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Os professores na primeira edição: o que me disseram e mostraram do

PARTE II DA IDEALIZAÇÃO À PRÁTICA DA ATIVIDADE COM OS

2.2. A primeira edição da atividade “De olho na Geografia”

2.2.2. Os professores na primeira edição: o que me disseram e mostraram do

Conforme o cronograma que havíamos construído, após a seleção de professores dar-se-ia a etapa dos encontros iniciais com os professores selecionados. A maioria desses encontros ocorreu nas escolas, sendo que um deles se dera em um café no centro de São Leopoldo em função de dificuldades nas agendas. Todos os professores participantes trabalhavam no turno noturno. Um deles trabalhava no magistério apenas nesse turno. Todos possuíam graduação, dois em Geografia e um em História, bem como todos possuíam algum tipo de pós- graduação. Um deles estava concluindo um curso de mestrado e os outros dois relataram-me estar organizando-se para participar dessas seleções. Os professores participantes da primeira edição da atividade de extensão eram marcados por uma identidade comum de formação avançada, de interesse e efetivação quanto ao desenvolvimento profissional.

Nos encontros iniciais primeiramente pedi que os professores lessem um termo de autorização para eu usar as informações obtidas da atividade em uma tese de doutorado. Concordando com tais termos poderiam assinar o documento. Todos o fizeram (anexo 1). As identidades dos professores serão mantidas em sigilo. Conversei inicialmente com uma professora que havia realizado curso de especialização na área de mídias em educação. Além de ser formada em arquitetura, ela era uma grande entusiasta do uso de tecnologias para ilustrar uma geografia mais dinâmica na sala de aula. Mostrou-me interessantes aplicativos de celular que usava em aula para ilustrar a posição da Terra dentro do sistema solar. Não assisti nenhuma aula sua na escola, mas posteriormente olhei um vídeo em seu canal no YouTube em que ela explicava em uma aula o funcionamento das coordenadas geográficas através de ilustrações que a mesma previamente havia elaborado. A professora relatara-me inclusive que passava o vídeo gravado por educandos todos os anos para outras turmas, levando-as ao laboratório de informática para assistir o vídeo da aula quantas vezes fosse necessário para que compreendessem então a lógica que definia o funcionamento do esquema. Achei

essa estratégia muito interessante, pois ela valoriza uma produção de sala de aula, ela dá centralidade a produção do educador e dos seus educandos, o que realça em termos de legitimidade o conteúdo estudado. Vislumbrei que o modelo desenvolvido pela professora possa um dia ser deflagrado no ensino escolar, isto é, um modelo baseado em vídeo-aulas produzidas na escola com os educandos. Nesses vídeos as instruções poderiam ser vistas, revistas e editadas atendendo as peculiaridades de aprendizagem dos estudantes. O modelo baseado em videoaulas já é uma realidade nos cursos preparatórios para concursos públicos e pré-vestibulares na modalidade de ensino à distância, entretanto, aí eles são produzidos de forma extremamente padronizada em função das finalidades desse tipo de ensino.

A professora ainda dissera-me ter grande estima por jogos de perguntas e respostas com questões geográficas, bem como cartazes ilustrados explicativos. Ela me relatara que havia elaborado materiais pedagógicos desde seus primeiros anos de magistério e que utilizava alguns deles até hoje. Ela leciona a quase 20 anos no município.

O segundo professor com quem eu tivera encontro inicial era formado em História. Havíamos trabalhado juntos na mesma escola em outros tempos e eu sabia que ele era grande fã de história em quadrinhos, as quais utilizava nas suas aulas. Ele também fazia uso do cinema como elemento para desenvolver seu trabalho. Em sua escola atual ele ministrava aulas de Geografia e aí trabalhava com um programa denominado “Acelera” direcionado a educandos com muitos anos de repetência que teriam aí a oportunidade de progredir para etapas mais avançadas do ensino fundamental. Esse professor, segundo me relatou, se valia de muitos vídeos em suas aulas a partir dos quais buscava estabelecer um diálogo com os educandos. Com os vídeos o professor buscava tirar um pouco de si a centralidade didática e a colocava nas reflexões que os educandos tiravam do vídeo. Desse modo, ele os orientava, isso ajudava-o a ministrar aulas em uma disciplina para a qual ele não havia obtido formação específica, apesar das muitas afinidades existentes entre História e Geografia.

