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CAPÍTULO I – O ENSINO SUPERIOR NA TRÍPLICE FRONTEIRA (ARGENTINA,

1.2 Considerações sobre o ensino superior no Brasil

A princípio, destacamos que é impossível se pensar a história da universidade no Brasil deslocada da dimensão política, presente a partir de suas bases originárias. Desde o período colonial, a presença da dimensão política era nítida pela enorme resistência por parte de portugueses e da elite brasileira, já que não consideravam necessário ter instituição de ensino superior no Brasil por haver na Europa.

O início da história do ensino superior no Brasil é marcado com a chegada da Coroa Portuguesa, ao decretar, aos 18 de fevereiro de 1808, a fundação de três escolas: a de Cirurgia e Anatomia da Bahia (hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia); a escola de Anatomia e Cirurgia do Rio de Janeiro (hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e a Academia de Guarda da Marinha, também no Rio de Janeiro. Em 1810, foi criada a Academia Real Militar, que se transformou em Escola Central, depois Escola Politécnica (atualmente Escola Nacional de Engenharia da UFRJ). Além disso, foram criados, em 1827, dois cursos de Direito, em São Paulo e em Olinda. A princípio, a Coroa Portuguesa tinha como objetivo formar profissionais para atender às demandas das bases operárias dos processos de produção, assim como atender às necessidades de formação das profissões mais elitizadas das áreas das engenharias, medicina e direito.(FAVERO, 2006)

Por meio do Decreto n° 14.343, em 1920, sob a vigência do então presidente Epitácio Pessoa, foi criada a Universidade do Rio de Janeiro (URJ). A instituição oferecia orientação profissional, concentrando-se mais no ensino do que na pesquisa, ainda semelhante ao modelo napoleônico do Império, que visava à produção de competências profissionais necessárias para a estabilidade do Estado. Na sua curta trajetória de existência, as universidades, entre os anos de 1920 e 1930, foram muito criticadas pelos professores que conheciam outras práticas pedagógicas mais avançadas em outros países.

A partir de 1930, inicia-se o crescimento da centralização política nos diversos setores sociais. Em 1931, o Ministério da Educação e Saúde Pública teve Francisco Campos como primeiro titular.

Para o Ministro, “sua finalidade transcende o exclusivo propósito do ensino, envolvendo preocupações de pura ciência e de cultura desinteressada” (CAMPOS, 1931, p. 4). No plano do discurso, caberia à Faculdade de Educação, Ciências e Letras imprimir à universidade seu “caráter propriamente universitário”, o que na prática não irá ocorrer. Analisando o Decreto nº 19.852/31, que dá nova organização à Universidade do Rio de Janeiro, observa-se que esse dispositivo é rico em pormenores sobre a citada Faculdade; contudo, não chega a ser imediatamente instalada pelo Governo Federal. Examinando-se o art. 196, verifica-se ainda que não se atribui a essa faculdade o caráter de unidade integradora dos diferentes institutos universitários, desde que sua existência não é obrigatória. (FAVERO, 2006, p. 23).

Os princípios de modernização do Brasil elitizaram o acesso ao ensino superior, direcionando a educação ao tecnicismo para a profissionalização de ampla população do Brasil. Cabe destacar que a Reforma de Campos restringiu a autonomia plena das universidades.

As tendências centralizadoras e hegemônicas se estabeleceram fortemente no Governo de Getúlio Vargas (1934), período em que foi instituída a Universidade do Estado de São Paulo (USP) por meio do Decreto n° 6.283, com o objetivo de propagar a pesquisa, o progresso da ciência, a transmissão do ensino e conhecimento ao desenvolvimento de espíritos críticos, formando especialistas em todos os segmentos culturais, científicos e congêneres. (FAVERO, 2006).

A Universidade do Distrito Federal (UDF) foi instituída por meio do Decreto n° 5.513/35. Anísio Teixeira, seu principal protagonista, possuía o intuito de operacionalizar um modelo de universidade autônomo, caracterizado pela produção de conhecimento e investigação, exigindo maior liberdade universitária. Essa proposta, entretanto, causou-lhe o afastamento da Secretaria da Educação. Como o Ministro Capanema tinha por objetivo a formação para a indústria, ele extinguiu a UDF logo após o afastamento, em 1939, pelo Decreto nº 1.063. (FAVERO, 2006).

