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A cadeia de valor do enoturismo

No documento O perfil do enoturista: o caso português (páginas 42-46)

CAPÍTULO 2 – O SISTEMA DO ENOTURISMO

2.4. A cadeia de valor do enoturismo

Verifica-se, atualmente, uma manifesta interação entre o turismo e a indústria do vinho. No meio académico essa relação é recente, mas importante (Bruwer, 2003; Hall et. al., 2002b; Macionis, 1998). O enoturismo é um compósito resultante entre a indústria do turismo e o vinho. Apesar de essa ligação se verificar há muitos anos, só recentemente é que a indústria do turismo associada ao vinho começa a ser reconhecida e valorizada pela administração pública, pela indústria vitivinícola e pelos investigadores.

Numa abordagem à produção do vinho e à indústria do turismo, Carlsen (2004) coloca estes dois aspetos em extremidades opostas do espectro da indústria do vinho, numa perspetiva microeconómica (Tabela 2.3). De um lado, encontra-se a produção do vinho, que é uma indústria primária e uma atividade parcialmente baseada numa indústria secundária, caracterizada por ter um preço, por ser realizada segundo um processo estandardizado homogéneo e dependente do crescimento do capital para criar riqueza. Do outro lado, está a indústria de serviços, que é caracterizada por ter uma procura, com preços dependentes de muitas decisões e um serviço/produto heterogéneo que maximiza o lucro, contando com este para criar riqueza.

Ou seja, o vinho e o turismo divergem, mas, na verdade convergem através de uma escala de fatores económicos, técnicos, culturais, geográficos e profissionais. Apesar de

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o enoturismo ser por vezes intitulado como uma atividade secundária, a indústria do vinho aborda por vezes o enoturismo como um plano estratégico principal para a condução da indústria do vinho no futuro (Tassiopoulos & Hayden, 2006).

Tabela 2.3 O quadro da investigação do enoturismo

Indústria Primária Indústria Secundária Indústria Terciária

Indústria de vinho Indústria de turismo

Oferta de produto – sujeita a fatores sazonais, temporais, globais, técnicos e agrícolas que determinam o

fornecimento das uvas e do vinho

Orientação da procura – sujeita a forças económicas, de consumo, de concorrência, demonstrativas e

demográficas que determinam a procura do turismo do vinho

Price takers – preço único determinado pelos produtores do vinho, preços globais do vinho, preço de outras bebidas alcoólicas (substitutos)

Quem faz os preços – gama de preços determinada pela natureza do produto/serviço oferecido, procura sazonal, valor acrescentado às experiências

Produto homogéneo – highest quality standard

Castas ou combinações da mais alta qualidade, de longo prazo para mudanças na produção, consistente ao longo do tempo

Produto heterogéneo/serviço – uma gama de opções e ofertas e de curto prazo para desenvolver novos produtos, mudando através dos tempos

Minimizadores de custo – procuram métodos de

produção mais eficazes, tecnologia intensiva para inovar para maximizar o rendimento

Maximizadores do lucro – procuram retornos máximos através de marketing extensivo; trabalho intensivo; imitar, reformar ou renovar de preferência a inovar

Criação de riqueza através de crescimento de capital em valor de terra e edifícios a longo prazo

Criação de riqueza através de lucros e retorno no investimento a curto prazo.

Fonte: Carlsen (2004:9) (tradução nossa)

O enoturismo deve ser contextualizado como uma cadeia de valor, onde a cada uma das fases de sucessão de elementos é possível acrescentar valor à fase anterior, em função daquilo que este representa, além do mais objetivo principal de uma cadeia de valores (Getz, 2000; Véronneau & Roy, 2009).

De acordo com Getz (2000) (Figura 2.3), à base de recursos naturais da região é acrescido valor quando estes são aproveitados para a atividade vitivinícola. O valor acrescido é essencialmente económico, mas também é cultural, social ou ambiental. A esta atividade é acrescido valor quando é produzido vinho, sendo que depois do processo de produção e engarrafamento, a exportação do vinho propicia valor acrescentado, predominantemente económico, à atividade. O vinho surge, assim, integrado numa série de eventos ou de atrações num pacote de destino e produto que adicionam valor à cadeia de valor na indústria do vinho (Correia, Passos Ascenção & Charters, 2004; Carmichael, 2005).

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Com o acréscimo a essa cadeia de valor, a atividade enoturística adiciona, desta forma, valor a todas as fases do processo até à exportação do vinho, já que o enoturismo contribui para o aumento da exportação de vinhos, uma maior notoriedade, publicitação e reconhecimento internacional do vinho, da marca e da região, contribuindo, consequentemente, para um melhor escoamento comercial. A valorização gerada com a atividade turística não se refere apenas à fase final da cadeia mas a todos os estágios deste sistema. Incluindo nesta cadeia um conjunto de produtos como a restauração, o alojamento, as salas de provas, a venda de produtos locais e a realização de eventos, faz com que as quintas e as adegas se tornem numa atração turística.

