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4.2 A Mathesis Universalis numa Perspectiva Histórica

4.2.2 Os Comentadores Medievais

Segundo Sasaki, os medievais possuíam as seguintes traduções da Metafísica: “(1) James (Jacobus), o veneziano-grego: talvez Metafísica I-IV. 2, comumente chamada Metafísica ‘vetustíssima’, no começo do século XII; (2) uma sistemática revisão dos livros I-III. 3 da versão de James, feita antes de 1236 e usualmente chamada ‘composita’ ou ‘vetus’; (3) uma tradução anônima do século XII a partir do grego: livros IV-X, XII-XIV e talvez uma revisão dos livros I-II e parte do livro III da tradução de James, conhecida como Metafísica longitudes-tiemos-volúmenes, y al diferir entre sí en espécie, se tomaron por separado. Pero ahora se demuenstra universalmente, pues lo que se supone que se da universalmente <en esas cosas> no se dava en cuanto líneas o en cuanto números, sino en cuanto tal cosa”.

64 “...las más exactas de las ciências son las que versan mayormente sobre los primeros principios: en efecto, las que

parten de menos (principios) son más exactas que las denominadas ‘adicionadoras’, por ejemplo, la aritmética que la geometría…”.

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4. AS MATEMÁTICAS PURAS

‘media’; (4) Michael Scot do árabe: muito da Metafísica (partes do livro I e XII e o todo dos livros XI, XIII e XIV não foram incluídos), conhecida como Metafísica ‘nova’, com o grande comentário de Averróis no começo do século XIII; e (5) William Moerbeke: livro XI e uma revisão de outros livros tendo recurso de textos gregos, no século XIII”65 (SASAKI, 2004, pp. 301-302,

tradução nossa).

Ainda segundo Sasaki (2004, pp. 302-303), as traduções latinas possuíam algumas mudanças em relação ao texto grego, pois algumas adotavam o método palavra por palavra e outras eram livres.

Alberto Magno (1193-1280) e Tomás de Aquino (1225-1274) utilizaram-se de algumas dessas traduções para elaborarem seus comentários à obra aristotélica. Alberto, ao comentar o trecho 1026a 23-27 da Metafísica, faz uma comparação entre a teologia, a matemática e a física. Para ele, o “universal” deve ser entendido como sendo a teologia. “...a universalidade da teologia domina por completo a universalidade qualificada da matemática, o corpo vagamente unido das ciências matemáticas particulares”66. Sasaki considera que quando Alberto interpreta o “universal” como sendo a teologia, ele é “claramente influenciado não somente por razões filológicas”67, mas também por seu “forte desejo em harmonizar a doutrina de Aristóteles com o ensino da Igreja Cristã”68 (SASAKI, 2004, p. 304, tradução nossa)

Segundo Sasaki, outro motivo para que Alberto tenha adotado esta posição, é porque foi um grande crítico da filosofia da matemática de Platão.

“Aqui existe a necessidade de ter cuidado com o erro de Platão, que diz que o natural está fundado na matemática e a matemática no divino, assim como a terceira causa está fundada na segunda e, a segunda está fundada na primeira e, portanto, ele diz que a matemática tem princípios naturais, o que é completamente falso”69 (Alberti Magni Opera Omnia apud SASAKI, 2004, p.

305, tradução nossa).

Sasaki comenta ainda que isto não significa que Alberto tenha negligenciado o estudo das matemáticas, somente tem elevado o estatuto do método empírico no estudo da

65 “(1) James (Jacobus) the Venetian-Greek: perhaps Metaphysics I-IV. 2, commonly called Matephysics vetustissima, in

the early twelfth century; (2) a systematic revisión of Books I-III. 3 of James versión, made before 1236 and usually called Composita or Vetus; (3) Twelfth-century anonymous translation from the Greek: Books IV-X, XII-XIV and perhaps a revisión of Books I-II and part of Book III of Jame’s translation, known as Metaphysica media; (4) Michael Scot from the Arabic: most of the Metaphysics (parts of Books I and XII, and the whole of Books XI, XIII and XIV were not included), known as Metaphysica nova, with Averroës’s Great Commentary, in the early thirteenth century; and (5) William Moerbeke: Book XI, and a revisión of the other Books having recourse to the Greek text, in the thirteeenth century”.

