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CAPÍTULO I: A Visibilidade da Romanização

5. A Prática Social de D Nery como bispo de Campinas

5.2. O Congresso Diocesano: Divulgar a Ação Social da Igreja

5.3.3. A Escola Católica como Espaço para a Formação Militar

Provavelmente, D. Nery foi um das primeiras pessoas a se preocupar com a inclusão da formação militar no currículo dos colégios católicos. Por mais paradoxal que seja, desde 1916, um oficial do exército brasileiro ocupava-se desta tarefa na Escola Salesiana de Campinas. Fernando de Azevedo registra que esta prática existente no Ginásio do Estado de Belo Horizonte, desde 1914 a qual era, também, ministrada por um militar, tinha como a finalidade treinar os alunos para as apresentações em dias de festas e solenidades civis. Por entender que aquela prática não colaborava na formação humana dos adolescentes, além do perigo que comportava, Azevedo, posicionando-se contrário, se empenhou para que aquela instrução paramilitar fosse substituída por aulas de educação física. A História da Educação o considera como um dos pioneiros desta proposta pedagógica no Brasil101.

No ano de 1917, D. Nery conseguiu autorização do Presidente Wenceslau Braz para que mil e duzentos alunos, de três colégios salesianos: São Paulo, Campinas e Lorena, participassem do desfile militar, na capital do país, por ocasião da comemoração cívica de

100 RODRIGUES, Ana Maria Moog, Prefácio em MARIA, Júlio, A Igreja e a República , Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1981, p. 7. Originalmente o nome da obra dessa obra foi Memória sobre a Religião,

Ordens religiosas, Instituições Pias e Beneficentes no Brasil, publicado em 1900, como segundo capítulo do Livro do Centenário. Em 1950 foi reeditado, duas vezes, pela Editora Agir com o nome O Catolicismo no Brasil.

101 AZEVEDO, Fernando de, História de Minha Vida, Rio de Janeiro, Livraria José Oympio Editora, 1971, pp. 38-39.

sete de setembro. Ele, ainda, intercedeu junto ao Ministro de Guerra, Marechal João Caetano de Faria, para que fosse concedida para aqueles alunos a Carteira de Reservista102.

A brigada branca – nome atribuído aos adolescentes militares católicos, por causa da cor dos seus uniformes –, era mais uma representação da união da Igreja com o Estado. O Jornal do Brazil veiculou texto que descrevia a apresentação da ginástica sueca, na qual os alunos, formando pirâmides humanas, mostravam faixas com dizeres políticos e religiosos: Salve o Rio de Janeiro; Salve Bandeira Gloriosa; Unidos pela grandeza da

Pátria; Viva São Paulo; Viva o Brasil; Ao pontífice da Paz Bento XV; Por Deus e pela Pátria!. Todas estas frases apresentadas pelos pequenos soldados mostravam que a religião

católica alinhava-se à tradição, à ordem e à disciplina, valores fundamentais compartilhados pelos detentores do poder no Brasil. Na verdade, D. Nery desejava mostrar ao governo que não havia incompatibilidade entre as práticas sociais da Igreja e do Estado103.

Interessante notar que, sendo um eclesiástico, e em função dos princípios e convicções religiosas, também, D. Nery deveria ser contra atividades militares, tal como defendeu Azevedo. Porém, mais interessante ainda, é que nenhuma das obras que o homenagearam ousaram criticar aquela sua posição, o que implica afirmar que seus autores, também, compartilhavam do ideal de se incutir nos jovens os sentimentos de devoção a pátria, tal qual uma religião.

Pesquisadores da instituição salesiana, Negrão e Meschiatti afirmaram que a instrução militar jamais poderia ter sido parte do programa dos colégios salesianos, dado que a característica pedagógica daquela instituição era seguir fielmente a orientação pedagógica determinada pelo fundador, denominada de sistema preventivo a qual, naturalmente, se opunha ao repressivo, exercido pelo Exército Brasileiro. Além do mais, a orientação de D. Bosco, presente nas Constituições daquela congregação religiosa, insistia que dentro dos colégios e oratórios as relações pessoais deveriam ser as mais familiares

102 O Jornal O Mensageiro de 19 de setembro de 1917 publicou Pomposas festas em comemoração ao

aniversário da Independência Nacional – Parte brilhante tomada pelo batalhão escolar do Liceu de N. S. Auxiliadora.

