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A Arte Ingleza e as Primeiras Regras da Língua Ingleza

AS PRÁTICAS EDUCACIONAIS DO SÉCULO

4. Os professores de língua inglesa do século

4.2 Guilherme Tilbury e a sua luta pela manutenção do cargo de professor público

4.2.1 A Arte Ingleza e as Primeiras Regras da Língua Ingleza

No mesmo ano que fôra nomeado como Mestre de Língua Inglesa da Rainha de Portugal e das Augustas Princesas, Guilherme Tílbury publicou a sua Arte ingleza27,

colocando a vendagem do livro no local onde dava aulas particulares de inglês e francês, ou seja, na “Rua do Carmo, n. 122”. A análise das suas duas obras nos faz perceber que Tilbury foi um árduo defensor de compêndios simples, com poucas regras e sem os excessos e as complicações que as grandes publicações, tão comuns no século XIX, traziam. As gramáticas de Tilbury, dessa forma, estavam em conformidade com as orientações de D. João VI, que, em 1809, recomendou aos professores régios que

27 Luiz Eduardo Oliveira, em sua tese de 2006, A instituição das línguas vivas no Brasil: o caso da Língua Inglesa (1809-1890) e no seu livro Gramatização e Escolarização (2010b) analisou a trajetória do

professor Guilherme Tilbury e as duas obras destinadas ao ensino de língua inglesa publicadas pelo padre inglês, auxiliando nesta pesquisa. Em 2010, Elaine Maria Santos defendeu a dissertação As reformas

pombalinas e as gramáticas inglesas: percursos do ensino de inglês no Brasil (1759-1827), em que

podem ser encontradas algumas considerações sobre a vida de Tilbury. Em 2013, Marcle Vanessa Menezes Santana defendeu a dissertação A atividade docente como prática ilustrada: o caso dos

primeiros professores de inglês do Brasil, e citou o Padre Tilbury e a sua profissão de professor público,

relacionando-a a uma prática ilustrada do século XIX. Diante dessas pesquisas iniciais, foram possíveis maiores aprofundamentos sobre as questões que envolveram a vida de Tilbury e a trajetória enfrentada em sua luta pela manutenção do cargo de professor público, o que não havia ainda sido feito.

escrevessem suas próprias obras, primando pela simplificação de regras (BRASIL, 1891b, p. 29-30).

A sua Arte Ingleza, composta de apenas 48 páginas, era, assim, a clara representação das orientações contidas nas reformas pombalinas da instrução pública para a composição de compêndios de ensino, uma vez que Tilbury (1827), inimigo declarado de gramáticas volumosas para iniciantes, primava pela concisão e pelo pequeno número de regras gramaticais, evitando-se a inclusão, segundo o autor, de um amontoado de regras desnecessárias, que mais prejudicava do que ajudava, pois nem mesmo o professor conseguiria memorizar tantas miudezas, quase nunca empregadas. Para o padre, as gramáticas menores deveriam sempre ser as escolhidas pelos alunos, deixando-se as maiores como referência para professores apaixonados por regras gramaticais e que precisavam carregar “huma Grammatica em Folio, com todas as miudezas de Definições, e Conjugações repetidas etc. Etc. Etc.; as quaes elles por si sós não sabem explicar ao estudante” (TILBURY, 1827, p. ii).

Ao analisar o que significava a ideia de domínio de conhecimento gramatical, que Tilbury (1827) referia como sendo necessário apenas aos professores que gostavam de um amontoado de regras, Oliveira (2010b, p. 140) explicou como sendo “dominar a estrutura e terminologia da Gramática Latina, as quais poderiam ser adaptadas a qualquer Língua”, o que não era necessário ao jovem aprendiz do idioma.

A obra de Tilbury pode ser encontrada na Biblioteca Nacional, na seção de obras comuns, estando em estágio avançado de decomposição. Trata-se de uma obra rara, mas que ainda é considerada como sendo comum, sem que nenhum cuidado com sua preservação e restauração seja tomado. Além do seu repúdio a gramáticas mais complexas, Tilbury se mostrou preocupado com o modo pelo qual os alunos seriam preparados para algumas profissões, com destaque para o comércio, “em que a Nação Ingleza tem indisputavel primazia” (TILBURY, 1827, p. ii-iv), o que justificava todo o esforço para o aprendizado do inglês, reafirmando a finalidade comercial, presente nos compêndios destinados ao ensino de inglês a portugueses e brasileiros, conforme análise feita por Santos (2010), sobre as gramáticas do século XVIII, em especial a Grammatica anglo-lusitanica e lusitano-anglica, de J. Castro, publicada, inicialmente, em 1731.

Tilbury também se colocou como uma voz em defesa do ensino do inglês e contra o domínio francês e a soberba francesa frente ao grande destaque que a França conquistava, servindo como modelo educacional e como fonte inesgotável de escritos a

serem seguidos. Esta preocupação nos permite inferir que havia uma maior predisposição para o estudo do francês, o que, muito provavelmente, fez com que Tilbury (1827) buscasse esse convencimento no prefácio de sua ora. Não se trata, assim, apenas de um livro destinado ao ensino da língua inglesa, mas, também, de uma ode contra a supremacia francesa e a favor da disseminação do ensino do inglês como língua estrangeira.