O terceiro professor abriu para mim sua sala de aula após vários contratempos para que eu pudesse enfim inscrevê-lo na atividade. Na verdade eu fui até o seu local de trabalho para o mesmo preencher uma ficha de inscrição e ele convidou-me

para ficar e assistir sua aula. Tratava-se de uma aula de Geografia do Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Ele havia preparado o retroprojetor o qual fora conectado ao seu notebook. Este selecionou um conjunto de fotos para identificar a partir delas processos da dinâmica do lago Guaíba junto a vegetação das ilhas da foz do rio Jacuí. Antes dessa apresentação de fotografias em formato digital, o professor pendurou pela sala, fotos impressas dos educandos em uma atividade promovida pela escola. Eles pareceram gostar de se ver nas fotos, divertiam-se ao ver também os colegas. O professor me relatou que era importante os educandos enxergarem-se literalmente na escola. Fiquei impressionado em como um gesto tão simples e aparentemente descompromissado pudesse ter tamanha significância. Essa parece ser uma marca subestimada pela maioria dos professores, isto é, incluir pedagogicamente a imagem do educando, se possível envolvendo a autoria dele. Anteriormente citamos um caso bem-sucedido pedagogicamente (CARDOSO, 2016), que envolveu uma exposição de fotos no qual os educandos do Instituto de Educação em Porto Alegre foram fotografados portando mensagens que tinham por objetivo estabelecer uma crítica a falas racistas que infelizmente ainda verificam-se em nosso cotidiano. O fato de envolver a imagem dos educandos certamente envolveu-os mais e também amplificou a sensação de crítica proposta, pois nos causa um choque em associar a imagem dos jovens com frases que portam valores tidos idealmente como atrasados, velhos, supostamente do passado (imagem 14).

Voltando a aula do EJA que eu observara, parece que o fato de a aula ter se iniciado com o ato de pendurar as fotos fez os educandos se comprometerem mais com o que havia sido proposto depois. A atividade central da aula era usar as fotos de um corpo d’água como elemento para que os educandos relatassem, por meio de uma redação, uma história deles envolvendo um rio, lago ou mar que esses conhecessem, tal qual o professor fizera com suas fotos.

Com esses contatos não pude fazer uma leitura ampla da relação que esses educadores que participaram da primeira edição de nossa atividade têm com as imagens nas suas aulas de Geografia. De qualquer forma pude ter uma pequena amostra de seu entusiasmo para reinventarem suas aulas, para realçá-las pelo uso de imagens, em muitos casos, imagens como meios mais dinâmicos de ensino como no caso das animações sobre os planetas do sistema solar.

Imagem 14: Exposição em que fotografias dos educandos foram usadas pedagogicamente em atividade ligada ao desenvolvimento dos direitos humanos.

Fonte: CARDOSO, 2016.

Nessas imagens especificamente o que temos são artifícios, porém são artifícios que representam a vontade ancestral humana de expansão dos seus limites territoriais. Pude perceber que esses professores utilizando suas imagens em sala de aula, assim como eu em minha prática, oscilam entre as imagens do mundo e o mundo das imagens, embora o aprofundamento da última dimensão seja menos explorado do que o primeiro.

A justificativa para a falta de um maior aprofundamento quanto ao espaço das imagens em nossas aulas se dá por uma série de razões, a principal delas talvez se liga as finalidades da educação escolar às quais se submete o ensino de Geografia. A educação promovida pelo Estado coloca em primeiro lugar o vínculo com o mundo do trabalho, não o trabalho como expressão do sujeito, mas o trabalho sob o capitalismo, cujo sentido se define pelo seu valor mercadológico. Nesse contexto é muito difícil desenvolver metodologias de ensino que explorem outros valores que não os ligados a racionalidade associada ao mercado vigente o qual enfatiza essencialmente uma educação voltada ao desenvolvimento das capacidades de cálculo, de objetividade e de uma postura ágil, competitiva. Em contraposição as habilidades artísticas e as ligadas a aspectos de interesse ambiental, social ou ainda

de natureza filosófica enfim, essas tornam-se sempre secundárias no quadro das práticas educativas incentivadas atualmente. Explorar os conteúdos como meios para pensar e entender a realidade em seu caráter diverso, o qual valoriza a criatividade humana, parece ser cada vez mais atributo de alguns professores inquietos e isolados, coisa de “sonhadores” que “nadam contra a corrente” de um ensino cada vez mais instrumentalizado, reduzido e formatado em pacotes. O encontro de professores, idealizado por iniciativa de um deles, buscando refletir suas práticas, se situa-se longe de resolve os problemas da educação onde eles acontecem, mas ao menos enseja o desenvolvimento de refúgios para um ensinar mais humanizado. O texto da tese por sua vez ambiciona mais, ele considera a atividade com os professores e busca a partir do seu registro estabelecer relações com uma reflexão mais ampliada sobre o modo como experimentamos a Geografia no contexto do espaço atual, referendando tal Geografia didaticamente para os outros, principalmente através de imagens sobre as quais educadores e educandos refletem percepções quanto aos seus espaços de vivência.