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A CCI como resistência à reprodução informacional das opressões

No documento ANNA CRISTINA C. DE A. S. BRISOLA (páginas 188-191)

3 DESINFORMAÇÃO: CONCEITOS, MECANISMOS E IMPORTÂNCIA

8) Política e de engajamento (c73)

5.2.2 A CCI como resistência à reprodução informacional das opressões

Evidentemente toda essa estrutura histórica, cultural e social que coloca as mulheres, os LGBTQI+, os negros, indígenas e não brancos na alteridade e subalternidade é reproduzida e reforçada nos sistemas e regimes informacionais. Este é um problema a ser considerado diligentemente na CCI. A ideia do homem como centro e dominador do mundo, do homem, cisgênero, héterossexual, branco como espécie e raça superior às outras, continua sendo espelhada nas vantagens evidentes que estes tem na sociedade, mantidas também pela informação, para o controle daqueles outros. É na continuidade da construção histórica que a informação é cunhada, na sua maioria, para manter o status quo.

É acompanhando esta historicidade que a sociedade reproduz o machismo sobre as mulheres e segue na lógica patriarcal, o que é evidenciado nos dados sobre mulheres. Está espelhado na objetificação das mulheres, na naturalização das violências verbais, ideológicas, emocionais, laborais, sociais, culturais, físicas e sexuais. Violências que assumem várias formas: silenciamento; subalternidade; salários menores; interrupção da fala por um homem; menor prestígio profissional e científico; naturalização de que é de responsabilidade da mulher a educação dos filhos e o cuidado da casa, restando a ela a maior parte destas obrigações; na fala machista que reproduz as opressões e diminuições; no assédio e no estupro; a lista é enorme.

O mesmo acontece com a comunidade LGBTQI+. A informação e os dados sobre eles é negligenciada, desinformada, reduzida, apagada, distorcida, negada e rejeitada. A violência, não aceitação e exclusão se perpetuam embasadas em “verdades” construídas ao longo da

história que sequer se sustentam cientificamente. Ainda que muitas destas máximas já tenham sido desmentidas cientificamente, elas seguem acolhidas e defendidas socialmente, e com unhas e dentes por fundamentalistas. A violência segue andando enquanto as leis e propostas, que pretendem garantir os direitos civis e humanos para os LGBTQI+, se arrastam sobre uma montanha de entraves empurrados pelas lutas deste grupo.

Negras e negros continuam escravizados e desumanizados, não mais nas senzalas, mas nas favelas, nas prisões, nos trabalhos subalternos, servindo os brancos, sendo alvo de violência e mortos. Isso se reproduz também na escassez de autores negros em nossas bibliografias e na linguagem racista, que é reproduzida e naturalizada. Está estampada na solidão da mulher negra, na falta de acesso, na repulsa a ações afirmativas, no apagamento de suas culturas, nas perseguições religiosas, na parca representatividade política, nos discursos de ódio e nos assassinatos e chacinas.

Indígenas continuam morrendo, sendo exterminados, e tendo suas terras e direitos roubados e invadidos. Quando muito há uma romantização do indígena ou a ideia de que ele civilizou-se. Uma cultura ancestral brasileira que é discriminada, diminuída e quase totalmente anulada, usando o indígena de uma maneira caricata e primitiva. O conhecimento indígena é negligenciado, inferiorizado ou ressignificado sob a ótica branca, mesmo a ameríndia sendo a cultura ancestral brasileira.

A práxis da CCI precisa ser vetor de reconhecimento e denúncia das desvantagens, marginalizações, apagamentos e dicotomias que invisibilizam atores, negam ou diminuem culturas e origens, criadas por uma estrutura social excludente e discriminatória e que impõe uma cultura dominante e opressora.

Se a informação reflete as naturalizações históricas, cabe ao ensino e propagação da CCI o olhar atento para as informações sob uma perspectiva crítica a respeito de gênero, feminismos, sexualidades e relações étnico-raciais, a fim de conscientizar aqueles que não estão na condição de oprimido e empoderar e emancipar aqueles que estão oprimidos. É através da percepção crítica da informação que o pensamento ingênuo transmuta-se em pensamento crítico, gerando consciência crítica que produz o comportamento crítico, esse é o percurso que a promoção da CCI pretende. Esse percurso é capaz de, chegando ao comportamento crítico, confrontar e transformar a estrutura histórica-social, romper a linha cultural e social construída através de anos de opressão.

Através do pensamento crítico, do desenvolvimento das dimensões da CCI, a relação com a informação se transforma, transformando também as atitudes e as demandas por mais informação. Quando o sujeito, que percebe-se fazedor da história, reconhece seus

preconceitos, discriminação, racismo, machismos, xenofobias, ele se vê confrontado com elas e, sendo crítico, rejeita-as e passa ao esforço de negá-las e transformar seus hábitos. Da mesma forma, aquele que se compreende parte de um grupo chamado de minoria, mas que faz parte da maioria oprimida, compreendendo suas raízes, as causas de sua condição e de sua opressão, olhando para isso de maneira crítica, revoluciona, exige a mudança da realidade, luta por ela. Neste caso a CCI, através do olhar crítico que evidencia as exclusões e opressões camufladas (ou não) nas informações e, através do esforço de equalizar estas ausências, estimula a busca e curiosidade por informações que venham deste lugar de fala, colabora para uma transformação dos sujeitos através da percepção de sua condição privilegiada ou oprimida.

Os sujeitos vitimados pela opressão (ou pelo acúmulo delas) de gênero, sexualidade, etnia ou raça, têm através do desenvolvimento da CCI o reconhecimento de onde estão no mundo, promovendo o empoderamento desses grupos e fortalecendo suas lutas. Para Freire (1986) o empoderamento não é individual e sim coletivo.

quando você se sente, individual-mente, mais livre, se esse sentimento não é um sentimento social, se você não é capaz de usar sua liberdade recente para ajudar os outros a se libertarem através da transformação global da sociedade, então você só está exercitando uma atitude individualista no sentido do empowerment ou da liberdade. (FREIRE; SHOR, 1986, p. 71)

Freire (1986) entende que ainda que o empoderamento individual ou de alguns não seja suficiente para a transformação da sociedade como um todo, é absolutamente necessário para o processo de transformação social. “O desenvolvimento crítico desses alunos é fundamental para a transformação radical da sociedade. Sua curiosidade, sua percepção crítica da realidade são fundamentais para a transformação social, mas não são, por si sós, suficientes.” (FREIRE; SHOR, 1986, p. 71). Assim, ainda que o empoderamento não seja tão amplo, caminha para a emancipação e para a liberdade.

Quando pensamos no desenvolvimento da CCI a respeito de um grupo e também empoderando este grupo, facilitamos os avanços na transformação social. Sob esta perspectiva a CCI ao transformar a relação com a informação, propicia a transformação dos sujeitos, dos grupos e por fim da sociedade, cumprindo o papel que se propõe.

No documento ANNA CRISTINA C. DE A. S. BRISOLA (páginas 188-191)