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CAPÍTULO I: A Visibilidade da Romanização

3. A Criação da Diocese de Campinas

Depois de 1889, após a Proclamação da Republica, a Igreja procurou estabelecer novas bases com a finalidade de aumentar sua influência política e pastoral. Em um primeiro momento, criou novas dioceses nos Estados, nos quais, ainda, não havia um bispado. Na primeira década do século XX foram contempladas outras cinco capitais completando, assim, o que Sergio Miceli analisou e denominou como estadualização do poder eclesiástico34. Paralelamente, neste mesmo período, deu-se início a uma nova fase, a criação de dioceses em cidades importantes nos diversos Estados. Sendo assim, quatro cidades de Minas Gerais, três no Rio Grande do Sul, duas em Mato Grosso e cinco no Estado de São Paulo tornaram-se novas dioceses. Em 1908, através da bula Diocesum

Nimiam Amplitudinem o papa Pio X elevou a diocese de São Paulo a arcebispado, e criou

cinco novas dioceses: Taubaté, Botucatu, Ribeirão Preto, Campinas e São Carlos que passaram a constituir a Província Eclesiástica de São Paulo35.

A importância política da região e a força das oligarquias locais que articularam junto aos eclesiásticos e à nunciatura a escolha de suas cidades foram determinantes para que elas fossem elevadas à dignidade de sedes episcopais. As três últimas dioceses estavam

33 Idem, 18 e 47.

34 MICELI, Sergio, A Elite Eclesiástica Brasileira, op. cit, pp. 59-80.

35 LEOPOLDO E SILVA, Duarte, Decreto de Constituição da Nova Província Eclesiástica de São Paulo

no Brasil e de ereção de cinco Novas Sedes Episcopais, em Anunciando a Constituição da Província Eclesiástica de São Paulo, Cardozo, Filho & Cia, 1908, 24-25.

alinhadas pelas estradas de ferro da Mogiana e da Companhia Paulista, pela qual escoavam o café produzido nestas regiões.

Apesar dos efeitos devastadores da febre amarela, Campinas se esforçava para reconstruir-se e fez isso incentivando a produção de café e a nascente industrialização que contou com a mão-de-obra estrangeira que povoava a cidade. Desde o final do século XIX, a região concentrava uma importância política significativa. Desde a fundação do Partido Republicano Paulista, em Itu, em 1873, a elite mostrava seu interesse em participar dos rumos políticos do país.

Politicamente conservadora e positivista, a elite da região apoiou o projeto religioso do bispo de São Paulo, D. José de Camargo Barros, e articulou junto a outros eclesiásticos ultramontanos a criação da diocese de Campinas, dentre eles o próprio D. Nery e o padre Campos Barreto36. D. Nery, em sua primeira carta indicou a existência de uma comissão

encarregada pela criação do bispado que ele nomeou como a alma daquele

empreendimento. A poliantéia do cinqüentenário da diocese de Campinas indica que o senador Francisco Glicério, Orozimbo Maia e César Bierrembach, ao lado de outros homens importantes, fizeram parte daquela comissão37. A criação da diocese de Campinas foi desejada, articulada e esperada por muitas pessoas, o que parece indicar que se tratava de um projeto partilhado por muitas pessoas que tinham assimilado a nova eclesiologia romanizada. Porém, especialmente um texto relata uma certa resistência eclesiástica à criação da diocese pelo fato da cidade de Campinas, ser muito próxima à cidade de São Paulo. Sendo assim fica claro que foi, somente, com a criação da nova Província Eclesiástica de São Paulo é que foi atendido o pedido dos campineiros, do qual D. Nery foi um grande defensor38.

Também, convém considerar a existência de uma preocupação católica com o aumento dos não católicos na região de Campinas. Com a derrota dos Confederados na Guerra da Secessão dentre os sulistas que imigraram para o Brasil vários grupos se fixaram

36 NERY, J. B. C., Carta Pastoral Saudando os seus Diocesanos, São Paulo Typ. Brasil de Rothschild & Cia, 1908, p. 29.

37 Poliantéia do cinqüentenário da Diocese de Campinas 1908-1958, São Paulo, Linografia Ed. Ltda, 1959, pp. 12 -15.

38 Cf. o testemunho de Bruno Chaves, Ministro do Brasil junto ao Vaticano, em OCTÁVIO, Benedito (org.),

Saudosa Homenagem a Dom Nery, op. cit., pp. 118-123.

na região de Campinas com escolas e igrejas próprias, para preservar os traços culturais. A cidade de Campinas, em 1870 foi escolhida pela Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana, dos Estados Unidos, para receber a sua primeira base missionária. No mesmo ano, os missionários George Norton e Eduardo Lane fundaram a Igreja Presbiteriana e, em 1874, construíram o Colégio Internacional. Em 1888, o Senado Presbiteriano do Brasil idealizou e aprovou o projeto de fundar um Seminário Teológico. Após tentativas frustradas de construí-lo nas cidades de Nova Friburgo e São Paulo, em 1907, resolveu-se que ele seria instalado em Campinas no prédio do Colégio Internacional que fora desativado em 1892 em função dos efeitos da epidemia de febre amarela, da qual foi vítima Eduardo Lane39. O Seminário Presbiteriano do Sul foi a primeira escola de nível superior implantada na cidade de Campinas.