Na nota introdutória de sua Arte Ingleza, o padre inglês exaltou a Literatura Inglesa, considerada por ele como sendo a única voz capaz de fazer com que sejamos capazes de distinguir a verdadeira liberdade social, do desenfreado liberalismo do século, proposto pela França. Ao se referir à língua inglesa, o autor destacou que

ao Philosopho Moralista e aos homens Facultativos ella [a Língua Inglesa] offerece Thesouros preciosissimos; e o Theologo mesmo, nas obras de hum Leland, de um Lardner e de hum Paley achará argumentos irrefráveis, e os melhores antitodos contra a ímpia Philosophia Franceza, que já entre nós tem ameaçado ao Altar e ao Throno (TILBURY, 1827, p. ii, iv).

Assim, Tilbury apresentou uma preocupação em valorizar o Inglês e se opor à rápida difusão da língua francesa em terras brasileiras e contra a hegemonia francesa, no que se refere à disseminação de costumes e valores e a acentuada idolatria do francês. Entre os vários argumentos utlizados, o padre chegou a insinuar que nem mesmo os autores franceses lidos eram os grandes escritores da época, e assim, esse apego à língua francesa era desproporcional, o que poderia ser sanado quando os olhos da nação brasileira se voltassem também para o estudo do inglês (TILBURY, 1827, p. ii).

É notório o despertar por um sentimento de defesa da profissão de professor de inglês na sua Arte, de modo que, diante do cenário apresentado, para assegurar esse campo de trabalho, era melhor tentar conquistar o mesmo espaço que o francês já havia dominado, para que o inglês pudesse também ser valorizado.

Em 1844, Tilbury publicou um outro compêndio para o ensino de língua inglesa, intitulado Primeiras Regras da Língua Ingleza, tirada dos melhores authores, e adaptadas ao uso da mocidade brasileira, seguindo o mesmo estilo do compêndio anterior e primando pelo trabalho gramatical feito com regras simples, desta vez dispostas em apenas 30 páginas.

Facil seria amplificar esta artinha, mas então ficaria baldado meu intento, que era, facilitar e abreviar os primeiros passos no estudo desta Lingua. Com esta arte e hum Dicionario, qualquer que entende do seu uso, facilmente chegará a traduzir o Inglez sem precisar de Mestre, e para quem quizer maiores conhecimentos Grammaticaes, não faltão no Rio de Janeiro obras mais extensas (TILBURY, 1844, p. 30).

Na folha de rosto da Arte Ingleza, Tilbury reforçou a sua atividade como “Mestre de Inglez de S. I. D. Pedro Primeiro; de S. M. F. D. Maria Segunda, das SS. PP. Imperiaes e Profesor Regio Jubilado” (TILBURY, 1844, p.ii). Este jubilamento significou um capítulo de luta intensa na vida do padre britânico, que passou vinte e um anos entre processos na Câmara dos Deputados e no Senado (1840 a 1861), para que seu emprego pudesse ser recuperado e todos os ordenados devidos pagos, como forma de recompensa pelas injustiças passadas.

Figura 3: Folha de rosto da Arte Ingleza Fonte: TILBURY, 1827

Por considerar a pronúncia como sendo a parte mais difícil para o aluno, já que são muitos os casos e exceções, a Arte Ingleza foi escrita tendo, como objetivo, trabalhar bem a pronúncia, em um primeiro momento, mas somente utilizando as regras básicas e mais necessárias, segundo a sua concepção. Foram colocados, dessa forma, os sons das letras e das combinações mais comuns destas, utilizando o português como comparação, sempre que necessário. Assim, por exemplo, ao apresentar o som da letra “b”, incialmente, o autor destacou ser seu som idêntico ao do português, e somente após essa comparação incial, Tilbury (1827, p. 1) tratou das regras mais comuns: é mudo no fim de palavras, depois da letra M e antes da letra T, tendo, como exemplos, comb e debt.

A comparação com as regras da língua portuguesa é constante em todas as partes do compêndio, estando a obra repleta de notas explicativas que diferenciam as pronúncias e usos nas duas línguas: português e inglês. O uso do português também estava presente nas listas de palavras, sejam elas, por exemplo, de verbos, numerais, advérbios ou adjetivos. Assim, as palavras eram dispostas em colunas, para contemplar os dois idiomas aqui destacados.

Em última análise, posso afirmar que a concisão e a simplificação de regras foram percebidas em toda extensão da gramática e, apesar de bastante reduzida, e conter apenas 48 páginas, a ortografia, prosódia, etimologia e sintaxe foram trabalhadas, sempre a partir de um número pequeno de explicações e exemplos, escolhidos de tal forma que não dificultasse o entendimento dos alunos. A estruturação da gramática de Tilbury seguiu os modelos já conhecidos e difundidos desde o século XVI.

4.2.2 Jubilamento, restituição do cargo e pagamento dos ordenados