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Novas dimensões propostas

No documento ANNA CRISTINA C. DE A. S. BRISOLA (páginas 155-188)

3 DESINFORMAÇÃO: CONCEITOS, MECANISMOS E IMPORTÂNCIA

8) Política e de engajamento (c73)

5.2.1 Novas dimensões propostas

Proponho aqui mais duas dimensões para a CCI, que como veremos mais adiante, fazem parte do repertório das pesquisas da área. Dimensões cuja percepção surgiu do contato no período de doutorado e escrita desta tese, em inúmeros diálogos com a doutoranda e parceira de escrita Andréa Doyle, que tem sua tese em construção concomitante à minha, tratando da questão de CCI e gênero, e com outras companheiras de pós-graduação e de escrita, que tratam das questões de gênero, feminismos, sexualidade e relações étnico-raciais que são trazidas nestes tópicos.

Estas dimensões se alinham com movimentos acadêmicos existentes e outros mais jovens que vem ganhando espaço na Ciência da Informação brasileira. Como marca dos

estudos de gênero e étnico-raciais na Ciência da Informação no Brasil temos Gilda Olinto e Mirian de Albuquerque Aquino. Olinto, tida como referência nos estudos de gênero, desde sua tese de doutorado (1994) “Reprodução de classe e produção de gênero através da Cultura” tratando do tema. Aquino é fundadora do Grupo de Estudos Formando Competências, Construindo Saberes e Formando Cientistas (GEINCOS). Formado em 2006 o grupo objetiva desencadear debates, discussões e reflexões sobre a temática etnicorracial, metodologias alternativas. Disseminar a informação para gerar conhecimento que vise reduzir o preconceito, a discriminação racial e o racismo nas universidades públicas. Considera a responsabilidade ético-social na produção de conhecimento como a condição fundamental para a construção de um novo projeto de educação que possibilite a inserção igualitária de negros (as) na pesquisa e o destravamento de um potencial intelectual historicamente interditado ao longo da história (CNPq, 2021, s.p.).

São exemplos da expansão atual destas linhas de estudo o selo Nyota e o movimento de Bibliotecários e Bibliotecárias Negros.

O selo Nyota nasce da iniciativa de duas bibliotecárias com pós-graduação em Ciência da Informação: Francielle Garcês e Nathália Romeiro. O selo foi inaugurado em 2018 e conta em novembro de 2020 com 15 títulos. A proposta militante do selo é evidente em sua própria descrição:

Este Selo visa disseminar e visibilizar conhecimentos e pesquisas produzidas por mulheres, negros/as, indígenas e população LGBTQIA+ que possuam como interesse principal divulgar suas pesquisas, descobertas científicas e experiências profissionais para a comunidade em geral (SILVA; ROMEIRO, 2021, s.p.). O movimento dos Bibliotecários e Bibliotecárias Negros, participa da explosão de estudos das relações étnico-raciais no Brasil. O movimento vêm crescendo nos últimos anos, gerando um coletivo atuante nas áreas da CI e da biblioteconomia, expandindo para outras áreas e pelo Brasil. Isto é evidenciado e alimentado em uma crescente e constante discussão desenvolvida a partir dos discursos decoloniais, das propostas de reinvenção da ciência e da CI com a inserção dessas temáticas.

Embora estas dimensões pareçam estar contempladas nos estudos críticos e inscritas na 7ª dimensão, carecem de devida relevância e atenção. Ainda que estas dimensões estejam submetidas e interligadas às questões sociais, políticas, econômicas, históricas, culturais e ampliem o sentido de opressão, apenas olhar para a informação através da perspectiva crítica, pode não fazer saltar aos olhos estas questões que possuem particularidades além das questões de classe, que se complexificam a cada camada de opressão.

mulheres enraizado na dominação desde os primórdios da democracia na Grécia,

Os conceitos filosóficos nos quais Platão e Aristóteles expõem o mundo, exigiram, com sua pretensão de validade universal, as relações por eles fundamentadas como a verdadeira e efetiva realidade. Esses conceitos provêm, como diz Vico, da praça do mercado de Atenas. Eles refletiam com a mesma pureza das leis da física a igualdade dos cidadãos plenos e a inferioridade das mulheres, das crianças e dos escravos. A própria linguagem conferia ao que era dito, isto é, às relações da dominação, aquela universalidade que ela tinha assumido como veículo de uma sociedade civil. (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p.14)

Ainda assim, quantas mulheres tiveram destaque na chamada Escola de Frankfurt, durante seu alicerçamento, em sua primeira geração?