Em 1866 chegaram os primeiros americanos na região que foi nomeada como Santa Bárbara D’oeste na qual começaram a cultivar algodão. Em 1875 foi instalada pela Companhia Paulista de Estrada de Ferro a Estação de Santa Bárbara, em torno da qual se originou um novo povoado que passou a ser conhecido como Vila dos americanos. Logo foi inaugurada a fabrica de tecidos Carioba, a qual contribuiu para o crescimento da cidade que recebeu o nome que identificava aquela região. Em 1895 foi fundada a primeira Igreja Presbiteriana em Americana, enquanto que a primeira paróquia católica foi fundada somente em 1900.

Em 1881, a missionária Marta Hite Watts se instalou na cidade Piracicaba, para fundar a primeira escola metodista brasileira, o Colégio Piracicabano, com a missão de educar as moças brasileiras e instituir as bases para o fortalecimento da Igreja Metodista na América Latina. Também, na cidade de Nova Odessa, em 1906 imigrantes letões fundaram a primeira Igreja Batista Leta40.

Evidentemente que a presença destes protestantes não passou despercebido da Igreja católica que buscou formas para garantir espaços católicos naquelas regiões. Nesta perspectiva a criação da diocese de Campinas se inseria dentro de um projeto de recuperar

39 BENCOSTTA, Marcus Levy Albino, Educação Escolar Norte –Americana no Brasil do século XIX.

Trajetórias Históricas de um Colégio Protestante em São Paulo (1869-1892), em DEMARTIANI, Zélia de

Brito F., (org.) Memórias da Educação Campinas (1850-1960) CMU-Publicações/Unicamp, 1999. pp. 145- 168.

40 BASSINI, Marili, Religião e Identidade Étnica: A Primeira Igreja Leta de Nova Odessa (1906-1922 e

1980-2002) CAMPINAS, IFCH-UNICAMP, 2003.

e/ou criar espaços sociais ao lado de outras instituições religiosas ameaçavam a estabilidade da instituição.

Feitas estas considerações, é possível entender que a criação da diocese foi o momento alto das reformas religiosas iniciadas pelos antigos bispos de São Paulo, pela realização de duas visitas pastorais à cidade, ainda no século XIX e, pela presença de padres formados no seminário de São Paulo que, paulatinamente, vinham reformando as paróquias segundo aquela mentalidade. Neste processo o cônego Vieira, o próprio padre Nery que exercera o ministério por dez anos em Campinas; o padre Barreto que, em 1911, foi nomeado bispo, e tantos outros, exerceram uma prática social católica que sinalizaram a efetivação de uma tendência cada vez mais romanizadora na região da cidade de Campinas. Esses elementos associados às novas condições da Igreja na República, o desejo da Santa Sé de multiplicar sua base na América Latina, as articulações dos cafeicultores, propiciaram o fortalecimento da romanização em Campinas.

Diferentemente de muitas outras dioceses, Campinas tinha uma relativa tradição que favoreceu a rápida implantação de um bispado. A escolha de D. Nery, como bispo da cidade, indica que foi escolhido um bispo experiente e capaz de dar continuidade ao projeto iniciado, com a finalidade de aumentar a influência da Igreja junto aos outros segmentos da sociedade. Entende-se, portanto, que a montagem das estruturas humanas e físicas na diocese, além de ser uma necessidade econômica, organizacional e pastoral davam uma maior visibilidade à Igreja e ao seu projeto de mostrar à sociedade que a Igreja era um organismo vivo e ativo. Visto por este prisma, os bispos foram mais que empreendedores, ou bispos empresários, como os qualificou Miceli41.

Ao contrário de Bencostta, esta dissertação pretende demonstrar que a nomeação de D. Nery para Campinas não se deu em razão da necessidade de romanizá-la. Desde 1861, quando a região, ainda, era parte integrante da diocese de São Paulo, o processo do ultramontanismo ou romanização da Igreja se consolidava, pouco a pouco, através da interação de práticas sociais e religiosas uniformes, sugeridas pelo clero ultramontano e pelas práticas religiosas, quase sempre múltiplas, da comunidade católica. Através de um processo de seleção e assimilação das novas práticas é possível verificar a existência de uma simbiose entre os sentidos católicos existentes, na qual acabou predominando os

41 MICELI, Sergio, A Elite Eclesiástica Brasileira, op. cit., p. 21.

valores da romanização. Ainda que possa ser identificada uma forte interferência institucional através das práticas sugeridas pelo clero, é necessário afirmar que o projeto romanizador, por si só, não conseguiria se impor se não tivesse havido uma demanda religiosa, na qual muitas pessoas passaram a compartilhar daquela nova eclesialidade.