Os estudantes, face ao estrito desenvolvimento das instituições universitárias brasileiras determinadas pelo Estado, estiveram conectados, de certo modo, com as reformas universitárias que partiram de Córdoba e foram disseminadas por toda a América Latina.

O protagonismo estudantil foi de extrema importância no período do Estado Novo. Embora tenha havido uma enorme repressão, isso não impediu a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em 1938, no 2° Congresso de Estudantes, a proposta de criação da UNE possuía um projeto de política educacional que não era alinhado ao Governo Vargas. Nessa discussão, preconizava-se a democratização das universidades, o filtro elitista que privilegiava estudantes de maior renda, diante das taxas de matrículas e exames, sem considerar suas capacidades comprovadas cientificamente. (BORTOLANZA, 2017).

Esse foi o marco histórico importantíssimo para as universidades se constituírem num modelo de exercício das liberdades do pensar e do direito à cátedra. (BORTOLANZA, 2017, p. 9). Sendo assim, era necessário o rompimento com o Estado, que propunha um modelo epistêmico fragmentado, em hegemonização restrito ao desenvolvimento da racionalidade humana, com limitação de acesso e regulação dos conteúdos produzidos pela humanidade. As restrições que constrangem as produções e a autonomia universitária sabotam o desenvolvimento econômico, científico, social e tecnológico do país.

Após a destituição do presidente Getúlio Vargas em 1945, momento do desenho da democratização de caráter liberal, inicia-se a intensa disputa entre lideranças laicas e católicas pelo controle da educação no país. Em 1946, com o Decreto n° 8.681, de 15 de março de 1946, foi criada a primeira universidade católica do Brasil, introduzindo em seus currículos a cultura e moral religiosa, atendendo preferencialmente as elites brasileiras, sob o apoio de Getúlio Vargas, que retoma a presidência em 1951. (FAVERO, 2006).

Com a transferência da capital do Brasil, do Rio de Janeiro para Brasília, foi criada em 1961 a Universidade de Brasília, que seguiu o modelo norte-americano, após o período de luta do movimento estudantil e de jovens professores na defesa do ensino público, pedidos de extinção das cátedras e a democratização do ensino superior marcado pelo elitismo.(FAVERO, 2006).

Desse modo, o processo de desenvolvimento e modernização do ensino superior no Brasil foi resultado de uma articulação ideológica que reivindicava reforma, pretendendo o desenvolvimento socioeconômico, iniciado no período da ditadura civil militar de 1964. Em meio a um rol de reformas de bases, busca-se a conquista de certa autonomia universitária frente ao Estado, com a liberação de organização de seus orçamentos próprios, assim como decisões internas de dirigentes pela via democrática. Porém, tal busca pela autonomia era ameaçada por uma estrutura interna de forte ideário colonial, contando com professores aliados ao processo de dominação catedrático. (BORTOLANZA, 2017).

Em 1968, ocorreu uma reforma universitária no Brasil que aboliu a cátedra, organizou o currículo, criou os departamentos, modificou o exame vestibular e institucionalizou a pesquisa. Entretanto,

O processo decorrente das Reformas de 1968 e dos modelos profissionalizantes que mantém raízes no sistema vigente de ensino superior, contemplam ao processo pelo qual o Governo busca atender a demanda por ensino superior por duas maneiras: pela ampliação das vagas no ensino público e pelo estímulo à expansão do setor privado (SAMPAIO, 1991). Mulgan e Albury (2003) acreditam que a inovação no setor público é

importante, pois dinamiza e torna a resposta dos serviços prestados mais rápida, além de manter um padrão de qualidade capaz de se atualizar frente a demanda da sociedade. As universidades fazem parte deste cenário e, portanto, devem constantemente estar voltadas às práticas acadêmicas e vislumbrar as tendências inovativas e auto realização pessoal e profissional dos seus alunos. (BORTOLANZA, 2017, p. 9).