Embora o Instituto de Pesquisa Social tenha contado com presenças femininas como Olga Lang, Käthe Leichter, Monika Pressle e Gretel Adorno (que colaborou com algumas escritas do marido), nenhuma delas teve destaque ao lado dos homens. Certamente a aluna de Adorno, Angela Davis, foi uma autora fundamental da Teoria Crítica Feminista, mas não pelo reconhecimento e suporte do instituto. E não faltavam àqueles autores exemplos fortes de autoras mulheres críticas e engajadas, na própria Berlin, como Rosa Luxemburgo e Clara Zetkin (TORRE, 2020, on-line). Infelizmente este padrão se repete muitas e muitas vezes na história e em várias partes do mundo e até hoje, apagando ou diminuindo as mulheres, os negros, os periféricos, os discriminados.

A história da mulher é uma história de exclusão sob o domínio do patriarcado, e as lutas feministas colocaram em xeque as naturalizações das opressões de gênero. Da mesma forma, etnias que se impuseram sobre outras geraram a exclusão, o preconceito e o apagamento destas pessoas e culturas. A cultura escravagista, que se perpetuou por séculos, encontrou nos negros africanos a mercadoria que supria as colônias, permitindo que avançassem com a exploração dos negros escravizados. Obviamente, a questão de classe sempre se impôs sobre mulheres e homens, negros e brancos, cisgênero ou não cisgênero. A divisão e a luta de classe não dá conta dos problemas peculiares destes grupos nos quais as opressões se acumulam, mas se diferem. Exemplo disso é a interseccionalidade, ou seja, o estudo das sobreposições e consequências da interação entre as múltiplas formas de dominação e subordinação ou intersecção de identidades sociais e sistemas relacionados de opressão, dominação ou discriminação.

Exemplo desta distinção se destaca, desde o início, entre a luta feminina das mulheres brancas da burguesia e das mulheres da classe trabalhadora. As origens foram predominantemente intelectuais, brancas e de classe média. Enquanto as mulheres brancas estavam reivindicando o direito ao estudo, trabalho, escolha do marido e independência dos

homens, as mulheres pobres, já eram trabalhadoras, o sustento de suas famílias já dependia do salário delas e de seus filhos, contudo elas recebiam menos, não tinham ingerência sobre o dinheiro e, junto com seus filhos, eram propriedades do marido ou do pai. Por esta razão, quando uma mulher pobre se separava ou era rejeitada, frequentemente a guarda dos filhos era do pai. Para esta classe a maternidade não era vista como algo imprescindível, mas força de trabalho sim. Consequentemente, essa mulher trabalhadora estava preocupada e reivindicando outro tipo de igualdade.

A divisão de classe existe entre a mulher burguesa e a proletária, mas não é somente essa opressão que se impõe sobre as mulheres. A mulher burguesa estava sujeita às determinações patriarcais, mesmo em seu suposto conforto de classe. A mulher pobre acumulava opressões de gênero e classe. Distinções étnicas e de raça também se somavam, e somam, às opressões para os não brancos. O homem pobre branco do Brasil Colônia, estava sujeito a inúmeras dificuldades, mas não à escravidão legal, não era visto como não humano, não era mercadoria e propriedade. A mulher pobre, negra, periférica, homoafetiva e transgênero no Brasil de hoje, acumula opressões, discriminações e violências que não recaem, sequer minimamente, em um homem, branco, cisgênero, heterossexual, de classe média alta e morador do bairro nobre.

Não existe possibilidade de reduzir todas as opressões apenas à de classe. As particularidades e camadas de opressão perpassam as classes e se acumulam nas classes inferiores, mas não desaparecem na classe dominante. As mulheres da classe dominante ainda precisam lutar contra opressões, funções distintivas, salários menores, objetificação e rótulos. Os homens negros das classes mais pobres acumulam opressões e ainda são raros homens negros de destaque na classe dominante. As diferenças são ressaltadas e reforçadas na sociedade a fim de manter o domínio.

