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Comoção (a32) : estímulo ao excesso de emoção e aderência a sentimentos e afetos mais do que à razão. O aspecto emocional atrapalha a análise racional e o sentido crítico no

No documento ANNA CRISTINA C. DE A. S. BRISOLA (páginas 88-91)

3 DESINFORMAÇÃO: CONCEITOS, MECANISMOS E IMPORTÂNCIA

2. Comoção (a32) : estímulo ao excesso de emoção e aderência a sentimentos e afetos mais do que à razão. O aspecto emocional atrapalha a análise racional e o sentido crítico no

indivíduo, abrindo uma porta de acesso ao inconsciente, enxertando ideias, desejos, medos, temores ou compulsões. A emoção é verdadeira, a informação pode até ser verdadeira, mas o indivíduo é despido de condições de perceber os mecanismos de distorção da realidade.

Serrano (2010) recorre à tese do filósofo francês Jean Baudrillard para exemplificar o mecanismo: “acontecimentos como os atentados de 11 de setembro supõem um ‘excesso de realidade’ que causam tal comoção que os cidadãos, em especial os estadunidenses, não conseguem buscar a conexão entre essa realidade e seu entendimento” (SERRANO, 2010, p. 33). Mediante o choque com o acontecimento e antes que se possa racionalizar, é entregue, rapidamente pelos meios, uma interpretação já pronta, aproveitando a situação emocional para imprimir sua leitura de mundo. “O único sentimento que alguém pode ter acerca de um evento que ele não vivenciou é o sentimento provocado por sua imagem mental daquele evento” (LIPPMANN, 2008, p. 29).

Os produtos informativos de multimídia têm mais poder ainda de manipular através das emoções, a partir da elaboração e apresentação de imagens, sons e texto. Através da

construção elaborada da mensagem, envolta em som, imagem e da maneira como estas são ordenadas, a informação pode despertar sentimentos (ódio, drama, indignação, rejeição, afeto, compaixão) antes mesmo que o intelectual/racional compreenda o que está sendo apresentado. Serrano cita Ramonet, explicando que existe uma conexão interna: se a emoção sentida é verdadeira, a informação deve ser verdadeira, e isso estabelece a conexão entre a emoção e a crença da verdade, sem passar pela diferença entre realidade e construção da realidade (SERRANO, 2010).

Construindo uma situação hipotética: uma adolescente caminha, de cabeça baixa, sozinha, no meio de uma rua sem carros e com prédios altos envelhecidos. Se essa imagem vem sonorizada com uma música melancólica, vai despertar a ideia de tristeza. A narração a seguir pode falar de perda, de angústia, de solidão. Mas se junto desta música existem sons de sirenes ou tiros, mesmo que ao longe, a sugestão será de conflito ou guerra, mesmo que a adolescente não esteja correndo. Se a mesma imagem é acompanhada de uma música romântica, no espectador é suscitada a ideia de que ela olha o ser amado ou uma mensagem dele, sugerindo romance. Se for melancólica: teria ela terminado com alguém? Se for mais alegre: estaria ela pensando no seu amor? A imagem pode estar falando do medo das mulheres ao andar sozinhas pela cidade, da busca dessa adolescente pela família perdida depois que uma cidade foi inteiramente abandonada, do bairro calmo que não tem quase circulação de carros e pessoas, tudo vai depender do som e da narrativa. Mas antes mesmo que a narrativa comece, o som e a imagem já despertaram os sentimentos.

O fato casual, a imaginação criativa e o desejo de crer são elementos que propiciam a falsificação da realidade no espectador ou expectador. Sob condições favoráveis, as respostas a ficções ou a realidades podem ter a mesma reação forte. Sem proximidade com os fatos, a emoção e o pensamento podem demorar a perceber a realidade, ou nunca perceberem.

A adaptação do ser humano se dá através do que Lippmann (2008, p. 30) chama de “ficção”, que ele não associa diretamente às mentiras. “A variedade da ficção se estende desde a completa alucinação até o uso perfeitamente consciente do modelo esquemático de cientistas, ou sua decisão de que para o seu problema particular a exatidão além de certo número de casas decimais não é importante”. Dependendo do grau de fidelidade da “ficção” e se este grau puder ser considerado, ela não é enganosa.