66 “...the universality of theology overwhelms the qualified universality of mathematics, a losely united body of all the

particular mathematical sciences”.

67 “...clearly influenced not only by the philological reason…”.

68 “...a Strong desire to harmonize Aristotle’s doctrines with the teachings of the Christian Church”.

69 “Here there is need to beware of the error of Plato, who said that naturals were founded in mathematicals and

mathematicals in divines, just as the third cause is founded in the second, and the second is fouded in the primary, and therefore he said that mathematicals were principles of naturals, which is completely false”.

ϳϲ ACLASSIFICAÇÃO DAS DISCIPLINAS MATEMÁTICAS E A MATHESIS UNIVERSALIS NOS SÉCULOS XVI E XVII

natureza. Para Alberto, a matemática é abstrata e trata somente do aspecto quantitativos da substância e isto não pode ser universal em nenhum sentido. A física trata do mundo natural sensível e “não pode ser explicada suficientemente pelas ferramentas da matemática”70. A metafísica “trata da realidade como um todo, isto é, o ser como tal. Isto é incomparavelmente mais universal do que a matemática”71 (SASAKI, 2004, p. 305, tradução nossa).

Tomás – que obteve influencia de seu mestre Alberto – também mostra em seu comentário à Metafísica que a matemática não pode ser uma ciência universal. Segundo Sasaki, Tomás “afirma que uma ciência universal pode ser comum a tudo. Mas, nenhuma ciência matemática, em seu julgamento, trata de algum gênero determinado. Então, ele afirma que nenhuma outra ciência a não ser a metafísica é comum a todos os seres”72. Além disso, para Tomás, dizer que a metafísica era a ciência mais universal não implicava em afirmar que ela era a mais correta, pois na opinião do filósofo medieval, o método da matemática é mais correto do que o da teologia, pois o objeto de estudo dela faz parte das coisas sensíveis. “Na tradição aristotélico-escolástica, louvar a certeza da matemática foi bastante comum”73 (SASAKI, 2004, p. 307, tradução nossa).

Tomás, citando um trecho do Almagesto de Ptolomeu, confirma o estatuto de certeza das disciplinas matemáticas. Este mesmo trecho foi citado posteriormente por Francesco Barozzi no debate com Alessandro Piccolomini.

“Chamemos os outros dois tipos de conhecimento teorético de opinião mais do que ciência: a teologia por causa de sua obscuridade e incompreensibilidade; a física por causa da instabilidade e obscuridade da natureza. O tipo matemático de investigação sozinho pode dar ao inquiridor o pensamento firme e inabalável com demonstrações certas carregadas de inquestionável método”74 (Aquinas,

Opera Omnia apud SASAKI, 2004, p. 308, tradução nossa).

Contudo, Sasaki enfatiza que no pensamento filosófico de Alberto e de Tomás a matemática possui um método correto, mas ela “trata simplesmente do aspecto quantitativo defeituoso do ser, não o ser como tal”75. A física pode ser entendida como uma adição ao conhecimento da matemática, pois “o mundo natural, por muitas razões, não pode ser

70 “...cannot be explained sufficiently by mathematical tolos”.

71 “...treats entire reality, i.e. being as such. It is incomparably more universal than mathematics”.

72 “...affirms that a universal Science ought to be common to all. But any mathematical science, in his judgment, is about

some determinate genus. Then, he states that no sciences other than metaphysics are common to all beings”.

73 “In the scholastic-Aristotelian tradition to praise the certaily of mathematics was quite common”.

74 “Let us call the other two kinds of theoretical knowledge opinión rather tan science: theology because of its obscurity

and incomprehensibility, physics because of the instability and obscurity of matter. The mathematical type of investigation alone will give the inquirer firm and unshaken certainly through demonstrations carried out by unquestionable methods”.

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4. AS MATEMÁTICAS PURAS

reduzido a entidades matemáticas”76. Além disso, a metafísica “lida com estruturas do ser muito mais ricas e profundas do que a física e a matemática”77. Para Alberto e Tomás, “se a matemática desfruta de uma suprema certeza, isto ocorre por causa da magreza do aspecto do ser com o qual ela pode abordar”78 (SASAKI, 2004, p. 308, tradução nossa).