Lélia Gonzales (1984) inicia seu texto com uma narrativa que mostra a identificação do dominado com o dominador e o aceite da subserviência de certos negros aos brancos. De maneira muito direta e sucinta a autora declara “Para nós o racismo se constitui como a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira” (GONZALES, 1984, p. 224, grifo da autora). É desta perspectiva que ela vai analisar a “domesticação” do negro e a negação do racismo no Brasil a partir das noções de consciência e de memória. A autora recorre à Teoria da Alíngua, de Miller (1976), baseada na psicanálise lacaniana como suporte epistemológico do texto.

Como consciência a gente entende o lugar do desconhecimento, do encobrimento, da alienação, do esquecimento e até do saber. É por aí que o discurso ideológico se faz presente. Já a memória, a gente considera como o não-saber que conhece, esse

lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita, o lugar da emergência da verdade, dessa verdade que se estrutura como ficção. Consciência exclui o que memória inclui. Daí, na medida em que é o lugar da rejeição, consciência se expressa como discurso dominante (ou efeitos desse discurso) numa dada cultura, ocultando memória, mediante a imposição do que ela, consciência, afirma como a verdade. Mas a memória tem suas astúcias, seu jogo de cintura: por isso, ela fala através das mancadas do discurso da consciência. (GONZALES, 1984, p. 226)

Nos atos falhos da linguagem são revelados os racismos, sexismos e preconceitos. Aquela coisa de “Preto de alma branca” ou como Gonzales (1984, p. 226) narra: “Conheço um que é médico; educadíssimo, culto, elegante e com umas feições tão finas... Nem parece preto”. Falas que sem consciência expressam com naturalidade o preconceito, a domesticação e o branquamento.

A Cartilha “Vamos pensar no nosso Vocabulário? – Racismo sutil”, produzida pelo “Paratodos”, programa do SESC e SENAC de diversidade (nov. 2020), traz várias expressões racistas que usamos no dia a dia. Algumas delas trazem múltiplos preconceitos, pesos históricos e sociais naturalizados: “Da cor do pecado”, “Denegrir”, “Humor Negro”, “Indiada” (ou como falamos no Rio de Janeiro – “Programa de Índio”), “Inveja branca”, “Mercado Negro”, “Não sou tuas negas”, “Judiaria”, a lista é grande. Mas a percepção lançada por Gonzales (1984) é largamente exemplificada na cartilha e mais ainda no cotidiano.

Estas expressões cotidianas, mas também os modos com os quais os brancos escrevem sobre os negros, até mesmo na academia (e espero sinceramente que eu esteja atendendo ao esforço de não fazer isso) revelam a “neurose cultural brasileira” para qual atenta Gonzales (1984). “O neurótico constrói modos de ocultamento do sintoma porque isso lhe traz certos benefícios. Essa construção o liberta da angústia de se defrontar com o recalcamento” (GONZALES, 1984, p. 232), revelando o desconhecimento de si mesmo.

Neste ponto Gonzales escancara as diferenças entre opressão de classe e outras opressões, no caso, a de raça.

As condições de existência material da comunidade negra remetem a condicionamentos psicológicos que têm que ser atacados e desmascarados. Os diferentes índices de dominação das diferentes formas de produção econômica existentes no Brasil parecem coincidir num mesmo ponto: a reinterpretação da teoria do “lugar natural” de Aristóteles. Desde a época colonial aos dias de hoje, percebe-se uma evidente percebe-separação quanto ao espaço físico ocupado por dominadores e dominados. O lugar natural do grupo branco dominante são moradias saudáveis, situadas nos mais belos recantos da cidade ou do campo e devidamente protegidas por diferentes formas de policiamento que vão desde os feitores, capitães de mato, capangas, etc, até à polícia formalmente constituída. Desde a casa grande e do sobrado até aos belos edifícios e residências atuais, o critério tem sido o mesmo. Já o lugar natural do negro é o oposto, evidentemente: da senzala às favelas, cortiços,

invasões, alagados e conjuntos “habitacionais” [...] dos dias de hoje, o critério tem sido simetricamente o mesmo: a divisão racial do espaço [...] No caso do grupo dominado o que se constata são famílias inteiras amontoadas em cubículos cujas condições de higiene e saúde são as mais precárias. Além disso, aqui também se tem a presença policial; só que não é para proteger, mas para reprimir, violentar e amedrontar. É por aí que se entende porque o outro lugar natural do negro sejam as prisões. A sistemática repressão policial, dado o seu caráter racista, tem por objetivo próximo a instauração da submissão psicológica através do medo. A longo prazo, o que se visa é o impedimento de qualquer forma de unidade do grupo dominado, mediante à utilização de todos os meios que perpetuem a sua divisão interna. Enquanto isso, o discurso dominante justifica a atuação desse aparelho repressivo, falando do de ordem e segurança sociais (GONZALES, 1979 apud GONZALES, 1984, p. 233).

Da dura percepção das diferenças de opressão relatadas no texto de Gonzales (1984) e que não mudaram quase nada ou nada em 41 anos, sob a determinação, coincidente com a freiriana, de rejeitar os preconceitos, encontramos na abertura para as semelhanças e não para as diferenças, evidenciada no texto de um aluno de bell hooks, uma vontade, um sonho. Rompendo a expectativa geral de que para os acadêmicos importam mais as diferenças, o aluno declara que bell hooks o ensinou “principalmente sobre as semelhanças, sobre o que eu, como negro, tenho em comum com as pessoas de cor, com as mulheres, os gays, as lésbicas, os pobres e qualquer outro que queira entrar” (HOOKS, 2013, p. 33).

Quero eu também, branca, cisgênero, classe média, deixar entrar o que me faz semelhante aos oprimidos do Brasil e do mundo. Quero me solidarizar com estes, me condoer, mas não de forma passiva e sob sentimentos de culpa, mas na consciência, na minha mudança, ainda em curso, e na esperança de poder participar, de alguma forma, com a mudança ao meu redor, com a sua mudança (de quem lê esse texto). Atentar e lutar contra a minha própria “neurose cultural” e, se possível, estimular esta luta ao meu redor e através da minha escrita.

Assim, esta abertura as semelhanças que nos abrem para o diverso é imprescindível à práxis da CCI, se esta quiser ser coerente com a emancipação que prega, coerente com a luta contra as opressões. Somos todos humanos e precisamos desfazer o engessamento das diferenças, abraçar a diversidade com igualdade, sem utilizar as diferenças para justificar a opressão. “O que quero repetir, com força, e que nada justifica a minimização dos seres humanos, no caso das maiorias compostas de minorias que não perceberam ainda que juntas seriam a maioria” (FREIRE, 1996, p. 62). Na CCI, assim como deveria ser na educação de um modo geral, é preciso trabalhar para transformar as informações, currículos e o conhecimento, para que, como escreve bell hooks (2013), não reforcem os sistemas de dominação nem reflitam mais nenhuma parcialidade.

“‘silêncio’ em que se acham as massas populares dominadas pela prescrição de uma palavra veiculadora de uma ideologia da acomodação”. A educação, mergulhada no paternalismo (homem, branco, cisgênero, “desenvolvido”) não é feita para ser instrumento de transformação da realidade, mas abre brechas para a elucidação de suas falácias. Como exemplifica Freire, a ideia, à época, de que quem soubesse ler conseguiria emprego ou melhor emprego, era quebrada assim que os ex-analfabetos procuravam emprego, ou melhor emprego, e não encontravam. Assim o ensino da CCI pode e deve aproveitar estas brechas e antagonismos entre o que é ensinado e a realidade.

Parece inacreditável que em pleno séc. XXI, em 2020, presidentes e figuras públicas façam discursos sexistas, racistas e homofóbicos. Mas de 2016 para cá, muitas personalidades de peso adotaram discursos assim, libertando da polidez social uma quantidade assustadora de seguidores. Construir um muro para deixar os “xicanos” de fora pareceu uma ideia plausível, mas não foi a única manifestação xenofóbica. Ao repetir uma frase de um chefe de polícia racista dos anos 1960, Trump inflamou e acirrou os conflitos raciais nos EUA.

“Com toda certeza, o índio mudou. Está evoluindo. Cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós” (URIBE, 2020, on line), essa frase, dita pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, carrega tantos preconceitos que causa indignação. Outra frase de embrulhar o estômago, proferida pelo mesmo presidente: Se alguém “quiser vir aqui [ao Brasil] fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. O Brasil não pode ser um país de turismo gay. Temos famílias” (ANSA, 2019).

