• Nenhum resultado encontrado

5.4 Astrologia ou Astromancia

5.4.1 A Astrologia na obra de van Roomen

Desse modo, a astrologia praticada no tempo de van Roomen, é uma prática comum nas diversas camadas da sociedade. Os indivíduos daquele período, “homens na defensiva face a um mundo que o penetra de todos os lados”, buscavam entender as adversidades e as possibilidades de mudança em qualquer aspecto de suas vidas, as forças mágicas da natureza, a infuência dos corpos celestes, atravès dos quais os seres divinos mostravam sua concordância ou discordância das atitudes mundanas. A astrologia ocupava naquele tempo uma cadeira junto às demais ciências, pois tinha o poder de explicar fenômenos da natureza, objetivo de outras ciências. Durante os séculos XVI e XVII inúmeras obras astrológicas (lunários, almanaques, cronologias, repertórios, tábuas de cosmógrafos e médicos) foram publicadas e, mesmo como as críticas e restrições impostas principalente no reinado de Filipe II, a astrologia não perdeu seu espaço, somente entrando em declínio no final do século XVII (BETHENCOURT, 1981, pp. 47-48).

Van Roomen não entra em detalhes sobre a história da astrologia em sua Universae

Mathesis Idea e Mathesis Polemica, dedicando o décimo capítulo dessas obras

exclusivamente para explicar as ideias gerais da astrologia ou astromancia, ciência que “considera as propriedades naturais das estrelas e das configurações celestes, e dai evoca as mutações das coisas colocadas abaixo”149. Neste trecho, o autor quer nos informar que as mudanças que ocorrem nos corpos terrestres são causadas pelas propriedades e configurações dos corpos celestes (VAN ROOMEN, 1605, p. 47, tradução nossa).

A astrologia pode ser concebida como “filha de duas ciências”150: (i) da física, pois é necessário conhecer a inclinação e o estado do movimento, ou seja, saber é preciso conhecer que tipo e quais as propriedades de movimentos são inerentes aos corpos celestes; (ii) e da astronomia, por causa do movimento, do progresso e da disposição dos astros como agentes, ou seja, é preciso saber como e quando os corpos celestes estarão dispostos de tal maneira e como tal disposição pode interferir nos corpos presentes na região sublunar (VAN ROOMEN, 1605, p. 47, tradução nossa).

“A astrologia pode ser concebida dupla: a geral ou universal ou meteorológica que de acordo com Ptolomeu, o prognóstico universal (

) traz aquelas coisas que para muitos são comuns pela razão das circunstâncias comuns; a astrologia genethliaca ou é aquela que versa unicamente sobre as condições das coisas privadas”151 (VAN

149 “...stellarum & configurationum coelestium naturales proprietates considerat, ac inde subiectarum rerum mutationes

elicit”.

150 “...duarum scientiarum filia...”.

151 “Astrologia duplex potest statui: Generalis sive universalis siue Meteorologica, Ptolomaeo προγνοςικὃμ καθολικὃμ

haec tradit ea quae pluribus sunt communia ratione circumstatiarum communium. & Genethliaca sive γετεθλιαλὄγικα quae circa privatorum conditiones omnino versatur”.

ϭϯϱ

5. AS MATEMÁTICAS MISTAS I

ROOMEN, 1602, pp. 47-48, tradução nossa).

Van Roomen afirma que esta distinção é feita a partir da diversidade do sujeito que sofre as ações, pois, podem sofrer uma determinada ação toda uma sociedade, ou nação, ou estado, ou cidade, etc., assim como uma única pessoa (VAN ROOMEN, 1605, pp. 47-48). Deste modo, entendemos que a astrologia meteorológica ou geral considera aquelas mudanças que podem afetar diversos sujeitos ao mesmo tempo, como por exemplo, os estudos da astrologia para prever o melhor tempo para plantar, ou fazer uma colheita, ou para iniciar uma guerra, etc. Por outro lado, a astrologia genethliaca é aquela que trata de um único sujeito, ou seja, as atividades adivinhatórias que eram realizadas a partir do mapa astral de uma determinada pessoa.

Na astrologia meteorológica são considerados os significantes – o céu e o ar – e os significados – que são os elementos e a mistura deles e as criaturas vivas (animália). Os significantes são os objetos celestes que possuem a propriedade de interferir no mundo terrestre. Van Roomen inclui o ar como significante por ser um dos elementos com pouca densidade servindo de elo entre os corpos celestes e o ambiente sublunar. Os significados são as propriedades que os elementos terrestres tomam ao sofrer as interferências dos significantes (VAN ROOMEN, 1605, p. 49).

