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SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL (TASHC)

1.2 A LINGUAGEM NA FORMAÇÃO CRÍTICO-CRIATIVA DE PROFESSORES

1.2.3 A argumentação na formação de professores

Ao discutir as atividades de formação docente desenvolvidas pelo PAC, Liberali (2009) explica que a argumentação é um tipo de organização que funciona como ferramenta para a produção de significados compartilhados numa cadeia criativa. Na formação crítico- criativa, a argumentação está relacionada às situações em que “o contexto existe para a colaboração entre parceiros”, ou seja, a produção de significados apresenta-se atrelada às “situações desafiadoras que pressupõe a superação das restrições” (LIBERALI & MAGALHÃES, 2009, p.47), e ir além de si mesmos.

Nessa perspectiva, a argumentação ultrapassa a visão presente na teoria da argumentação – persuasão e/ou convencimento –, e pode ser expandida como uma organização de linguagem que promove a produção de sentidos e significados entre os sujeitos em uma atividade, como na formação de professores (LIBERALI, 2012). Ainda, essa pesquisadora explica que, no contexto de formação docente, a argumentação pode ser estudada tendo em vista as formas de assimilação do discurso do outro (BAKHTIN, 2002, p. 34-163). No entanto, na apreensão do discurso de outrem é possível que haja certo grau de autoritarismo e dogmatismo que pode impedir uma atitude positiva a todos os componentes da enunciação.

Com base nessa discussão, tendo em vista o aporte bakhtiniano, Liberali (2009c) explica que a argumentação pode existir tanto sob a perspectiva do discurso autoritário

quanto do internamente persuasivo, porque o embate argumentativo entre sentidos é envolto de diversas vozes que lutam na enunciação. O discurso de autoridade mobiliza a verdade e não permite espaço para a argumentação, refutação e contestação, uma vez que ele é somente transmitido. Esse discurso apresenta-se como acabado e não permite novas inferências; exige reconhecimento e assimilação, pois está associado às posições de poder (GRILO, 2010), como o discurso religioso, político, moral, a palavra do pai, dos adultos, dos professores. Enfim, é o discurso que carece de persuasão interior para a consciência, por pertencer a uma linguagem especial, hierática (BAKHTIN, 2002, p. 34-163).

Apesar dessa característica de imobilidade, o discurso autoridade pode ser assimilado no discurso de outro e se tornar internamente persuasivo, ao ser enunciado novamente com suas próprias palavras. Esse discurso “é normalmente metade nosso, metade de outrem” (BAKHTIN, 2002, p.145), possui uma produção criativa formada pela incompletude e pela possibilidade de infiltrar-se, num inter-relacionamento dialógico tenso e em um num conflito, com outros discursos internamente persuasivos. Ao se caracterizar como inacabado e aberto às transformações, o discurso interiormente persuasivo interliga-se à produção crítico-criativa na atividade de formação docente e permite a elaboração e a colocação de pontos de vista com engajamento e, ainda, inserir-se num processo reflexivo.

No contexto de formação, a condução da discussão na atividade promove a relação argumentativa do discurso internamente persuasivo que, se entrelaça ao discurso do outro, possibilitando que, no discurso próprio, seja apresentado o discurso do outro; e, no discurso do outro, seja produzido o discurso próprio. O produto dessa interação pode também apresentar marcas de criatividade, trazendo um elemento novo por meio da assimilação do outro.

Neste trabalho, a argumentação constitui-se pelas interações dialógicas em que os enunciados concretos das alunas-professoras e os meus, como pesquisadora-formadora, se configuram por um embate argumentativo, em que os sentidos trazem tanto o discurso de autoridade quanto o internamente persuasivo, o que promove a produção de significados. O modo como esse embate é, argumentativamente, conduzido, pode implicar a caracterização da produção de significados como crítico-criativa ou não. Em outras palavras, a argumentação pode influenciar no modo como a produção de significados se apresenta pela forma como os sentidos, carregados do discurso de autoridade e do internamente persuasivo, são confrontados.

Nessa direção, a argumentação é constitutiva de novos produtos culturais que, dialeticamente, superam as perspectivas autoritárias e dogmáticas (LIBERALI, 2009c), tanto daquilo que é acrítico, alienado e imposto, quanto sem criatividade. Essa pesquisadora explica que a argumentação no contexto escolar relaciona-se às situações colaborativas entre parceiros, que participam do contexto, questionando, assumindo compromissos, submetendo- se à crítica de seus valores, normas e direitos, inclusive aqueles tidos como democráticos e justos (LIBERALI, 2006).

Considerando o âmbito escolar um espaço onde reina uma pluralidade de vozes, lutas conflitantes e formas diferentes de cultura, a argumentação, como artefato para análise e discussão dos problemas e conceitos, pode criar oportunidades de observação de si e dos demais como base para imersão na consciência (FREIRE, 1970); discussão teórica para a compreensão generalizante da prática; e emersão da consciência (FREIRE, 1970) para a avaliação a partir de critérios sociais mais amplos (LIBERALI, 2006).

Tendo em vista esse posicionamento, no contexto do Tempo de Aprender, a argumentação exerce um papel fundamental nesta investigação, pois possibilita que a atividade de formação docente se organize, pelo confronto entre os sentidos construídos por cada participante e os significados compartilhados, Além de se relacionar à maneira como a formação docente realiza-se – crítica, alienada, imposta e/ou criativa –, a argumentação, também está vinculada ao modo como as alunas-professoras se constituem ao longo do processo e assumem-se na atividade, ao reconhecerem e responderem a questão controversa, por exemplo, ao tecerem suas explicações e sustentarem seus pontos de vista. Portanto, a atividade de formação docente aqui discutida atribui à argumentação, seu principal instrumento de produção crítico-criativa.

Neste capítulo introduzi a Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural (TASHC) e discuti a criticidade e a criatividade na formação de professores. Relacionado à atividade de formação docente, apresentei e discuti a linguagem na perspectiva dialógica e a situei no Tempo de Aprender. Por último, discorri sobre o compartilhamento de sentidos e a produção de significados na formação docente e ainda discuti a argumentação na formação de professores. A seguir, abordo o contexto da formação docente: o processo da organização da pesquisa.

Capítulo

2

2. CONTEXTO DA FORMAÇÃO DOCENTE: