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Jubilamento, restituição do cargo e pagamento dos ordenados devidos

AS PRÁTICAS EDUCACIONAIS DO SÉCULO

4. Os professores de língua inglesa do século

4.2 Guilherme Tilbury e a sua luta pela manutenção do cargo de professor público

4.2.2 Jubilamento, restituição do cargo e pagamento dos ordenados devidos

Após ter sido nomeado professor público, com a carta régia de 21 de maio de 1821, William Paul Tilbury foi suspenso de suas atribuições em 9 de julho de 1831, por deliberação da corte, reassumindo as suas funções de Professor de Língua Inglesa do Rio de Janeiro em 1848. Desde sua saída, tem-se uma verdadeira luta para a recuperação do seu cargo e das remunerações devidas, sob a alegação de ter sido sua destituição arbitrária e injusta. Interessante observar que o ano de sua saída coincide com o da abdicação do seu amigo e companheiro D. Pedro I, o que já sinalizava uma possível revanche por desavença à regência de D. Pedro II. Interessante, também,

observar que, em 26 de março de 1832, José Bonifácio nomeou o também Inglês Nathanael Lucas para substituir Tilbury no seu cargo de professor público, sabendo-se que o até então integrante da Comissão de Liquidação das Presas Inglesas havia se oferecido para ensinar a língua inglesa na corte (BRASIL, 1976).

A busca pela recuperação dos seus direitos levou Tilbury a uma briga na câmara dos deputados e no senado que se iniciou em 1840 e só foi finalizada em 1861, com a autorização do pagamento dos salários não recebidos. Os nove anos transcorridos do jubilamento até a entrada com o processo causam estranheza, uma vez que, mesmo tendo recuperado o cargo, Tilbury continuou sua luta pela reparação dos danos sofridos, o que prova que não foi a falta de determinação que o impediu de abrir processo imediato. Talvez a tristeza e inconformismo pela injustiça, a constatação de cenário inalterado e a manutenção de desafetos no poder tenham tido alguma influência nessa demora em se buscar justiça.

Tilbury era conhecido por defender os pensamentos do ultramontanismo, por intermédio dos quais buscava-se o combate à maçonaria e a defesa da ordem papal, o que não era visto com bons olhos no Brasil. Juntamente com Luís Gonçalves dos Santos (o padre Perereca – 1767-1844), Tilbury era visto como ultramontino radical, entrando em atrito constante com o Padre Feijó pela liberação do casamento de padres (COSTA, 2009). Esse combate frontal com Diogo António Feijó (1784-1843) pode explicar o porquê da destituição de Tilbury do cargo de Professor público, uma vez que, após análise dos anais do Senado e da Câmara de Deputados, o caráter político desta ação se tornou evidente.

Os relatos dos anais do Senado de junho de 1840 retrataram as discussões levantadas sobre o requerimento feito, naquele ano, por Guilherme Tilbury, para a recuperação do seu cargo de professor público. No dia 01 de junho de 1840, o ministro do império apresentou as informações solicitadas para o andamento do processo, mas o parecer da comissão de instrução pública indeferiu o requerimento feito, aprovando as contas relativas à tutoria do Imperador e de suas augustas irmãs, referentes ao período de 1° de abril de 1835 a 31 de março de 1839, o que comprova a continuidade de relações de Tilbury com o imperador e o seu cargo de Mestre de inglês da família real (BRASIL, 1978, p. 46-47).

