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CAPÍTULO II – TRAJETÓRIAS DAS EPISTEMOLOGIAS CONTRA-HEGEMÔNICAS

2.1 EPISTEMOLOGIAS CONTRA-HEGEMÔNICAS E SUAS TRAJETÓRIAS

2.1.3 A arqueologia crítica do colonialismo epistêmico da Modernidade

A arqueologia é uma disciplina que recentemente foi inserida na discussão contemporânea posicionada de modo crítico diante dos princípios da colonialidade e da modernidade. Os ensaios remetidos aos estudos coloniais são originários de uma série de campos de pesquisa, entre a semiótica, a literatura, a filosofia, a sociologia, a religião e a antropologia.

Os estudos da arqueologia enriquecem as perspectivas pós-coloniais. Inicialmente podemos refletir o fato de que o colonialismo se consolidou pela conquista do espaço territorial e incluiu a conquista do tempo, que adotou muitas formas.

En primer lugar, incluyó la captura de las historias locales y su sujeción a marcos y perspectivas eurocêntricas. Desde el momento del contacto la experiencia local generalmente sólo tenía sentido en la medida en que se relacionaba con la experiencia occidental y la presencia europea, lo que para la mayor parte del sur global significaba la presencia colonial y lo post-

colonial (todo refiere al colonialismo, todo refiere a occidente). La conquista del tempo también incluyó la cancelación o subalternización de las temporalidades y compreensiones del tiempo locales. Las compreensiones distintas y multiformes del tiempo (como circular, repetitivo, simultâneo, etc.) fueron reemplanzadas por el tiempo occidental moderno, el tiempo lineal marcado por una serie de rupturas. (SHEPHERD, 2015, p. 20).

Podemos compreender que as concepções da Modernidade, no entanto, separaram o passado do presente e distanciaram o presente do futuro na sua concepção de espaço-tempo. O sujeito presente é resultado fictício de uma concepção eurocêntrica da qual sua existência real é invisibilizada pelo tempo linear da imaginação histórica. A instituição do conhecimento pelo domínio do tempo pela modernidade segregou o presente de modo inquisitório: o tempo passou a ser cronológico, sequencial e mercantil. Uma nova compreensão de ser no tempo destinou a América Latina aos moldes do Ocidente, como única via de conhecimento, que perpassa desde as constituições familiares à mercantilização das terras pela noção da propriedade privada, de modo alienado por meio de vários dispositivos como a poesia romântica da paisagem, a retórica do nacionalismo moderno e a noção de patrimônio.

De acordo com os pensadores Enrique Dussel, Nelson Maldonado-Torres, Walter Mignolo e Sylvia Wynte, os dispositivos da colonialidade da modernidade não se limitam pela conquista de um povo sobre outro, mas, sobretudo, transmutou o conhecimento de mundo para a produção do ser no mundo, organizada para uma nova ordem. Essas considerações foram consecutivas dos efeitos catastróficos nos modos de existências regionais que tornaram os países do Sul à margem do Norte.

Entre 1870 e 1920, a arqueologia era formulada enquanto ciência racial praticada nos contextos de raça do colonialismo numa lógica organizada. A branquitude é convertida numa identidade hegemônica enquanto precursora das elites dominantes, enquanto os não brancos referem-se a uma construção subalterna, distinta das bases coloniais.

Enquanto projeto de conhecimento, a arqueologia se vincula ao passado, desconectando-se dos interesses sociais e políticos, porém, em muitos contextos, tem se mantido oposta, intervindo nas esferas das atividades econômicas das políticas coloniais e pós- coloniais.

Como proyecto de conocimento y conjunto de prácticas la arqueologia há intervenido em tres esferas de actividad que llegan al corazón de las economías políticas colonial y post-colonial. La primera há sido la relación com latierra a través de la necesidad de aceder a sítios em el paisaje. La segunda há sido la relación com el trabajo a través de la necessidade de trabajar em esses sítios. La tercera há sido la relación de propriedade y control llevada a cabo a través de los reclamos arqueológicos sobre al patrimônio

cultural, los reclamos contrários de grupos descendientes y el terreno cuasi legal del comercio de antigüidades. (SHEPHERD, 2015, p. 28).

Nesse sentido, a arqueologia tem estado relacionada a um conjunto de interesses sociais e políticos da contemporaneidade, apresentando uma imagem desconectada de estar no mundo. Existe uma intervenção epistemológica específica da arqueologia que apresenta um projeto de conhecimento estabelecido por uma relação com o tempo e materialidade do passado no presente. Esse estabelecimento relacionado ao conhecimento expressa reflexões sobre o lugar do outro, na promoção de outras possibilidades de relações que incluem o imaginário de desejos, relações afetivas e pessoais que possibilitam a construção da identidade do ser no mundo.

Os processos apresentados estão implicados numa violência epistêmica que ressignifica os fenômenos sociais e os enquadra numa noção de disciplinarização a partir de um discurso, amparados por procedimentos de ordem burocrática. Shepherd (2015) apresenta três elementos dessa violência epistêmica: objetivação, supressão e alienação.

No primeiro elemento de violência epistêmica, promove-se a noção de métodos disciplinares sem referência aos fenômenos relacionados. Nessa lógica de objetivação, identifica-se uma arquitetura conceitual redutora das complexidades, interpretações históricas e formas de vida a um conjunto de categorias simples e opostas.

O segundo modo de violência epistêmica é apresentado por Shepherd (2015) como elemento de supressão, processo pelo qual os fenômenos culturais são apagados do contexto e do conjunto de relações. Neste sentido, estabelece-se um novo modo de relações no espaço- tempo que se apresentam como reais.

O terceiro elemento é a mais violenta forma de expressão no campo epistêmico: a alienação. Essa passa a ser um modo de seleção dos fenômenos e histórias locais remetidos à lógica do conhecimento universal. (SHEPHERD, 2015).

Nesse sentido, a arqueologia atua discursivamente de modo global, traduzindo as lógicas e os regimes locais, priorizando suas bases epistêmicas. Em termos práticos, opera como fonte de direito sobre as diversas formas de vida, preconizando as demandas da ciência.

O destino das gnoseologias, ontologias e epistemologias regionais na geopolítica do conhecimento são julgadas por suas complexidades. Por um ponto de vista, o processo colonial no campo epistêmico remete os sujeitos ao desconhecimento da realidade local, em serviço da produção comercial restritiva dos processos inerentes à evolução da vida social. Em outra medida, há o silenciamento dos saberes como consequência de uma fragmentação que coloca à margem outros modos de conhecimento.