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CAPÍTULO I: A Visibilidade da Romanização

2. A Cultura Ultramontana em Campinas

2.1. Dom Bosco: Uma moderna Inspiração

Com pouco mais de dois anos de sacerdócio, em 1889, o então padre Nery, viu Campinas ser dizimada por um surto de febre amarela, da qual, também, ele foi acometido. Para socorrer os órfãos daquela epidemia ele se associou à senhora Maria Umbelina Couto que idealizava construir um abrigo para os órfãos. Em 1892, as famílias Geraldo de

Rezende e Bueno de Miranda doaram a área de 44.443 metros quadrados para a construção

de uma obra pia para os meninos. Para as primeiras instalações, D. Nery articulou junto à sociedade campineira formas para angariar fundos. Sua principal atividade foi a organização de peças teatrais que lhe valeram mais de trezentos contos de réis, dinheiro suficiente para as primeiras obras, posteriormente outra doações foram recebidas27.

Em 1893, o então padre, Nery iniciou a busca de contato com os Salesianos para assumirem aquela obra. Segundo Ana Maria Melo Negrão, o motivo que levou, o então, padre Nery a escolher a Congregação dos Salesianos foi que ela era a única capacitada para assumir tal obra educacional, pois as demais congregações existentes no Brasil dedicavam-

26 NEGRÃO, Ana Maria Melo, Arcadas do tempo: O Liceu tece 100 anos de História, op. cit., pp. 36-38. 27 Idem, 198 e BENCOSTTA, Marcus Levy Albino, Igreja e Poder em São Paulo: D. João Batista Correa

Nery e a Romanização do Catolicismo Brasileiro (1908-1920). op. cit., p. 31ss. Ana Maria Melo Negrão,

afirma que o grande benemérito da obra de Nery foi o Barão Geraldo de Resende, dono de grande propriedade em Campinas. Ele militou no Partido Conservador e exerceu a vereança de 1883 a 1886. Foi deputado geral participando do Parlamento Nacional que antecedeu a Proclamação da República. O próprio título de barão, foi concedido por D. Pedro II, como reconhecimento pelo espírito público que desempenhou suas funções políticas. NEGRÃO, Ana Maria Melo, Arcadas do tempo: O Liceu tece 100 anos de História, op. cit., pp. 31.

se ao ensino da elite brasileira28. O fascínio que o carisma salesiano exerceu sobre D. Nery permite compreender seu universo religioso e o interesse pela prática social e política da Igreja.

D. Bosco foi um padre italiano que viveu entre os anos de 1815 a 1888. Em 1934, foi canonizado por Pio XI, sendo considerado apóstolo da juventude. Este santo, foi padre diocesano, mas desde o início de seu ministério, privilegiou o cuidado dos jovens pobres, alguns expulsos do campo, outros atraídos pela modernidade que se transferiam para as cidades com a finalidade de exercer profissões humildes nas nascentes industrias. D. Bosco temia que os solitários jovens perdessem as poucas referências familiares e fossem seduzidos pelos costumes urbanos, segundo ele, contrários a religião católica. Em 1869, com membros dos oratórios, D. Bosco fundou a congregação religiosa masculina que recebeu o nome de Pia Sociedade de São Francisco de Sales29.

A oportunidade para a congregação crescer surgiu, por volta de 1863, quando foram promulgadas as leis que proibiam o ensino religioso nas escolas públicas, o que levou diversos católicos a procurarem D. Bosco para pedir-lhe que fundasse colégios católicos. D. Bosco aceitou com a condição de que ao lado de cada colégio houvesse um oratório para as crianças pobres, rapidamente multiplicaram-se os colégios, as escolas de aprendizes, as

escolas agrícolas, contribuindo para alimentar as forças católicas, não só na Itália, mas em todo o mundo30.

Estava posta a função social da congregação. Além de formar intelectualmente os filhos dos católicos liberais para que continuassem a manter seus lugares na estrutura social, ela formava profissionalmente os filhos dos pobres para trabalharem nas indústrias. Transmitida, simultaneamente, nas escolas e nos oratórios, a catequese católica incutia nos jovens uma moral religiosa que justificava a tradicional divisão da sociedade, entre pobres e

28 NEGRÃO, Ana Maria Melo, Educar para a Cidadania através de valores católicos: Liceu Nossa Senhora

Auxiliadora em DEMARTINI, Zélia de Brito F., (org.) Memórias da Educação Campinas (1850-1960) op.

cit., pp. 201-202.