Van Roomen mostra que no céu existem três gêneros que os significantes podem adquirir, ou seja, são as três configurações mais importantes que interferem no mundo terrestre.

1. O ingresso do Sol no primeiro ponto de Áries; 2. As grandes conjunções dos planetas;

3. Os eclipses do Sol e da Lua (VAN ROOMEN, 1605, p. 49).

Segundo van Roomen, no ar são considerados significantes o movimento e os acidentes dos cometas.

Os significados que cada um dos elementos podem tomar são os seguintes: (i) qualidades relativas ao ar: a agitação, o frio, a secura, as chuvas e a neve, e o estado e as mutações de cada uma destas qualidades; (ii) relativas à agua: as inundações e os naufrágios; (iii) relativas à terra: a fertilidade, a esterilidade e o movimento da terra (VAN ROOMEN, 1605, pp. 48-49). Van Roomen não cita às qualidades referentes ao fogo, porém sabemos que tal elemento era considerado responsável por causar os arco-íris, as estrelas cadentes e os cometas no ar, ou seja, estes não eram considerados eventos celestes e sim terrestres, pois ocorriam abaixo da esfera da Lua (CARVALHO, 2011, p. 11).

ϭϯϲ ACLASSIFICAÇÃO DAS DISCIPLINAS MATEMÁTICAS E A MATHESIS UNIVERSALIS NOS SÉCULOS XVI E XVII associados “ao movimento dos membros da república”.

“Na astrologia genethliaca, todos os significantes costumam ser tomados a partir do céu para a constituição do tempo de nascimento.

Tais geralmente são oito:

1. O tempo de concepção do nascido. 2. A demora do feto no útero.

3. O momento de nascimento, para o qual a posição do céu é requerida. 4. A direção dos significados para os promissores.

5. As revoluções anuais.

6. O ingresso do Sol no ponto do ano que aconteceu o tempo do nascimento. 7. O trânsito dos planetas.

8. Os eclipses dos luminares.

Todos os significados para o nascido devem ser referidos às coisas boas tanto do corpo, como da alma, como da riqueza”152 (VAN ROOMEN, 1605, pp. 49-

50, tradução nossa).

Segundo van Roomen, as coisas boas do corpo estão ligadas ao temperamento, como o vigor, a debilidade, a agilidade, o torpor, a sanidade, a doença, a abundância de humores, o enfraquecimento, a duração da vita (vitae quantitas) ou o tempo da morte. As coisas boas para a alma são a vivacidade ou o enfado da alma, os estudos, as ocupações e as peregrinações, o afeto e a ira, a tristeza e a alegria, também os costumes e os vícios, como a honestidade, a desonestidade, a piedade, a impiedade, a justiça, a injustiça, a humanidade e a desumanidade. Finalmente, as coisas boas da riqueza sãoaquelas relacionadas à família, como os pais, os irmãos, o cônjuge e os filhos (liberi). Também as honras, a nobreza, a obscuridade, a notabilidade, a inutilidade, a potência, o desprezo, o reino, o império, os ofícios, a dignidade, os meios necessárioa para a vida como a riqueza, a pobreza, a mendicância. Van Roomen coloca no final da lista os amigos e os inimigos (VAN ROOMEN, 1605, pp. 50-51).

A astrologia possui princípios próprios e alguns são tomados da astronomia.

Van Roomen finaliza o capítulo afirmando que a astrologia é útil na atividade bélica, pois ela prevê as tempestades e chuvas, além do tempo oportuno para que a força seja empregada, ou seja, o momento certo em que se deve atacaro inimigo (VAN ROOMEN, 1605, p. 51).

152 “In genethliaca Astrologia significantia omnia ex coeli ad tempus natiuitatis constitutione, dessumi solent.

Talia sunt ferè octo. 1. Tempus conceptionis nati 2. Mora foetus in utero

3. Nativitatis momentum, ad quod coeli reliquiritur positio. 4. Directiones significatorum ad promissores

5. Annuae revolutiones

6. Ingressus annui Solis in punctum quo fuit tempore nativitatis 7. Transitus Planetarum

ϭϯϳ

6. AS MATEMÁTICAS MISTAS II

Neste capítulo descrevo as disciplinas matemáticas mistas que tem como objeto de estudo as coisas corruptíveis: a geodesia, a música, a óptica ou perspectiva e a euthymetria.