103 NEGRÃO, Ana Maria Melo, Educar para a Cidadania através de valores católicos: Liceu Nossa Senhora

Auxiliadora em DEMARTINI, Zélia de Brito F., (org.) Memórias da Educação Campinas (1850-1960) op.

cit., p. 234.

possíveis104. Desta forma, os pesquisadores buscaram compreender as razões que levaram os salesianos a transformarem os colégios paulistas em casernas, instaurando neles aquela nova prática social.

Negrão aponta para um fato que justificaria o interesse da escola e de D. Nery na militarização da escola católica. Ela lembra que a reforma educacional, promovida pelo ministro Carlos Maximiliano, em 1915, determinou que, apenas, as escolas laicas poderiam ser equiparadas ao Colégio D. Pedro II, considerada como escola padrão. A autora afirma que a militarização foi uma estratégia propagandista para que a escola alcançasse o almejado reconhecimento do governo. Ela, ainda, indica que a escola saiu vitoriosa daquela manifestação pública e logo alcançou credibilidade pública pela excelente formação católica e militar incutida nos jovens, que os transformava, ao mesmo tempo, em soldados de Cristo e da República. Quanto ao fato de os salesianos desrespeitarem as orientações do fundador, ela afirma que na dinamicidade da história, naquele contexto ser honesto cidadão

e bom cristão se concretizava nas estruturas sócio-políticas que deveriam vincular a Igreja ao Estado105.

Uma outra justificativa pode ser encontrada na preceptiva religiosa. Especialmente, o quarto mandamento bíblico, o qual determina honrar pai e mãe, tem diretas relações com o patriotismo. Em 1917, por ocasião da primeira guerra mundial, através de carta pastoral D. Nery solicitou aos párocos que apoiassem os militares e incentivassem os jovens a se engajarem nas forças militares, despertando neles o patriotismo106. Nesta perspectiva, o aprendizado militar se justificava na defesa da honra da mãe pátria, tal qual a defesa dos genitores.

Mais uma vez, D. Nery encarregou-se de dar novos significados, em redimensionar práticas e a partir delas lançar novas práticas que beneficiassem a relação entre Igreja e o

104 MESCHIATTI, José Eduardo Sonho de Moral – Presença Salesiana em Campinas, Campinas, FE – UNICAMP – 2000, dissertação de mestrado, p. 72 e NEGRÃO, Ana Maria Melo, Educar para a Cidadania

através de valores católicos: Liceu Nossa Senhora Auxiliadora em DEMARTINI, Zélia de Brito F., (org.) Memórias da Educação Campinas (1850-1960) op. cit., p. 235.

105 NEGRÃO, Ana Maria Melo, Educar para a Cidadania através de valores católicos: Liceu Nossa Senhora

Auxiliadora em DEMARTINI, Zélia de Brito F., (org.) Memórias da Educação Campinas (1850-1960) op.

cit., pp. 231-236

106 NERY, J. B. C., Carta Pastoral por ocasião da entrada do Brasil na Grande Guerra, Campinas, Typ. Casa Genoud, 1917.

Estado. Na demonstração militar dos pequenos soldados todos ganharam, o colégio tornou- se conhecido, o que fez aumentar o número de alunos e D. Nery alcançou reconhecimento do Estado e da sociedade civil.

Ao abordar a prática social de D. Nery na diocese de Campinas, desejei mostrar que ele um excelente propagandista da Igreja. Cuidando de seus afazeres eclesiais, ele foi um eficiente articulador das novas relações entre a Igreja e os detentores do poder do Estado que foram implantadas depois de sua morte.