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A geometria, segundo van Roomen, é a ciência de medir e recebe este nome devido ao termo grego ω que significa a dimensão ou a medida da Terra.

Os objetos de estudo da geometria são as três magnitudes ou grandezas geométricas: linhas, superfícies e corpos, sendo que o princípio de tais grandezas é o ponto.

A finalidade da geometria é elucidar as propriedades dessas magnitudes como, por exemplo, “a igualdade, a desigualdade, a simetria, a razão, a congruência, o paralelismo, a seção, a ortogonalidade, a inclinação, etc.”121 (VAN ROOMEN, 1605, p. 23, tradução nossa).

Além de seus próprios princípios, toma também os princípios da prima mathesis e da aritmética. Van Roomen afirma também que nos três primeiros livros dos Elementos de Euclides são mostrados vários princípios úteis à geometria e comuns a aritmética os quais também podem ser observados na prima mathesis.

A geometria “obtém o próximo lugar no conhecimento depois da aritmética. Pois, a aritmética, por sua perfeição, não necessita de nenhum poder da geometria, mas a geometria em muitas coisas requer o subsídio dos números”122 (VAN ROOMEN, 1605, p. 24, tradução nossa).

endorsing the practical way in which mathematical practioners were solving the dificulty of numerically handling geometrical magnitudes, a dificulty that did not have as yet a full, satisfactory solution”.

120 “Principia habet tum própria, tum ex Prima Mathesi desumpta”.

121 “...Aequalitas, Inaequalitas, Symmetria, ratio, congruitas, parallelismus, sectio, orthogonalitas, inclinatio &c.”. 122 “Proximum in Mathesi locum post Arithmeticam obtinet.

Nam Arithmetica ad sui perfectionem, nulla ope indiget Geometriae, at verò Geometria in pluribus subsidium requirit numerorum...”.

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4. AS MATEMÁTICAS PURAS

A geometria pode ser usada amplamente em outras ciências matemática, o que van Roomen mostrará posteriormente em diversos capítulos de sua obra como, por exemplo, na astronomia, na geodesia, na perspectiva e na euthymetria.

Ainda com relação ao uso da geometria, van Roomen cita um trecho de Clavius que não sabemos a qual obra pertence. Neste trecho o jesuíta mostra diversos usos da geometria como o cálculo da latitude e da longitude, da altura e da profundidade dos campos e dos montes, a dimensão e a divisão das ilhas, a observação dos céus pelos instrumentos, etc (VAN ROOMEN, 1602, pp. 24-25).

Segundo van Roomen, os cultuadores da geometria a entendem como uma divindade celeste servindo de autoridade e de doutrina aos homens. Sobre isso, o autor cita Platão dizendo: “Deus sempre se ocupa das dimensões geométricas”123 (VAN ROOMEN, 1605, p. 25, tradução nossa). O trecho é atribuído a Platão por Plutarco (c. 46 d.C.-120 d.C.) em sua obra Symposiaca ou Quaestiones conviviales que atualmente ficou mais conhecida como Moral. A citação está na questão 2 do livro VIII intitulada “O que significa quando Platão diz que Deus sempre geometriza?”

A geometria é dividida em duas partes primárias: a primeira trata das coisas planas a qual toma o nome próprio de geometria; a segunda aborda as coisas sólidas e é frequentemente chamada de estereometria. Segundo o autor, a geometria propõe também que as coisas planas sejam comparadas entre si (VAN ROOMEN, 1605, p. 25).

O autor finaliza o capítulo afirmando que a geometria é frequentemente considerada dificílima pelos homens comuns e isto ocorre por diversos motivos, porém as principais causas seriam que as pessoas não estão satisfatoriamente aptas para lidar com o método e se confundem com a ordem.

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5. AS MATEMÁTICAS MISTAS I

Após o conjunto das matemáticas puras, van Roomen passa a descrever as matemáticas mistas. Tais disciplinas são divididas em dois subgrupos de acordo como o objeto de estudo delas. Por isso, dedicarei dois capítulos deste trabalho para abordá-las: neste capítulo tratarei do primeiro grupo de disciplinas, as ciências que têm como objeto de estudo os corpos celestes, incorruptíveis e eternos; e, no capítulo seguinte, aquelas ciências que tratam das coisas terrestres e corruptíveis.