O relatório da instrução pública é trazido novamente à discussão no dia 22 de junho, pelo Senador José Saturnino da Costa Pereira (1771-1852), inconformado com a decisão do senado, por considerar que aquele era o local apropriado para reverter

qualquer injustiça reclamada pelos cidadãos que moravam no Brasil, levando-se em consideração que o corpo legislativo “é o executor da Constituição, e a quem, por conseqüência, compete sua interpretação, ao menos doutrinal”. O senador relatou ser conhecimento de todos que muitas injustiças cometidas pelo governo imperial foram confirmadas e que se outros cidadãos recuperaram perdas injustas de emprego, porque não poderia acontecer a mesma coisa com o requerente, já que a única resposta dada pelo governo havia sido apenas a data da demissão, sem nenhuma justificativa ou esclarecimento sobre o porquê do seu desligamento. A arbitrariedade da destituição do cargo por questões políticas é trazida à tona pelo Senador Saturnino, ao afirmar que “na época em que o padre Tilbury foi demitido, muito mais demissões se deram por motivos de opiniões, e que hoje se tem reconhecido, pela grande maioria da Nação, que tais opiniões não foram jamais antinacionais” (BRASIL, 1978, p. 46-174-175).

O discurso de Saturnino foi contestado por outros senadores, como o Sr. José Bento Leite Ferreira de Mello (1785-1844), sob a alegação de que as atribuições de outros poderes não poderiam sofrer interferência, e que se a regência demitiu o recorrente, sabia o que estava fazendo. Ademais, o fato de Tilbury ter esperado até 1840 para solicitar o seu emprego de volta causou, segundo o senador, uma estranheza ou, até mesmo, um conformismo respaldado em um possível reconhecimento de culpa (Idem, p. 177).

Ao rebater o discurso do seu colega, o Sr. Saturnino relembrou que o cargo de professor público era vitalício, e seu ocupante só poderia ter sido destituído por processo julgado, caso contrário, somente suspensões poderiam ser dadas. Para o parlamentar, não havia dúvidas de arbitrariedade na ação, uma vez que nem uma simples linha de justificativa foi fornecida ao senado (Idem, p. 178). Apesar da tentativa do Senador em reverter o parecer dado sobre o indeferimento da solicitação do Pe. Guilherme Tilbury, o parecer foi aprovado, não tendo sido permitida a reintegração do suplicante ao seu cargo original, com a ressalva de que só o governo imperial poderia restituir algo que fora anteriormente retirado, o que aconteceu mediante ato do governo imperial de 27 de fevereiro de 1848 (BRASIL, 1875d, p. 229).

Após a recuperação do seu emprego, a luta de Tilbury continuou, com o objetivo de ter os ordenados referentes ao período em que ficou afastado da função pagos pelos cofres públicos. Assim, nos anais da câmara dos deputados de 27 de agosto de 1855, ficou explicitado que, ao ser analisada a demissão do Padre Guilherme Tilbury como tendo sido procedente de portaria do ministério dos negócios do império, em

decorrência de “uma injustiça e uma violação de lei e de seus direitos”, foi solicitada a restituição do ordenado devido durante todo o tempo que ficou afastado do seu cargo, sendo necessário que o governo imperial fornecesse informações adicionais para sanar possíveis dúvidas antes de que qualquer parecer pudesse ser dado (BRASIL, 1875d, p. 229).

Após longos debates parlamentares, a sessão ordinária do dia 04 de setembro de 1860 aprovou, em terceira discussão, a autorização necessária para que todos os ordenados correspondentes ao tempo em que ficou privado do exercício da cadeira de língua inglesa fossem pagos, devendo esta autorização subir para a sanção imperial, para providências. Tilbury deveria receber 400$000 por ano de privação de recebimento de proventos, devendo o cálculo ser feito de 29 de julho de 1831 a 27 de fevereiro de 1848 (BRASIL, 1860, p. 282). A oficialização enviada ao imperador para pagamento dos ordenados devidos à Tilbury só foi despachada quase oito meses após a sua deliberação, na sessão de 7 de maio de 1861, sob a presidência do Sr. Visconde de Camaragibe (1806-1875), havendo o retorno do imperador sido publicado na sessão de 11 de maio do mesmo ano, por ofício enviado pelo ministério dos negócios do império ao Senado, informando que o S. M. Imperador declarava consentir e autorizar o governo a satisfazer a Guilherme Tilbury todo o ordenado devido ao tempo em que esteve privado do exercício da cadeira de inglês (BRASIL, 1861e, p. 239, 282).