Já nos EUA Donald Trump causou comoção quando, seu discurso de início das celebrações do 4 de julho, em meio às manifestações “Black Lives Matter”25, diz, em resposta aos pedidos de remoção de monumentos que são vistos como retratos da opressão racista, que “há um perigo crescente que ameaça todas as bênçãos pelos quais nossos ancestrais tanto lutaram”(TRUMP, 2020, on-line), Os Estados Unidos da América estão a “testemunhar uma campanha impiedosa para apagar a nossa história, difamar os nossos heróis, apagar os nossos valores e doutrinar os nossos filhos” (TRUMP, 2020, on-line). Somadas a muitas frases 25 Slogam da onda de protestos que iniciam em Mineápolis, nos Estados Unidos após o assassinato de George Floyd por um policial. “Black Lives Matter é uma organização, agora global, contra a supremacia branca e a violência contra os negros. Foi criada em 2013 por 3 ativistas norte-americanas: Alicia Garza, da aliança nacional de trabalhadoras domésticas; Patrisse Cullors, da coalizão contra a violência policial em Los Angeles; e Opal Tometi, da aliança negra pela imigração justa”. A junção destas mulheres se deu reação à absolvição do vigia George Zimmermann, então acusado de assassinar o adolescente negro Trayvon Martin e ganhou força outros dois casos de negros mortos por policiais nos Estados Unidos: Michael Brown, 18, baleado em Ferguson, e Eric Garner, de 43, estrangulado em Nova York. Ambos estavam desarmados. Ganhando enorme repercussão com a morte de Floyde em 25 de maio de 2020. Disponível em:

https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/06/03/black-lives-matter-conheca-o-movimento-fundado-por-tres-mulheres.htm?cmpid=copiaecola. Acesso: nov. 2020.

racistas anteriores esta soou como mais uma bomba.

Outras frases do ex-presidente norte-americano que expressam preconceitos e discriminação: “Vamos construir um muro na fronteira com o México, um muro grande e bonito, e o México vai pagar por ele” (CONFIRA, 2017, on-line); “Centenas de refugiados, que vêm de territórios e dos países mais perigosos da terra, não? Temos de pôr fim a essa prática”; “Quando você é uma estrela, elas deixam você fazer essas coisas”, “Eu dei em cima dela como (se ela fosse) uma piranha, mas não consegui. Ela era casada” (DÍEZ, 2016) (as duas últimas referindo-se a assédios impetrados por ele).

Os preconceitos expressos nestas frases fizeram com que estes líderes fossem criticados publicamente, mas também defendidos por seus seguidores e admiradores. Mas o que não é perceptível para todos é a construção social que está sendo reproduzida, a naturalização constante do racismo, do sexismo, da xenofobia, da homofobia. Mesmo com os avanços das lutas feministas, étnico-raciais e LGBTQI+, estes preconceitos se perpetuam e ocupam grande parte dos discursos e ações da sociedade. O que assistimos com a ascensão da extrema direita foi a queda de um pudor que a sociedade vinha cobrando dos indivíduos. O “mal fadado” politicamente correto que freava suas línguas, mas nunca seus pensamentos, crenças e hábitos, presentes ainda na sociedade, em cada um de nós, exacerbados na liberação e reforçados na ascensão do fundamentalismo26 político, religioso e moral.

É preciso estar atento a estas dimensões assim como às capacidades de avaliação expressas na 4ª e 5ª dimensões; à reflexão, foco, pensamento crítico e consciência aderidas às dimensões 1ª, 3ª e 8ª; à observância da ética, exposta na 6ª dimensão; às competências e conhecimentos expostos nas dimensões 7ª e 2ª. Assim como o elemento crítico aparece idealmente no conceito de Competência em Informação, mas de tão preponderante e rico de questionamentos, métodos e objetivos próprios, merece destaque na criação de uma linha de pesquisas própria – a CCI, também as dimensões de gênero, feminismos, sexualidade e étnico-raciais são tão relevantes nesse momento que merecem ser consideradas em sua amplitude e complexidade. É preciso atentar para estas dimensões, expondo suas características opressoras, como feridas abertas a serem tratadas, e não simplesmente como assuntos implícitos às outras dimensões da CCI.

“Faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação. A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia” (FREIRE, 1996, p. 39).

26 Significado de fundamentalismo no Dicionário Oxford, por extensão: qualquer corrente, movimento ou atitude, de cunho conservador e integrista, que enfatiza a obediência rigorosa e literal a um conjunto de princípios básicos; integrismo.

Como posto no início da tese, em meu relato pessoal, passei a maior parte da minha

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