Para entender qual a diferença entre um objeto corruptível e um incorruptível, devemos nos adentrar na filosofia aristotélica e apreender alguns de seus termos. A corrupção, “segundo Aristóteles, constitui, juntamente com o seu oposto, a geração, a atualidade de uma das quatro espécies de movimento, mais especificamente do movimento substancial, em virtude do qual a substância se gera ou se destrói” (ABBAGNANO, 2007, p. 214). Nas palavras de Aristóteles (Física, V, 224b 35-225a 19):

“A mudança por contradição que vai de um não-sujeito a um sujeito é uma geração, sendo uma geração absoluta quando a mudança é absoluta e particular quando a mudança é particular: por exemplo, uma mudança do não- branco para o branco é uma geração particular; enquanto que a mudança de um absoluto não-ser para uma substância é uma geração absoluta, pelo que, neste caso dizemos que uma coisa foi gerada de uma maneira absoluta e não particular.

A mudança que vai de um sujeito a um não-sujeito é uma destruição, que será absoluta quando passa de uma substância para um não-ser e particular quando vai até a negação oposta, da mesma maneira que no caso da geração” (ARISTÓTELES, 1995, pp. 173-174).

Desse modo, corrupção (que também significa destruição) e geração (gênese) fazem parte de um tipo específico de movimento em Aristóteles, o movimento substancial. Movimento é algo que está diretamente ligado aos conceitos de potência e ato. Tais palavras são utilizadas por Aristóteles para designar as mudanças que podem ocorrer em um determinado “ser” que tenha a potencialidade de “ser algo” e mude para o ato de “sê- lo”. Deste modo, consideramos uma mudança naquilo que possui inicialmente uma propriedade ou um estado e que tenha a possibilidede de mudar para outra propriedade ou para outro estado. A propriedade posterior é o ato de uma potência prévia (ABBAGNANO, 2007, p. 686).

Além do movimento substancial, na teoria aristotélica, encontram-se outros três tipos de movimentos: o qualitativo (também chamado de alteração); o quantitativo

ϭϭϰ ACLASSIFICAÇÃO DAS DISCIPLINAS MATEMÁTICAS E A MATHESIS UNIVERSALIS NOS SÉCULOS XVI E XVII

(relacionado ao aumento e à diminuição); e o de translação (também chamado movimento local).

Outra coisa que deve ser levada em consideração é que, na filosofia aristotélica, abaixo do orbe da Lua estão presentes os quatro elementos constituintes dos corpos terrestres: ar, fogo, água e terra.

“Na esfera mais interna, a Terra, estava sob domínio dos quatro elementos. O mais denso era a terra, colocado em todo o centro do mundo e compunha o solo, as rochas e as montanhas – todas as partes densas e imóveis do mundo. A água vem em seguida, circundando a terra com os rios, lagos e oceanos. Em cima da terra e da água, existe o ar, se manifestando através dos ventos e da atmosfera e sobre todos os elementos estava o fogo, o mais sutil de todos, ocupando o exterior da esfera da Terra, e gerando fenômenos como os arco-íris, as estrelas cadentes e os cometas” (CARVALHO, 2011, p. 11).

Estes elementos e seus constituintes são passíveis de corrupção, ou seja, podem “destruir” sua forma e passar para outra. Esta possibilidade não é possível às esferas celestes, pois elas são formadas por um quinto elemento, incorruptível, que durante a Idade Média foi denominado éter.

“Acima e circulando a Terra estão as esferas concêntricas dos planetas, arranjadas de acordo com suas velocidade relativas e proximidades à Terra. A primeira, mais próxima da Terra, era ocupada pela Lua, a mais rápida dos corpos celestes. As outras esferas, concentricamente ordenadas eram a segunda de Mercúrio; a terceira, de Vênus; a quarta, do Sol; a quinta, de Marte; a sexta, de Júpiter; e finalmente a sétima de Saturno, a mais lenta e o planeta mais distante.