Nesse sentido, após a reforma, ocorreu uma expansão considerável do setor privado, que passou a abrir faculdades em lugares onde havia grande demanda, em sua maioria, nas periferias das metrópoles. É importante destacar que o período da regência militar submeteu o sistema de educação ao processo formativo estritamente profissionalizante. A distinção da cátedra foi o marco de redução da autonomia universitária. A instituição estrutural do departamento, enquanto unidade de ensino e pesquisa, restringiu a produção de conhecimento, por meio do fortalecimento da burocratização administrativa.

Com a suspensão das atividades da União Nacional dos Estudantes (UNE), emergiram lutas estudantis marcadas por conflitos violentos contra a reforma universitária em 1968. Esse movimento foi repreendido pela criação do Ato Institucional número 5, que proibiu atos de manifestação popular. Nesse caso, é

[...] oportuno lembrar que tanto a reorganização do movimento estudantil, como a de outros grupos da sociedade civil, só irá se efetivar no final dos anos 70, com a abertura política e a promulgação da Lei da Anistia. Nas universidades públicas, após esta Lei se processa o retorno de vários professores afastados, compulsoriamente, após o AI-5. No limiar da década de 80, observa-se, da parte de significativo número de professores, a consciência de que o problema da universidade envolve não apenas aspectos técnicos, mas também um caráter marcadamente acadêmico e político, exigindo análise e tratamento específicos. (FAVERO, 2006, p. 35).

Somente a partir da Constituição de 1988, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996), houve um processo de redemocratização nos campos político, econômico, social e educacional no Brasil. Entre 1995 e 2003, referente aos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, houve uma nova reforma no ensino superior, que ocorreu em paralelo à reforma do Estado, mas sem grandes mudanças no que tange à educação superior no país.

A expressiva expansão de acesso ao ensino superior começa a ocorrer no país a partir de 2003. Surge, portanto, a democratização do acesso popular às universidades públicas e privadas, sob os pontos de vista socioeconômico e étnico. Desse modo, as leis deste período apontam para avanços da educação superior, em seu acesso e permanência, como, por exemplo, a Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, de criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) (BRASIL, 2004a). O objetivo dessa lei era criar um sistema mais complexo de avaliação,

diferente do Exame Nacional de Cursos (“Provão”), que avaliava os dados de qualidade e eficiência das unidades de ensino superior. A Lei nº 10.973 (Lei de Inovação Tecnológica), vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia, de 2 de dezembro de 2004, estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica, viabilizando o trabalho e a pesquisa científica nas universidades (BRASIL, 2004b). E a Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005, instituiu, sob a gestão do Ministério da Educação, o Programa Universidade para Todos (ProUni), destinado à concessão de bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais de 50% ou de 25% para estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos (BRASIL, 2005a).

Este programa destina bolsas de estudos para estudantes que tenham cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral, pessoas com deficiência e professores da rede pública de ensino, para os cursos de licenciatura. O estudante passa por uma pré-seleção que se dá por resultados e pelo perfil socioeconômico do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e critérios outros, definidos pelo Ministério da Educação e pela Instituição de Ensino Superior. É notável a importância do ProUni dentro do contexto universitário, criando novas oportunidades de estudo e possibilitando maior acesso ao ensino superior à população de baixa renda, de modo a proporcionar inclusão social. Destaca-se que, desde sua criação até o processo seletivo do segundo semestre de 2016, já atendeu mais de 1,9 milhão de estudantes, sendo 70% com bolsas integrais, de acordo com o MEC.