29 São Francisco de Sales, que viveu entre 1567 e 1623, foi contemporâneo das implantações do Concilio de Trento. Este por sua vez fundou conjuntamente com Santa Joana Francisca de Chantal, a Ordem da Visitação, na França, em 1607, uma ordem sem clausura que era aberta às mulheres idosas e debilitadas. De forma semelhante a Francisco de Sales, em 1872, com objetivo de formar as jovens desvalidas, D. Bosco associou- se à irmã Maria Domênica Mazzarello na fundação do Instituto Maria Auxiliadora.

30 NEGRÃO, Ana Maria Melo, Arcadas do tempo: O Liceu tece 100 anos de História, op. cit., pp. 37 e 38.

ricos. Em 1877, D. Bosco afirmou em uma carta ao presidente das Conferências de São Vicente na cidade de Bueno Aires:

[...] a experiência nos persuadiu de que este é o único meio para sustentar a sociedade civil: tomar

conta dos meninos pobres. Recolhendo meninos abandonados, aqueles que seriam para sempre um flagelo da sociedade civil tornam-se bons cristãos, honestos cidadãos, glória dos lugares onde moram, ganhando honestamente o pão da vida com o suor e com o trabalho31.

Revela-se aqui, a percepção de que a religião não controlava mais a sociedade. Para manter os princípios católicos era preciso criar espaços, nos quais os valores católicos podiam ser defendidos ou incutidos. Como qualquer eclesiástico de seu tempo, D. Bosco não questionava as causas que geravam aqueles problemas sociais. Ainda que tenha tido uma preocupação evangélica de socorro aos pobres, ele colocava a sua preocupação na manutenção dos valores católicos e, portanto, da manutenção da instituição. Neste sentido os colégios católicos foram espaços por excelência. D. Bosco, assim como tantos outros fundadores de congregações religiosas masculinas e femininas, dedicando-se ao carisma da educação, na idealização da formação de bons católicos, acabou servindo ao Estado liberal. A característica conservadora da Igreja, latente nos colégios católicos, serviu para legitimar a ordem estabelecida, da qual a Igreja sempre foi aliada.

Em D. Nery pode ser vista uma adequação dos ideais de D. Bosco, ao quais foram associados a pregação da dimensão social da Igreja presente na encíclica Rerum Novarum. D. Nery resolvia o problema dos menores abandonados, tirando-os da marginalização, impedindo-os de se transformarem em elementos indesejados pela sociedade e ao inseri-los numa escola profissional, preparava-os para serem úteis à sociedade capitalista. Todos ganhavam, inclusive a Igreja, pois, através de um de seus ministros, era construída a imagem de uma Igreja mais servidora e dedicada aos pobres.

Assim, noticiava o lançamento da pedra fundamental em 1892:

A pedra fundamental do Liceu de Artes e Ofícios é a pedra angular da instrução dos filhos do povo de Campinas. O que vai ser estabelecimento de educação eminentemente popular, pode-se desde já prever, sabendo-se que sua direção vai ser entregue aos padres salesianos, que no ensino manual não encontra termo de comparação com nenhum outro educador da mocidade, nas artes e nos ofícios, por meio dos quais, os meninos conquistam facilmente o meio seguro de ganhar o pão.32

31 Negrão afirma que D. Bosco ao escolher trabalhar com jovens pobres pensava em tirá-los da rua. Ele investia em escolas profissionalizantes como solução social à mão de obra especializada e à promoção do desempregado, inserindo-o no mercado de trabalho. NEGRÃO, Ana Maria Melo, Educar para a Cidadania

através de valores católicos: Liceu Nossa Senhora Auxiliadora em DEMARTINI, Zélia de Brito F., (org.) Memórias da Educação Campinas (1850-1960) op. cit., p. 200.

32 NEGRÃO, Ana Maria Melo, Arcadas do tempo: O Liceu tece 100 anos de História, op. cit., 22.

Tendo, em 1896, o então, padre Nery sido nomeado bispo da diocese do Espírito Santo, ele acelerou a obra e a inaugurou em 27 de julho de 1897. Não podendo mais dirigi- la, por meio de doação de propriedade, ele transferiu o Liceu de Artes e Ofício para a Congregação dos Padres Salesianos. No ano de 1898, foram instalados os primeiros cursos profissionalizantes: tipografia, alfaiataria, carpintaria e sapataria. Ainda no mesmo ano, os padres salesianos instituíram a formação para meninos filhos da aristocracia campineira33.