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CAPÍTULO II – TRAJETÓRIAS DAS EPISTEMOLOGIAS CONTRA-HEGEMÔNICAS

2.2 AS ESPISTEMOLOGIAS CONTRA-HEGEMÔNICAS E A CRÍTICA À EDUCAÇÃO

2.2.3 A conscientização, como proposta de superação das opressões pedagógicas, no

Ao levantarmos considerações sobre o papel da educação na transformação da sociedade brasileira, é necessário recorrer às obras de Paulo Freire. Analisamos os escritos que apontam a conscientização por meio dos processos educativos. A discussão da conscientização é importante para amplitude do pensamento crítico sobre a realidade histórica dos processos políticos, econômicos e sociais, que possibilitariam a libertação das estagnações nas relações humanas pelas forças opressoras do colonialismo.

O controle da educação impõe propostas para a formação dos filhos da classe trabalhadora, historicamente reduzida ao seguimento das profissionalizações, não considerando o acesso aos conhecimentos na dimensão de sua totalidade. A disciplinarização dos saberes no caso brasileiro possui o caráter tecnicista.

A construção social na lógica colonial vislumbra a esfera econômica na formação humana a partir da reprodução de um modelo social predatório. A preconização da esfera econômica constrange a democratização do pensamento filosófico e da realidade do contexto regional passando a ser ridicularizados.

A supremacia ocidentocêntrica2 condicionam as produções cientificas, além de pouco

impactarem a realidade, sua linguagem erudita é pouco acessada. O império do conservadorismo na formação escolar é impeditivo ao desenvolvimento cognitivo da humanidade, desse modo, não constroem consciências críticas, muito menos impactam ao avanço das relações sociais. O Ipea aponta a realidade da violência no Brasil que registrou, em 2015, 59.080 homicídios, sendo 28,9 mortes a cada 100 mil habitantes. A pesquisa revela que a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras3.

As obras de Paulo Freire propõem elementos consistentes ao alcance da conscientização crítica da realidade material, tais elementos resultam do encantamento conduzindo de modo integrado e significativo os conhecimentos inacabados que não saciam a incompletude humana, despertando nos educandos o desejo de encontro com os saberes.

O conhecimento integrado e não parcializado é mais compreensível, pois o ato de conhecer não é dado pela opressão, muito menos pela tortura da imposição, porque são fatores impeditivos dos processos educativos quando se encontram com práticas que supõem violência, simbólica e/ou psicológica, castradora das capacidades cognoscíveis dos indivíduos, que

2 Ocidentocentrismo trata-se da supremacia epistemológica da hegemonia europeia e norte-americana. 3 http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=30253

tomam pavor pelos estudos, negando e rejeitando todos os esforços da humanidade de avançar nas diversas áreas do conhecimento. Podemos refletir essas considerações em Marx (1985, p. 134), na Miséria da Filosofia, destacando que “[...] o que caracteriza a divisão do trabalho no interior da sociedade moderna é o fato de ela engendrar as especialidades, as especializações, e com elas, o idiotismo do ofício”.

Freire não refere em sua obra o conceito do materialismo dialético histórico, assim como em Marx não encontramos definição direta sobre o materialismo histórico, mas apontamento das dinâmicas das relações entre infraestrutura econômica e superestrutura ideológica esboçadas no Manifesto Comunista, que indicam as mudanças materiais a partir das transformações ideológicas. A ideologia pode ser constituída de uma força material e ideologicamente adequada ao antagonismo das classes, por meio de seus interesses.

Apesar de ser considerado metafísico, e ter sua obra criticada, Freire era um leitor de Marx e, assim como ele, não apresentou um pensamento da concepção materialista histórico- dialética, como pensamento determinista. Nesse caso, o caráter quase religioso da ortodoxia marxista pode ser substituído por modificações que reconduzem a uma visão que pode ser completada por ideais sociais e políticos com características próprias de sua época.

Essas discussões nos fazem pensar o modo como poderíamos sintetizar a conscientização, partindo do ponto de vista das subjetividades. Determinar com previsões as ações livres da consciência do homem sobre o sistema opressor seria misticismo. Acreditamos que seja impossível prever os resultados dos processos de revolução dados pela conscientização individual nas alteridades dos sujeitos coletivos.

Os novos princípios epistemológicos em Paulo Freire partem das análises sociais, numa perspectiva da teoria crítica, que dialogam com diversos métodos sobre uma realidade incompleta e inacabada, que não descarta outras possibilidades de observação das relações no mundo. Não se faz uma previsão mística da realidade, nem se utiliza a metafísica como ferramenta de análise, ao se deslocar do campo determinista, não conduzido por uma análise de caráter religioso de um posicionamento resistente ao movimento geracional, situado em tempos históricos diferentes.

Identificamos um processo dialético e dialógico como base constitutiva do pensamento de Paulo Freire, que não considera a transferência de conhecimento como uma invasão cultural, que supõe a mera manutenção do poder.

Defendendo a educação como uma situação eminentemente gnosiológica, dialógica por consequência, em que o educador-educando e educando- educador se solidarizam, problematizados, em torno do objeto cognoscível,

resulta óbvio que o ponto de partida do diálogo está na busca do conteúdo programático. (FREIRE, 2013, p. 134).

Desse modo, percebemos claramente uma análise das estruturas sociais dadas pelas condições materiais, em que emergem os antagonismos entre as classes sociais, que estão em constante processo de transformação, considerando as mudanças ao longo da história. Entretanto, no que se refere à concepção de sujeito, não se entende apenas como sujeito coletivo, mas sim um sujeito capaz de dialogar com os demais sujeitos de modo solidário, analisando as relações pensadas diante dos fenômenos naturais e culturais.

A visão gnosiológica apresentada em Paulo Freire vai de encontro com a visão materialista que não separa o sujeito das situações concretas. No entanto, Freire problematiza, por meio de uma reflexão dos conteúdos, não vistos isoladamente, mas em sua relação homem- mundo.

Podemos pensar que o processo de conscientização proposto por Paulo Freire apresenta o caminho de libertação das opressões pedagógicas de manutenção do pensamento colonial, indo ao encontro das propostas sistematizadas nos estudos pós-coloniais de desprendimento dos conhecimentos que descreveremos a seguir.