Em meio a esse contexto, surgem na América Latina novos modelos de universidade caracterizadas pela inclusão da diversidade de conhecimentos, que dialogam com as necessidades das realidades materiais específicas das suas localidades regionais. Entre elas estão: Centro Amazônico de Formação Indígena (CAF), no Brasil; a Universidade Indígena Intercultural Kawasay (UNIK), na Bolívia; a Universidade Autônoma Indígena e Intercultural (UAINN), na Colômbia; e a Universidade Intercultural das Nacionalidades e Povos Indígenas (AMAWTAY WASI – UINPI-AW), no Equador. Estas foram criadas por dirigentes e organizações indígenas. Já a Universidade das Regiões Autônomas da Costa Caribe Nicaraguense (URACCAN) surge da iniciativa de dirigentes afrodescendentes e indígenas. Na Argentina, o Centro de Investigação e formação para a Modalidade Aborígine (CIFMA) foi a primeira experiência de educação superior direcionada às comunidades indígenas de formação de professores indígenas para os quadros de educação superior.

Dentre as universidades tradicionais que promovem cursos com direcionamento aos jovens indígenas e afrodescendentes no Brasil estão a Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG), a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e, em São Paulo, a Universidade Nove de Julho (Uninove), que possui núcleo de pesquisa de análise da diversidade cultural objetivando o despertar epistemológico das racionalidades oprimidas.

Apesar de imperar a supremacia epistemológica de hegemonia da colonialidade na reprodução do controle federal que regulam as universidades brasileiras, a partir do ano de 2005, são fundadas novas instituições que apesar de serem hegemônicas sobrevoam dialogicamente com as perspectivas das epistemologias contra-hegemônicas, reforçando de modo modesto a construção identitária das comunidades inseridas em diversas realidades existentes no entorno de seus muros.

Referimo-nos às seguintes instituições: Universidade Federal da Integração Latino- Americana (Unila), o locus da presente pesquisa, criada pela Lei nº 12.189, de 12 de janeiro de 2010 (BRASIL, 2010a); Universidade Federal do ABC (UFABC), criada pela Lei nº 11.145, de 26 de julho de 2005 (BRASIL, 2005b); Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), criada pela Lei nº 12.289, de 20 de julho de 2010 (BRASIL, 2010b); Universidade Federal de Fronteira Sul (UFFS), criada pela Lei n° 12.029, de 15 de setembro de 2009 (BRASIL, 2009); Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), criada pela Lei n° 11.151, de 29 de julho de 2005 (BRASIL, 2005c); Universidade Federal do Pampa (Unipampa), criada pela Lei n° 11.640, de 11 de janeiro de 2008 (BRASIL, 2008a); Universidade Federal do Cariri (UFCA), criada pela Lei n° 12.826, de 5 de junho de 2013 (BRASIL, 2013d); Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), criada pela Lei n° 12.824, de 5 de junho de 2013 (BRASIL, 2013b), por desmembramento da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Universidade Federal do Sul da Bahia (Ufesba), criada pela Lei nº 12.818, de 5 de junho de 2013 (BRASIL, 2013a); Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), criada pela Lei nº 12.825, de 5 de junho de 2013 (BRASIL, 2013c), por desmembramento da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), criada pela Lei nº 11.153, de 29 de julho de 2005 (BRASIL, 2005d), por desmembramento da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

As universidades brasileiras, apesar de muito jovens, comparadas às instituições de outros países latino-americanos, fazem parte de um projeto global que possui mecanismos de definição do ensino superior de modo geral. Pensadas por diferentes perspectivas, as universidades brasileiras ainda são questionadas do ponto de vista estrutural e funcional. No entanto, possuem distintos modos de interpretação, pensadas a partir de diferentes perspectivas teóricas, o que torna longa sua trajetória.

A escolha da UNILA como universo da presente pesquisa, a partir das análises do diálogo epistemológico da contra-hegemonia, buscou a compreensão de emergências das novas universidades no Brasil. Entretanto, as experiências de vivência da população habitante na região de sítio da UNILA, são constantemente desafiadas por questões características dos limites trasfronteiriços. A realidade do encontro com diversos modos de existências se torna distante das paisagens da vida social no interior dos diferentes países. O circular das diversidades no cotidiano regional da tríplice fronteira, relativizam o imaginário das construções socioculturais das universidades brasileiras. Nesse sentido, reconhecemos a importância de dialogar com os principais elementos que fundamentaram o imaginário do ensino superior na Argentina e no Paraguai.