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A seleção de professores: a imagem da fumaça e do fogo na educação

PARTE II DA IDEALIZAÇÃO À PRÁTICA DA ATIVIDADE COM OS

2.2. A primeira edição da atividade “De olho na Geografia”

2.2.1. A seleção de professores: a imagem da fumaça e do fogo na educação

Desenvolver pesquisa científica em um país como o nosso em que esses aspectos da cultura se mostram tão dificultados por um contexto político-econômico de precariedade junto ao campo da produção acadêmica nacional, acaba por demandar, portanto, grande disposição e apaixonamento para rebater as limitações que são muitas. Conosco não foi diferente.

Ocorre que sempre guardamos expectativas, ilusões, idealizações, que o próprio exercício científico acaba por confrontar. Como seres humanos que somos não nos deixamos de nos sensibilizar, embora estando mobilizados para aprender com os eventos e formalizá-los, registrando detalhes e refletindo acerca deles. Me refiro a essa etapa de seleção, em como ela me proporcionou movimentos que me ejetaram de minha zona de conforto, revelando e me dando consciência de que a geografia da minha escola se define muito por esforços localizados e que a escola pública de um modo geral acaba apresentando-se como um espelho para o mosaico social, cultural e econômico local no qual cada escola se insere.

Sendo mais específico, dispusemos de dez dias para inscrição dos professores. Para tanto utilizamos o blog, meu perfil do facebook e alguns contatos que eu possuía via Whatsapp. Imaginávamos que por mais que as condições espaço- temporais não colaborassem, as vagas seriam preenchidas com relativa facilidade, não foi o que ocorreu.

Após contato com a SMED São Leopoldo, encaminhamos e-mail para a mesma que se responsabilizou por repassar a divulgação da atividade (imagem 12) para as quase quarenta escolas da rede. De fato a SMED encaminhou a mensagem para as escolas, em meu espaço de trabalho inclusive foi recebido o e-mail, porém, percebendo que não haviam inscritos faltando poucos dias para o término do prazo estipulado, resolvi circular por algumas escolas da rede e verificar a situação mais de perto, conversando com professores e suas equipes diretivas, convidando-os de maneira menos formal para participar da atividade de formação.

Imagem 12: cartaz virtual de divulgação da primeira edição da atividade de extensão dirigido às escolas municipais de São Leopoldo.

Fonte: Juliano Timmers.

Visitei quatro escolas nessa tarde, duas delas não possuíam os anos finais do ensino fundamental, uma inclusive, havia recém extinto esses anos da escola. Fiquei pensando para onde iriam as crianças que ingressaram no sexto ano que deveriam procurar escolas públicas estaduais, as quais são notícia no país pelo grave processo de precarização que sofrem. Uma das escolas visitadas por mim não possuía internet, de modo que não havia como chegar os e-mails da SMED/São Leopoldo com a divulgação da atividade de extensão. Avalio que se essa situação de falta de comunicação via rede de computadores não se configure como um caso isolado, logo muitas escolas podem não ter recebido a mensagem anunciando a atividade via correio eletrônico. Agravando o retrato, relatou-me a secretária que me recebeu em uma das escolas que visitei, que não haviam professores de Geografia na escola e que a disciplina era ministrada por professores auxiliares sem formação específica nessa área. Essa situação verificada de falta de professores de Geografia confirma uma fala do senso comum quanto a raridade de professores dessa disciplina no mercado de trabalho como um todo. Cabe ainda destacar que o

município, em função de dificuldades orçamentárias, não convoca mais concursados - o último concurso para área até a redação desse texto, havia sido em 2016 -, o que colabora com o desemprego dos poucos licenciados em Geografia.

Com base no que observo da escola onde atuo, me permito fazer uma pequena digressão aqui quanto a esse ponto, vale lembrar que a cada ano um número significativo de professores de diversas disciplinas se aposentam e suas vagas não são preenchidas nem por meio do ingresso de novos concursados nem com professores contratados que possuam diploma de licenciatura em Geografia, daí professores substitutos terem de atuar como se fossem professores permanentes da matéria. Essa situação cria um círculo vicioso para a Geografia brasileira que se esvazia na medida em que a colocação profissional é um pré-requisito para que se produzam e se qualifiquem as produções de pesquisa nessa área de ensino. O risco maior, e que infelizmente não se coloca mais como um alarmismo, é o fim da Geografia como disciplina escolar e do campo autônomo de pesquisa acadêmico a ele associado no país. A definição de áreas do conhecimento já encaminhada para o Novo Ensino Médio não é um risco em si para a liquidação da Geografia tal qual a conhecemos hoje, mas representa um risco sim o oportunismo com o qual certas agendas políticas podem encaminhá-las, visando economizar gastos com docentes e incentivando uma formação rápida e superficial em termos de aprofundamento dos conteúdos de Geografia. Como havíamos ressaltado anteriormente é importante nesse contexto que os professores passem a interagir mais entre si, dialoguem com seus pares de modo a pautar tais processos que se instituem, contrapondo essa ameaça de desqualificação do ensino de Geografia com mudanças que transformem a educação espacial a partir da escola. Esse movimento, se existisse, poderia refletir-se no sentido de mais qualificação dos centros de formação universitários. Para que isso ocorresse o professor do ensino básico teria que possuir um papel mais destacado em relação ao que possui hoje quanto as tomadas de decisão para a educação do país. Além disso, seria conveniente que o mesmo possuísse maior atuação junto a outros níveis de ensino, especialmente no que se refere ao envolvimento com pesquisa.

