Justino. Direito do Terceiro setor, p. 17.

146 A E. C. 19/98 efetivou profundas alterações no Direito administrativo brasileiro, principalmente quanto à busca de resultados pelo Estado. Nesse sentido, podem ser mencionadas a avaliação de desempenho de servidor público como condição de aquisição de estabilidade, a celebração de contratos de gestão como forma de aumentar a eficiência e a possibilidade de perda do cargo por servidores estáveis em virtude de excesso de gastos com pessoal.

147

“[...] parece evidente que somente um ramo jurídico especial e autônomo cumpriria o adequado estudo, entre outros aspectos: (a) do conceito de Terceiro setor; (b) das formas de constituição, organização e funcionamento das entidades privadas que dele fazem parte; (c) das diferentes finalidades sociais dessas entidades; (d) das possíveis certificações estatais que podem ser conferidas a essas entidades, assim como os efeitos decorrentes dessas certificações; (e) das atividades de relevância pública por tais entidades desenvolvidas; (f) das formas de atuação isolada ou colaborativas (em parceria) dessas entidades; (g) das relações de trabalhos travadas entre tais entidades e as pessoas físicas, com especial destaque ao voluntariado; (h) da tributação dessas entidades; (i) das formas e dos instrumentos de fiscalização e de controle dessas entidades. Os aspectos acima listados, em seu conjunto, o objeto do Direito do Terceiro setor. Assim sendo, como um novo ramo jurídico, ainda em evolução, entendemos o Direito do Terceiro setor como o ramo do Direito que estuda o Terceiro setor, disciplinando, em

especial, a organização e o funcionamento das entidades privadas sem fins lucrativos, as atividades de interesse público por elas levadas a efeito e as relações por elas desenvolvidas entre si, com órgãos e entidades integrantes do aparto estatal (Estado), com entidades privadas que exercem atividades econômicas eminentemente lucrativas (mercado) e com pessoas físicas que para elas prestam serviços remunerados ou não remunerados (voluntariado). Obviamente, a autonomia deste ramo jurídico será conquistada na medida em que

seja possível aos juristas evidenciarem os princípios gerais que lhe são próprios, pois o objeto do Direito do Terceiro setor, em nosso ponto de vista, encontra-se suficientemente delineado.” OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Direito do Terceiro setor, p. 33-35.

trabalho, no entanto, não se justifica a criação de um ramo específico da ciência jurídica para o estudo do terceiro setor, visto que são entidades de direito privado regidas normalmente pelo Direito Civil. Ao se vincularem à Administração Pública por meio de convênios ou instrumentos congêneres, a relação jurídica será regida pelo Direito Administrativo.

As definições em geral acerca do terceiro setor referem-se a um conjunto de pessoas jurídicas de direito privado sem finalidade lucrativa, criadas por particulares para atender a interesses sociais relevantes.148

Nesse mesmo sentido as lições de Gustavo Justino de Oliveira, ao tratar da abrangência do terceiro setor:

o conjunto de atividades voluntárias desenvolvidas por organizações privadas não governamentais e sem ânimo de lucro (associações e fundações), realizadas em prol da sociedade, independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora com eles possa firmar parcerias e deles possa receber investimentos (públicos e privados).149

Incluem-se, assim, no terceiro setor, as associações protetoras de crianças portadoras de síndrome de down, as organizações voltadas à defesa da mata atlântica, da floresta amazônica, do desenvolvimento sustentável, dos desabrigados, dos órfãos soro-positivos etc.150

148 “Conjunto de organizações sociais que não são nem estatais nem mercantis, ou seja, organizações sociais que, por um lado, sendo privadas não visam fins lucrativos, e, por outro lado, sendo animadas por objetivos sociais, públicos ou coletivos, não são estatais”. QUELHAS, Ana Paula Santos. A refundação do papel do Estado nas

políticas sociais, p. 19.

No mesmo sentido, Maria das Graças Bigal Barboza da Silva e Ana Maria Viegas da Silva entendem que “O terceiro setor é constituído por entidades de interesse social, com finalidade econômica, podendo prospectar superávit, sem, no entanto, objetivar lucros. SILVA, Maria das Graças Bigal Barboza da; SILVA, Ana Maria Viegas da. Terceiro setor: gestão das entidades sociais (ONG – Oscip – Os), p. 21. Sílvio Luís Ferreira da Rocha entende que: “O nome Terceiro setor indica os entes que estão situados entre os setores estatais e empresarial. Os entes que o integram são entes privados, não vinculados à organização centralizada ou descentralizada da Administração Púbica, mas que não almejam, entretanto, entre os seus objetivos sociais, o lucro, e que prestam serviços em áreas de relevante interesse social e público.” ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor, p. 15. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez, entende que o terceiro setor é: “[...] aquele que é composto por entidades da sociedade civil de fins públicos a não lucrativos; esse terceiro setor coexiste com o primeiro setor,

que é o Estado, e o segundo setor, que é o mercado.”DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo, p. 490.

Na Europa, o chamado terceiro setor ou setor social engloba, segundo Glauco Martins Guerra: “todas as entidades de regime privado que, exercendo algum tipo de atividade de interesse público, emergiram da iniciativa da sociedade civil, de natureza social e assistencial sem fins lucrativos. GUERRA, Glauco Martins. Apontamentos sobre o Terceiro setor no Brasil: breve análise jurídica, p. 27.

149 OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. Estado contratual, direito ao desenvolvimento e parceria público-

privada, p. 86. 150

“O IV Encontro Ibero-Americano do ‘terceiro setor’ definiu como organizações do ‘terceiro setor’ aquelas que são privadas, não governamentais, sem fins lucrativos, autogovernadas, de associação voluntária.” VIOLIN,

Cumpre observar, no entanto, que a utilização de termos vagos (elásticos) para conceituar o terceiro setor permite que as definições semelhantes dos diversos autores sejam interpretadas por cada um deles de forma bastante distinta ao delimitar a sua abrangência. É que a concretização de expressões como “atividades voluntárias de interesse da sociedade”, ou mesmo “entidades privadas sem vinculação com o Estado” permite abordagem diversa pelos autores especialistas no tema.

Nesse sentido existe divergência na doutrina sobre a inclusão de clubes privados de recreação e lazer, constituídos sob a forma de associação e sustentados por contribuição voluntária de seus associados.151 O mesmo se questiona acerca de clubes de colecionadores, que não possuem como objetivo maior a busca de benefício de terceiros não associados.

Da mesma forma não é pacífico o entendimento acerca das entidades paraestatais, como os serviços sociais autônomos. É que, apesar de possuírem natureza jurídica de direito privado, tais entidades mantêm forte vinculação com o Estado por meio do recebimento de contribuições de natureza tributária.

Como se vê, embora pelas definições não seja possível apreender o posicionamento distinto quanto à abrangência do terceiro setor, existe ainda muito para se discutir e aprofundar, razão pela qual o tema voltará a ser abordado nos próximos itens do presente capítulo.