Circulando as sete esferas dos planetas existe a esfera das estrelas fixas. Esta era imutável (fixa) em sua posição relativa a cada uma das outras e constratava com o movimento errante eterno dos planetas, do Sol e da Lua. A última era a nona esfera, emcorporando todas as outras e contendo o Zodíaco. Esta esfera foi colocada em movimento pelo primum mobile, o impulso primordial que põe o mundo em movimento. Ao redor das eferas, e circulando elas existe a esfera celestial, onde os anjos e Deus habitam” (CARVALHO, 2011, pp. 11-12). O próprio van Roomen, em sua Ouranographia sive Caeli Descriptio de 1591 comenta sobre a ordem e o número das esferas celestes de acordo com a velocidade e outras propriedades de seus movimentos. Tais corpos são incorruptíveis e perfeitos. A eles compete somente o movimento circular, perfeito, eterno, sem começo nem fim e que não aumenta nem diminui de velocidade. Este movimento é denominado movimento local. Todos os demais tipos de movimentos ocorrem somente com os corpos que estão nos sublunares.

As disciplinas matemáticas que abordarei neste capítulo são as ciências que têm como objeto de estudo os corpos celestes: a astronomia e a uranografia, a cronologia ou cronometria, a cosmografia, a geografia e disciplinas afins e a astrologia ou astromancia.

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5. AS MATEMÁTICAS MISTAS I

Gary I. Brown (1991) escreve sobre o uso do termo “matemáticas mistas” durante os séculos XVII a XIX. Ele afirma que Francis Bacon foi o primeiro a utilizar este termo nas obras Of the Proficience and Advancement of Learnings de 1605 e De Dignitate et

Augmentis Scientiarum de 1623 e que durante o século XVII não foi largamente utilizado.

Não pretendo traçar a história do uso deste termo, porém é sabido que o uso deste termo não começa com Francis Bacon, pois já era utilizado no século XVI, assim como permaneceu em uso no século XVII.

O termo “matemáticas mistas” está associado às “ciências compostas” de Aristóteles. Tais ciências, embora tenham atributos físicos, elas devem estar subordinadas às “matemáticas”, pois têm também atributos matemáticos que devem ser invetigados.

“Para Aristóteles, os “mais físicos” dos ramos da matemática inclui a óptica, a harmônica e a astronomia. A geometria investiga as “linhas físicas, mas não enquanto físicas”, enquanto a óptica, a harmônica e a astronomia investigam “as linhas matemáticas enquanto físicas, não enquanto matemáticas””124

(BROWN, 1991, pp. 81-82, tradução nossa).

A árvore do conhecimento de Bacon mostra uma situação interessante para as matemáticas, pois na perspectiva dele, tanto as matemáticas puras quanto as mistas partem do ramo da metafisica (Figura 5.1).

Bacon entendia que a metafísica estava intimamente relacionada à natureza das coisas, e neste ramo estariam as ciências relacionadas às quantidades, não as quantidades indefinidas – como o objeto da mathesis universalis – mas as quantidades determinadas e proporcionais. Neste caso, o termo quantidade foi utilizado tanto para números (objeto de estudo da aritmética) e figuras (geometria), como para outras quantidades separadas da matéria e dos axiomas da filosofia natural. As matemáticas puras por si só já eram consideradas separadas da matéria e dos axiomas da filosofia natural, porém as

124 “For Aristotle the ‘more physical’ of the branches of mathematics included optics, harmonics, and astronomy.

Geometry investigated ‘physical lines, but not qua physical,’ while optics, harmonics, and astronomy invetigated ‘mathematical lines qua physical, not qua mathematical’”.

Figura 5.1: Classificação das ciências de Francis Bacon (Figura baseada em Brown, 1991).

ϭϭϲ ACLASSIFICAÇÃO DAS DISCIPLINAS MATEMÁTICAS E A MATHESIS UNIVERSALIS NOS SÉCULOS XVI E XVII

matemáticas mistas consideravam alguns axiomas e partes da filosofia natural. Na perspectiva de Bacon, as matemáticas servem para explicar a natureza embora tenham que separá-la da matéria (BROWN, 1991, p. 83).