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Vamos nos encaminhando para o final da primeira parte desse estudo que se refere a concepção da pesquisa, sobre sua gênese e a definição do seu itinerário de investigação. Façamos uma revisão. Consideramos o papel de destaque no mundo atual conferido às imagens, estas muito vinculadas a produção espacial e ao nosso cotidiano. A seguir ponderamos sobre aspectos de pedagogia e educação visual, destacando que se o espaço atual nos informa, e muito, por meio de imagens é fundamental que a escola - nela inserido o ensino de Geografia -, se envolvam com a educação visual por mais que os percursos de ensino aí sejam ainda pouco investigados, algo que a presente tese visa minimizar. E finalmente chegamos a Geografia Sensível, parte importante dessa tese, que se refere ao delineamento de um conjunto de metodologias que vale-se dos referenciais dos educandos e do educador, os quais são muito permeados pela dimensão visual. A partir desses parâmetros então buscamos trabalhar uma geografia escolar mais efetiva e dinâmica quanto a quem somos e podemos ser.

Ocorre que a Geografia Sensível, ainda que se resuma basicamente a uma idealização e um rótulo sobre minha prática docente, pode ser comunicada, verificada por outros educadores para inclusive ganhar um sentido mais prático, realçando-se conceitualmente. Discutindo com meu orientador, este me sugeriu criar um projeto de extensão para encaminhar uma formação de professores quanto ao uso de imagens em sala de aula. Inicialmente relutei, embora tenha gostado da ideia uma vez que conversar com meus colegas era o meu intuito e não observar apenas suas aulas como um pesquisador acadêmico distante. Era do meu interesse verificar se, assim como eu percebia acontecer em meus melhores momentos em sala de aula, o protagonismo na construção de aulas mais criativas por parte dos meus colegas, realçava a autonomia dos educandos se definindo como uma marca de suas aprendizagens. Meu receio era ser visto como “autoridade no ensino de Geografia” - uma vez que me encontrava na condição também de doutorando -, por parte dos meus colegas talvez essa situação inibisse uma fala mais horizontal e direta. Além disso, a ideia de preencher muitos papéis, através de um entrave

burocrático, me perturbava quanto ao encaminhamento formal da atividade. Esse receio, conforme se descreverá na segunda parte, não ocorreu, houve outros problemas que não prevíamos, mas não a burocracia.

Descobri muito na atividade de extensão, já havia participado de algumas delas na época da graduação. Pude conhecer melhor a parte materna de minha família indo para o litoral médio do RS e me aprofundar na história do município de Mostardas em uma atividade de extensão, por exemplo. Lembro-me de que a partir dessa atividade, meu vínculo com a UFRGS passou a envolver uma espécie de raiz, simbólica, mais profunda. A primeira década desse século foi uma época muito memorável, desse contexto lembro-me bem dos discursos de Wrana Maria Panizzi, reitora então, que enfatizava uma universidade “pública, gratuita e de qualidade”. As aulas, os colegas, a extensão e essa experiência de universidade pública então marcaram minha identidade e minhas aprendizagens, sendo difícil separar os aspectos cognitivos dos afetivos.

Sempre entendi que formalmente a extensão era uma forma de interação da universidade com o espaço fora dos limites do campus e que ela poderia levar algo do saber produzido em seus domínios para lugares em que esse saber pudesse agregar mais qualidade de vida as pessoas. Eu não considerava o que se agregava dos saberes dos grupos localizados fora da academia para os agentes universitários que promoviam essas atividades. Minha concepção de extensão se remetia a uma velha concepção de extensão universitária vertical, a qual “coisificava” o espaço e as pessoas em que acontecia a extensão (SERRANO, 2008).

É interessante notar que a própria formação superior do magistério em Geografia pode descrever para alguns uma trajetória que envolve traços similares a esse tipo de entendimento quanto a extensão. Aí o aspirante a professor, que possui um pé na Universidade, se comporta como o extensionista na visão tradicional, o qual levará o saber acadêmico para a escola, este espaço não acadêmico, melhorando a escola e suas práticas. Essa concepção de extensão não poderia estar mais equivocada, sobretudo, por que se isso bastasse, uma simples e sistemática atuação influente da universidade na escola resolveria os problemas da última e consequentemente resolveria todo o problema social cujo locus é a escola.

parte do estudo dessa tese, sabia que eu não queria reproduzir uma relação vertical, onde eu fosse o acadêmico detentor do saber mais válido e acertado. Por outro lado, em um primeiro momento eu não conhecia conceitualmente outra abordagem de extensão. Foi na banca de qualificação da presente tese que o professor Nelson Rego sugeriu a leitura do livro “Extensão ou comunicação?” de Paulo Freire. A partir de tal leitura, meus anseios por horizontalidade encontrariam entendimentos afins. Nele há uma relevante discussão semântica quanto a palavra “extensão” que revela profundas implicações políticas quanto a um tipo de relação entre sociedade e universidade.