Figura 2.3 A cadeia de valor do enoturismo

Fonte: Getz (2000:10)

A reputação e exportações do vinho incentivam o turismo de um país (Sharples, 2002). Os consumidores que vivenciaram experiências numa região produtora de vinhos, recomendam essa região a outros, o que incrementa os fluxos turísticos para essa região (Zamora & Barril, 2007; Jaffe & Pasternak, 2004). O enoturismo atrai, desse modo, novos visitantes e proporciona visitas repetidas, criando relações com consumidores atuais, que desejam realizar experiências no mundo da vitivinicultura (Armas, 2008).

O enoturismo atrai igualmente um turista ético e responsável, que realiza gastos significativos (Lopez-Guzman et al., 2008). A degustação, como produto tangível que é,

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é um fator muito importante que reforça o apelo de toda a experiência, contribuindo também para uma exposição que poderá ajudar na construção de uma marca (O´Mahony, Hall, Lockshin, Jago, & Brown 2006).

Para Getz (2000), o enoturismo deve ser fun e educational, já que os consumidores querem aprender mais sobre o vinho. Na realidade o enoturismo permite aumentar o conhecimento sobre a região e todo o seu património, a vinha e o vinho e sobre todo o processo de produção e fabrico, tanto que o turista, na sua visita, interage diretamente com todo o pessoal que trabalha nas adegas (Mitchell & Hall, 2004). Deste modo, o turista, além de contribuir para o consumo dos produtos, promove em simultâneo a educação do gosto e a preservação da dimensão do prazer. A compreensão do turista por todo o método de produção vitivinícola é essencial para o sucesso de todas as atividades de marketing, já que os conhecimentos adquiridos permitem que ele tome decisões de compra (Tassiopoulos & Haydam, 2006).

As quintas e as adegas, ao criarem a possibilidade de os turistas adquirirem o vinho no próprio local, estão a promover, deste modo, através da sua venda, o desenvolvimento económico das regiões onde estão inseridas. As adegas podem assim promover não só a compra direta, o que melhora consideravelmente as margens de lucro, evitando os elevados custos de transporte e de intermediário, mas também desenvolver um relacionamento com os clientes e ajudarem a construir uma marca (McDonnell & Hall, 2008; Hall et al., 2002a; O’Neill & Charters, 2006).

Também a gastronomia associada aos vinhos apresenta uma grande zona de confluência, já que juntos representam uma experiência e um estilo de vida em que ambos são tangíveis (Shor & Mansfeld, 2010; Lopez-Guzmán & Cañizares, 2008). A gastronomia, indissociável na maior parte das vezes do vinho, é um dos principais motivos para se viajar para uma determinada região e não é necessariamente uma segunda atividade (Lopez-Guzman et al., 2008). A relação entre a gastronomia e o vinho é cada vez mais importante para o turismo, bem como para o entusiasta gourmet (Hall & Mitchell, 2000). Por exemplo, em França, as imagens de comida associada ao vinho são mais significativas em representar uma região do que as outras atividades turísticas, permitindo um posicionamento estratégico regional mais abrangente (Charters, 2009). O vinho contribui assim, como catalisador, no desenvolvimento de uma gastronomia regional.

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O enoturismo cria também sinergias entre diferentes atividades, como, por exemplo com o alojamento, setor com o qual tem um grande nível de complementaridade, permitindo que o turista usufrua de um alojamento típico numa área tradicionalmente rural. O mercado do turismo de vinhos, não segue necessariamente as tendências sazonais dos mercados tradicionais do vinho e permite compensar os períodos de menor procura, promovendo deste modo as taxas de ocupação hoteleira das regiões em causa (Frochot, 2004).

Há necessidade, da parte dos gestores das empresas ligadas à produção do vinho, de encontrar forma de ligação a outras ofertas que não apenas o vinho, fazendo com que este se transforme numa motivação que poderá converter outros recursos como um espaço complementar à cultura do vinho (Sparks & Malady, 2006; Medina & Tresseras, 2008). O vinho, para criar maior nível de atratividade e deslocar turistas a uma região, deve promover atividades complementares relacionadas com a recreação (Alonso & O’Neill, 2009). Assim os gestores promovem novos eventos e infraestruturas que são fundamentais para o sucesso de áreas regionais (Tassiopoulos & Haydam, 2006).

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