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CAPÍTULO III: Novos Leitores Novos Textos

2.3 A Orientação Política de D Nery, Uma Política de Deus

2.3.1. A Carta Pastoral de 1913 – Ação do clero nos tempos atuais

orientações do papa Pio X, D. Nery publicou uma carta pastoral Sobre a Ação do Clero nos

tempos atuais68, na qual, também, manifestava-se contrário à presença do padre na política

partidária. Como a Igreja, recentemente, pregava que os padres não deveriam se envolver com a política, era preciso apresentar uma nova interpretação que justificasse aquela mudança de orientação, o que, especialmente no Brasil, se tratava de uma prática até comum, como já apresentei anteriormente. Segundo a nova orientação, caberia aos padres a direção espiritual daqueles que deveriam ocupar o espaço na vida política, os leigos. Eis porque incentivá-los a participarem da política.

Para garantir autoridade à sua carta D. Nery recorreu um texto espanhol: A Carta Pastoral Instruccion sobre la Accion Social del Clero, de 1910, do arcebispo de Valência,

66 rien ne lui paraît (au Saint Pére) plus pratique qu’appeler tous les gens de bien à s’unir sur le terrain

nettement catholique et religieux conformément aux directions pontificales DANSETE, A. Histoire Religieuse de la France Contemporaine, Paris, Ed. Flamarion, 382.

67 Pastoral Coletiva dos Senhores Arcebispos das Províncias Eclesiásticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro,

Mariana, São Paulo, Cuiabá e Porto Alegre Rio de Janeiro, 1910, op. cit., cânon 1254, 7. (O grifo é meu).

68 NERY, J. B. C., Carta Pastoral Sobre a Ação do Clero nos tempos atuais, op. cit.

Espanha, Victoriano Guisasola y Menéndez69, da qual apropriou quase que o texto integral, para montar três quartos de sua carta, cuidando de traduzi-lo e adaptá-lo, fazendo as modificações necessárias. Implicitamente, sem citar o autor, como fez com o texto espanhol, a carta ainda tinha por base um outro texto, já citado anteriormente, a carta pastoral Les Catholiques et les elections de 1906, do bispo francês Joseph Delamaire70. A opção de D. Nery em citar o texto do bispo espanhol, parece justificar-se por se tratar de um texto mais conservador que preservava a imagem do clero como responsável por uma missão especial, o cuidado com espírito, enquanto que a política, por ser mundana, poderia ser exercida por leigos para preservar os eclesiásticos.

Nesta carta D. Nery reproduzia a cultura religiosa dominante da romanização que via a função religiosa do padre como importante elo para o bom funcionamento da sociedade. D. Nery lembrou aos sacerdotes que eles deviam:

[...] aproximar-se do povo, para ensinar-lhe seus direitos e deveres; para guiá-lo na reivindicação de sua dignidade de homens e de cristãos, para romper-lhe os laços que o prendem a uma verdadeira escravidão econômica e moral, para evitar que ele se lance na anarquia, dominado pelo espírito de destruição, para fazer que reine entre todos a caridade cristã71.

69 GUISASOLA y MENÉNDEZ, V., “Instrucción sobre la Acción Social del Clero”, Boletín oficial del

Arzobispado de Valencia, n° 1600 3/01/1910.

A referida carta foi escrita com o objetivo de orientar o clero para que não participasse da política partidária, como incompatível com a função sacerdotal. A razão do envolvimento da Igreja com a política foi explicitada quando o bispo responsabilizou o capitalismo como responsável pela pobreza material, mas afirmou que o socialismo era pior, porque destruía a religião. Tomando partido a favor do liberalismo ele afirmou, que seria um erro reduzir a causa dos problemas sociais ao econômico. Caberia a Igreja, por meio de sua ação formadora das consciências cristãs, infiltrar a paz para extirpar o mal que inundava a sociedade. Assim, a primeira ação social da Igreja Católica seria a evangelização, entendida como a moralização da sociedade, com leis cristãs que regulariam a harmonia entre os direitos individuais com o direito social e público. Para esta obra de restauração da sociedade, segundo o lema do papa Pio X, a Igreja contaria com o Estado, as associações e os católicos leigos. Nesta obra, a função do padre, o verdadeiro amigo do povo, seria doutrinar os católicos, mostrando que eles tinham direitos e deveres, e que a obra social havia um fim religioso. Assim, segundo a orientação do papa Leão XIII, ele lembrava que o clero devia ir ao povo, cada vez mais afastado da Igreja, e ao mesmo tempo atraído pelo socialismo anárquico. O bispo afirmou que o envolvimento dos padres franceses, italianos e norte americanos na política, resultaram em tristes frutos. Lembrava, então, que o magistério de Pio X tinha orientado que os padres não participassem diretamente da política, pois tal ação desfiguraria o caráter sacerdotal. O programa para a colaboração do clero na Ação Social seria a retomada da evangelização, razão de ser da Igreja, através da catequese, do culto eucarístico, da comunhão diária e criação das mais variadas associações. O texto termina dizendo, que se fosse o caso de uma intervenção do padre na política partidária, este poderia acontecer somente com licença do arcebispo.