Logicamente que o momento em que se deu a atividade foi pouco propício, vamos dizer assim. O fim do ano letivo é bastante tensionante para professores dos anos finais do ensino fundamental. Há pressões institucionais dos gestores por

aprovação para atender aos índices locais e nacionais, há pressão dos próprios professores de Geografia e seus colegas por não enviarem educandos “fracos” para etapas mais adiantadas do ensino básico. Nesse contexto tive de apelar para o contato com professores que eram próximos a mim, colegas com quem trabalhei em outras escolas, professores de história que eu sabia estarem ministrando aulas de Geografia. Houve entre esses, professores que me relataram ter interesse pela atividade de formação, mas que nesse período seria pouco propício “por não haver aula”. Não haver aula, entendi no sentido de se contemplar um conteúdo, refletindo- o, reservando as aulas nas últimas semanas do ano letivo para a realização de avaliações. Sim, por que o que há, pensando pela concepção do habitus professoral nesse período, são basicamente dinâmicas com avaliações. Nessas circunstâncias o professor tinha um papel menos ativo, sendo apenas orientador das atividades, o que não estimulava-os a participar de um curso de formação que implicaria - não obrigatoriamente -, que esses abrissem suas salas de aula para um colega observá- los.

Depois de algumas negativas entre meus contatos, obtive sinal favorável a participação por parte de três professores. Logicamente que tive de argumentar via redes sociais que o curso tratava-se de atividade de extensão universitária que pouco trabalho daria para os professores envolvidos. Em contato com os professores da escola onde trabalho, um deles sinalizou favoravelmente. Com dois professores inscritos por meio de redes sociais após serem contatados por mim, a outra vaga acabou dando-se por meio do preenchimento de uma ficha que eu levei até um dos professores participantes, após eu muito insistir (figura 13).

Em diversos momentos, sinalizei que precisava “de ajuda” para obter colaboradores para uma pesquisa de doutorado minha. Foi esse o recurso que obtive para gerar adesão a atividade na primeira edição. Os critérios de seleção se tornaram pouco valorizados, os professores inscritos descreveram suas aulas superficialmente, de modo pouco consequente e relevante.

Imagem 13: Print de contato via SMS com professor participante da primeira edição do curso de extensão.

Fonte: Juliano Timmers.

A imagem da fumaça e do fogo no título dessa seção, se traduz por esse ruído na comunicação se fazer presente nesse contato com professores. Pela fumaça também se verifica um certo desencanto com a ideia de (trans)formação dos professores. Não há caminhos fáceis nesse contexto. É lógico que não culpabilizo nenhum dos professores, a quem eu muito sou grato, pois aprendi muito com eles, espero ter lhes possibilitado aprender de mim também. O fato é que essa resistência não se fez por um pudor injustificado, uma vez que o professor enfrenta muitos obstáculos na sua docência, ele é atarefado e há momentos em que sua rotina de trabalhos torna-se ainda mais atribulada como é o caso dos fins de anos letivos. Não caberia aqui discutir se deveríamos repensar as formas de avaliação, repensarmos a aprovação, ou a forma de organização e as etapas do ano letivo. É muito provável que reformulações nesse sentido sorvessem pouco efeito sobre essa sobrecarga que é estrutural, uma vez que reflete uma sociedade que é competitiva e reconhece valor nessa competitividade por mais insalubres que sejam os efeitos dessas práticas no âmbito da rotina escolar. A mim parece suficientemente claro que para

que ocorra uma mudança estrutural nos parâmetros da educação nacional, é necessário que isso se dê de forma concomitante com uma transformação social profunda a qual envolve o desenvolvimento de novos valores, modificações no imaginário coletivo e nas representações mais arraigadas coletivamente. Não se quer aqui criar receitas para bem ensinar, mas sim estabelecer parâmetros para o ensino de Geografia a partir daquilo que chamamos de Geografia Sensível.

Nesse contexto, apesar de toda tradição burocrática que ainda permeia nosso fazer escolar, é fundamental estabelecer relações com o mundo que nos cerca a partir da curiosidade, da dúvida e do encantamento, apelando para um contato mais dinâmico com os sentidos, sobretudo o visual. A Geografia Sensível como referencial demanda ainda que o educador experimente o mundo a partir desse modo intenso, o qual será refletido em sala de aula e contemplado com os educandos. A Geografia vivida precisa ser um reflexo daquela que é ensinada e aprendida. Nas ocasiões em que conseguimos encaminhar isso, a interatividade e o gosto pelas aulas aumentam, sendo o contrário também verdadeiro. É a percepção, o olhar geográfico como condição existencial que o professor deve contemplar e referendar em sala de aula, sendo isso o que se configura como o eixo principal de transformação dos fins da educação. Sem esse interesse em reconfigurar o próprio entendimento acerca do próprio espaço, não há diferencial a ser obtido acerca da prática de ensino de educador algum.

2.2.2. Os professores na primeira edição: o que me disseram e mostraram do uso de