“O principal efeito dessa manipulação é que os órgãos de imprensa não refletem a realidade”. Perseu Abramo (2002) escreve isso em 1988 e acrescenta que a maior parte do material veiculado na mídia tem relação com a realidade, mas que essa relação é uma referência indireta à realidade, que distorce a realidade. Como se a imprensa se referisse à

realidade para apresentar uma nova realidade. Assim os usuários são colocados diante de informações que sobrepõem e contradizem a realidade. O indivíduo raramente tem como avaliar essas informações, assim, não percebe a realidade diretamente, mas a apreende pelos meios de comunicação. “A manipulação das informações se transforma, assim, em manipulação da realidade” (ABRAMO, 2002, p. 39). O indivíduo é compelido a vagar pela informação guiado como por um mapa. A dificuldade está em seguir os mapas nos quais estão expressos, sem transparência, as necessidades e vontades de outrem.

Daí a crítica de Chomsky (2014, p. 8 - 9) aos pensadores que defendem a ideia de “rebanho desorientado”, que é conduzido pelo impulso e emoção, e precisa ser guiado. Critica também a divisão da sociedade em classe especializada/intelectuais e expectadores ou rebanho desorientado, na qual o primeiro grupo cria ilusões e simplificações emocionais. Esta crítica indica o uso premeditado da comoção como mecanismo de desinformação. O “rebanho” é intencionalmente guiado pela informação para introjetar como verdade aquilo que lhe é oferecido e premeditadamente engendrado pela classe “especializada”. A emoção e os impulsos são usados como atrativos para conduzir as pessoas pela rota desejada, através dos mecanismos de manipulação da informação. Cerceando a autonomia do pensar e colaborando para a adesão à hegemonia. Manipulação que Chomsky condena.

A manipulação conduz a um pensamento hegemônico que molda a população. Relacionar esta condução com a moral vigente, remete ao que Martín-Barbero (1997) denuncia: que a mudança não está acontecendo no âmbito da política e sim no da cultura. A mudança de estilo de vida é mediada pelos meios de comunicação de massa. A família e a escola, tradicionais campos da socialização, não são mais espaços chave. Segundo o autor, os meios de comunicação começam modificando o vestuário e terminam provocando uma “metamorfose dos aspectos morais mais profundos”. As emoções são terrenos fundamentais para a manipulação dos aspectos morais que influenciam as relações interpessoais e a coletividade.

Assim, tudo que destoa do padrão é visto como estranho, feio, menor e/ou o outro. Exemplos disso podem ser vistos nas discriminações àqueles que não se enquadram, como nas expressões de homofobia, gordofobia, racismo, xenofobia, entre outros. Mas também as opressões relacionadas à objetificação das mulheres, a redução destas, dos negros, dos indígenas e dos pobres como menores, perdedores, preguiçosos, fracassados etc. A lista é enorme.

Martin-Barbero recorre a Edward Shils: “A sociedade de massa suscitou e intensificou a individualidade, isto é, a disponibilidade para as experiências, o florescimento

de sensações e emoções, a abertura até os outros [...], liberou as capacidades morais e intelectuais do indivíduo” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 58 - 59). A questão da manipulação através da emoção se agrava nas redes sociais, as bolhas favorecem a aderência às crenças e sentimentos alimentando os cliks que geram lucro.

O recurso de capturar a atenção com chamadas apelativas ou de duplo sentido não é novo, mas, “em tempos de internet e redes sociais, o recurso alargou seus limites, recebendo fortes impulsos em novas dinâmicas, sendo também chamado de clickbait” (CHRISTOFOLETTI, 2018, p. 73). Os clikbaits são postagens que utilizam chamadas sensacionalistas, chamativas ou polêmicas para captarem os cliks que geram lucros. Contudo, a informação que aparece depois do click não tem conteúdo relevante, nem necessariamente adesão com a chamada, ou trata-se de um assunto que foi distorcido na chamada.

Os clikbaits utilizam a curiosidade inerente ao ser humano para atrair a atenção e o

clik. São exemplos desse tipo de artimanha aquelas chamadas que aparecem depois das

notícias, mesmo em sites de jornais importantes, algo com uma imagem e uma chamada como: “10 celebridades que você não reconheceria na rua”. E por curiosidade, ganham o

click. Outro artifício é o da distorção: “Paul McCartney morre atropelado”, depois de clicar o

texto que aparece narra a tragédia de um cachorro, batizado com o homônimo do célebre cantor, que foi atropelado na frente de sua casa em Bombaim. Em um terceiro tipo a chamada não tem nada a ver com o texto: “Descubra como esse método milenar natural combate as rugas”, mas o conteúdo trata da venda de um produto antirrugas industrializado.

3. Omissão(a33): supressão deliberada de informações ou de partes de assuntos, fatos,

No documento ANNA CRISTINA C. DE A. S. BRISOLA (páginas 88-91)