70 DELAMAIRE, J. F., Les Catoliques et les elections de 1906, op. cit.

71 NERY, J. B. C., Carta Pastoral Sobre a Ação do Clero nos tempos atuais, op. cit, pp. 9-10 e 12.

Ao atribuir ao padre a responsabilidade de formar consciências, D. Nery procurava reconstruir uma imagem de padre que fosse acessível e próxima ao povo, o que revela a existência de uma desvinculação entre o discurso e a prática do clero. Como na primeira carta pastoral, D. Nery criticava os padres que incorporavam os valores do individualismo e do materialismo. Ao mesmo tempo, lembrava que em função do caráter religioso da missão social, o padre deveria evitar equívocos que descaracterizavam a função sacerdotal. De forma explícita, posicionando-se contra a participação dele na política, D. Nery assim manifestou-se: O excessivo entusiasmo e a falta de prudência com que muitos têm

enveredado por essa senda, já arrancaram gemidos desolados da Santa Igreja de Deus e se tornaram para alguns, motivo de perdição. Apropriando-se das palavras do bispo espanhol,

D. Nery afirmou que a ação do clero deveria ser a evangelização, a catequese, a divulgação do culto eucarístico, o incentivo a comunhão diária e criação de associações religiosas72.

Na quarta parte da carta, D. Nery transcreveu os cânones da Carta Pastoral Coletiva do Episcopado de 1910 que fundamentavam a necessidade de se criar nas paróquias associações que orientassem os fiéis em sua conduta política. Era a mais nova estratégia do episcopado para ampliar uma base de católicos preparados para a defesa da Igreja e desvinculá-los da identificação de um partido católico.

Desde sua primeira carta pastoral, D. Nery incentivou a criação de Associações Católicas. Na carta de 1913, ele acrescia-lhes uma nova função: o envolvimento na Ação Social da Igreja. Para tanto, reproduzia o texto da Conferência de 1910 que havia determinado:

[...] dirigir os espíritos em ordem aos direitos e garantias que as leis do país oferecem a todos os cidadãos e, por conseguinte, também aos católicos [...] podem e devem os católicos fazer valer os seus direitos [...] e pugnar perante as autoridades civis pela liberdade da Igreja [...]. É indispensável que os bons concorram às eleições e procurem por todo os meios lícitos, arredar do governo os ímpios de idéias e costumes corrompidos, não se deixando acovardar pelas ameaças dos sectários. Nas circunstâncias atuais, dependendo do êxito das eleições políticas a escolha do bom ou mau governo do país, e daí o bem estar ou mal estar da Igreja entre nós, é claro que os católicos, como membros do Estado e filhos da Igreja, devem tomar parte nas eleições e propugnar com seu

voto e sua influência pela derrota dos candidatos perversos e pelo triunfo dos homens de bem, sinceramente católicos, únicos capazes de promover a prosperidade da pátria73.

72 idem, 12.

73 Pastoral Coletiva dos Senhores Arcebispos das Províncias Eclesiásticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro,

Mariana, São Paulo, Cuiabá e Porto Alegre Rio de Janeiro 1910 , op. cit., cânones 1244 , 1245 e 1247. (O

grifo é meu).

Embora sugerindo a necessidade de incentivar os católicos, o documento do episcopado, não dizia como isso deveria ser feito. D. Nery, rapidamente, em sua carta explicitava como julgava que deveria ser a Ação Social da Igreja: Orientai, portanto, os

membros da Associação Central das Sociais ou qualquer outra de modo a organizar, precedendo licença nossa, à Liga Eleitoral Católica com sua respectiva diretoria74.

D. Nery recorria à interpretação neo-tomista do papa Leão XIII sobre a participação política. Se todos os cidadãos tinham direitos políticos, o conjunto de cidadãos católicos poderia e deveria eleger candidatos que defendessem os valores católicos. Com isso, introduzia uma reflexão importante sobre a intersecção dos campos político e religioso na vida das pessoas. Esta reflexão permite entender o embate da Igreja com o liberalismo que desejava restringir a ação da Igreja às sacristias, isto é, ao interior das Igrejas. Esta nova prática social dos católicos revelava a força política da Instituição que utilizando a distinção entre tese e hipótese se apropriava e usava o discurso liberal a seu favor.

O texto de Delamaire ajuda a compreender a intenção de D. Nery e, por conseqüência, do episcopado. Era preciso manter aquela configuração social, granjear cada vez mais o apoio dos mandatários do país e evitar que elementos indesejados alcançassem o poder. D. Nery não foi tão explícito como o bispo francês, mas o cotejamento deste texto com a Pastoral de 1915 revelam a implícita relação.