Poder-se-ia dizer que a extensão não é isto [relação vertical]; que a extensão é educativa. É por isto que a primeira reflexão crítica deste estudo vem incidindo sobre o conceito mesmo de extensão, sobre seu “campo associativo” de significação. Desta análise se depreende, claramente, que o conceito de extensão não corresponde a um que-fazer educativo libertador. Com isto não queremos negar ao agrônomo, que atua neste setor, o direito de ser um educador-educando, com os camponeses, educandos- educadores. Pelo contrário, precisamente porque estamos convencidos de que este é o seu dever, de que esta é a sua tarefa de educar e de educar- se, não podemos aceitar que seu trabalho seja rotulado por um conceito que o nega. (FREIRE, 1983 [observação minha], p.13).

Nesse contexto se percebe nitidamente que o termo extensão não é o mais adequado se considerarmos uma relação educativa que se pretende dialógica, na qual todos podem educar-se uns aos outros, estabelecendo assim uma troca, um processo de comunicação facilitado entre os saberes universitários e os populares, criando sínteses.

Foi pensando nesse conceito de comunicação, a partir da atividade com os professores, que pude vislumbrar que a Geografia Sensível se daria também na minha relação com meus pares professores de Geografia, uma vez que eles também me forneceriam saberes/imagens de sala de aula e, nós, pensando a partir destes, refletiríamos os conteúdos geográficos caros aos educandos e a nós mesmos. No contexto da atividade com os professores haveria a possibilidade, rara, de discutirmos nossas práticas, nossas metodologias e instrumentos de ensino. Aí poderíamos ponderar nossa práxis, nos enxergar e nos enxergar nas boas práticas do outro. Da Geografia Sensível se aspira que ela nos gere reflexões sobre o espaço por nós vivido. Rego (2009) destaca que uma prática de ensino de Geografia

que encaminhe mudanças significativas nas leituras de sentido para aqueles que dela tomam parte, envolve tanto uma ponderação sobre o sentido do que se ensina aliado ao uso de instrumentos, como imagens por exemplo. Assim:

O desenvolvimento de uma reconstrução ontológica necessita, por certo, da exposição informativa, mas sua relação com essa será a relação entre a elaboração crítica de sentido e o uso do instrumento, e não a relação de submissão ao instrumento, como se este fosse, por si mesmo, a sua própria razão e a única razão possível, uma razão apresentada como a-histórica. (REGO, 2009, p. 13).

O comentário evidencia indiretamente a ameaça de transformar um uso como o de imagens nas aulas de Geografia em uma espécie de fetiche, colocando-as no caso como um instrumento com o qual o educador e os educandos possuem uma relação superficial, de passa tempo, no qual o educando e o educador desconhecem os aspectos de produção da imagem, o que limita as possibilidades de interação com tais imagens. Vale destacar que a aura lúdica que por vezes o uso de imagens pode trazer à sala de aula é um elemento importante, mas ele é um traço, entre diversos outros, da relação que podemos estabelecer com as dimensões visuais na escola. Ainda que o educador não domine os conceitos de produção de imagens tais como ângulos de enquadramento, planos de imagem e iluminação por exemplo, é fundamental que ele se coloque como um aprendiz desses aspectos e investigue como esses participam de construções de significado específicas que jogam com a subjetividade dele e de seus educandos. O encontro de professores suscita justamente tal reflexão entre os docentes, discussão de sua práxis e de seus sentidos, o que configura uma maior possibilidade de desenvolvermos ideias contra uma pedagogia vazia, na qual os educandos não se reconhecem no mundo contemplado em sala de aula. Tais procedimentos não se configuram pelo que chamamos Geografia Sensível. A Geografia Sensível é uma concepção de mundo que agrega no interesse comum do educador e dos educandos para refletir suas experiências o alicerce da prática de ensino em Geografia e não o uso indiscriminado de imagens ou quaisquer outros objetos em sala de aula, sem uma consideração mais aprofundada quanto nossas relações com o espaço geográfico.

discussões sobre a Geografia Sensível em um sentido mais estrito e sobre o ensino de Geografia de um modo geral, porém ela baliza essa discussão, demarcando os princípios que se pensam relevantes para se ensinar o espaço geográfico hoje. A atividade configura-se como um exercício onde se busca verificar e se discutir percepções - sobre imagens mentais -, quanto a sala de aula, em um processo dialógico do saber, isto é, que almeja a horizontalidade, a valorização e a troca constante do saber do outro com o meu. Aí as discussões sobre nossas aulas se configuram como meio para ponderarmos nossa existência, nosso lugar no mundo. Todo esse contexto educativo com os educadores amarra-se no que chamamos de Geografia Sensível. Considerando, portanto os aspectos mais teóricos da tese, a seguir procurarei então descrever e ponderar as duas edições da atividade com os professores voltada para a troca de saberes docentes na Geografia através do uso de imagens nas aulas da disciplina.

PARTE II - DA IDEALIZAÇÃO À PRÁTICA DA ATIVIDADE COM OS