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3 ASPECTOS TEÓRICO-HISTÓRICOS

3.3 Censura

3.3.3 A censura na Ditadura Militar

Nesta seção, versaremos sobre a censura no período do Regime Militar, instaurado no país entre 1964-1985; os atos legais e a (re)organização de aparelhos institucionais que instauraram a repressão e o cerceamento da produção intelectual − que inclui a produção livresca − e o acesso à informação. Não temos a pretensão de dar conta da complexidade da experiência repressiva desse período, mas apontar os efeitos na “ordem do discurso”.

Em 1º de abril de 1964, os militares executaram um golpe no Estado brasileiro. O povo adormeceu presidido por um governante eleito e acordou com as Forças Armadas no poder.

Para justificar a retirada de um presidente eleito pelo povo, declararam a “Revolução Vitoriosa”, que se “distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz,

não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação”, argumentos transcritos do primeiro Ato Institucional30. Este foi o primeiro Ato Institucional assinado pela junta militar: General do Exército Arthur da Costa e Silva, Tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Mello e Vice-Almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald.

As matérias do Jornal do Brasil de 1º de abril de 1964 expressavam as tensões políticas, a eclosão de greve geral no País e a invasão de “gorilas” (militares) na redação do jornal na noite anterior.

O golpe militar foi instalado com o apoio de civis, empresários, imprensa, religiosos, instituições, corporações multinacionais e o governo norte-americano, que temiam as propostas de reformas de base do governo João Goulart. No contexto histórico da Guerra Fria, os conservadores receavam que o Brasil seguisse tendências comunistas, assim como Cuba. Conforme Otero (2003, p. 92), “o pano de fundo ideológico que conduziu as ações da ditadura, no terreno da moral foi: o catolicismo, o conservadorismo e o medo do comunismo, que povoava a mente da classe média brasileira e dos golpistas de 1964”.

Em 15 de abril, o general Humberto Castelo Branco se tornou o primeiro presidente do regime militar. Para Reimão (2014, p. 75), “uma das primeiras providências dos regimes autoritários é restringir a liberdade de expressão e opinião; trata-se de uma forma de dominação pela coerção, limitação ou eliminação das vozes discordantes”. Conforme a autora (2011, p. 11-12), a existência da censura era notória para as parcelas mais esclarecidas da população, era de conhecimento inegável, entretanto, não podia ser mencionada, já que mantida em segredo. Censurava-se a existência da censura aos meios de comunicação de massa.

Os jornais encaminhavam a diagramação para censura prévia e, quando impedidos de noticiar matérias censuradas, nos espaços suprimidos publicavam material “estranho” e “inadequado” (REIMÃO, 2011, p. 12). Conforme a definição de Gaspari (2002a), era uma “ditadura envergonhada”.

As editoras e livrarias eram alvos de um governo arbitrário que apreendia livros que bem entendessem, como confisco de livros já publicados em livrarias ou feira de livros. Entretanto, “não houve nos primeiros anos após o golpe militar de 1964 a estruturação de um sistema único de censura de livros” (REIMÃO, 2011, p. 24).

30 Ao publicar o Ato Institucional de 1964, os militares tinham a pretensão de ser o único ato, assim sendo, não o

enumeraram. Entretanto, durante o regime militar foram publicados 17 Atos Institucionais. Os atos institucionais foram “uma invenção do governo militar que não estava prevista na Constituição de 1946 nem possuíam fundamentação jurídica. Seu objetivo era justificar os atos de exceção que se seguiram” (CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL, 2015a).

O Regime Militar empregou a censura, de acordo com Otero (2003, p. 16), “nos meios de comunicação e na área cultural, através da repressão, intimidação e violência física". A autora (2003, p. 17) destaca práticas paradoxais referentes à produção cultural: ao mesmo tempo em que o governo censurava e vetava livros, ele fomentava e beneficiava políticas de incentivos e subsídios à indústria editorial.

Conforme Otero (2003, p. 128), os primeiros livros a serem censurados por publicação oficial por motivação política foram os publicados na Coleção História Nova. Pelo despacho de nº 236, de 14 de abril de 1964, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) proibiu a edição, distribuição e o uso da referida coleção em estabelecimentos de ensino, por terem uma orientação sectária e subversiva, e nos quais se procura negar autenticidade e grandes valores morais da história pátria (OTERO, 2003, p. 128-129).

Pela lei nº 4.341/1964, foi criado o Serviço Nacional de Informações (SNI), como órgão da Presidência da República, o qual, para os assuntos atinentes à Segurança Nacional, operava também em proveito do Conselho de Segurança Nacional. O SNI tinha como finalidade supervisionar e coordenar, em todo o território nacional, as atividades de informação e contra-informação, em particular as que interessassem à Segurança Nacional.

O Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP)31 foi reorganizado e subordinado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, pela lei nº 4.483/1964. Na composição do DFSP, a Polícia Federal de Segurança (PFS) seria composta pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)32, Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP)33, Serviço de Polícia Rodoviária (SPR) e Serviço de Diligências Especiais (SDE).

Com a promulgação do decreto nº 56.511/1965, foi aprovado o regulamento geral da Polícia do Distrito Federal. O SCDP seria composto por Secretaria, Seção de Censura, Seção de Fiscalização e Arquivo, e competia ao órgão censurar previamente e autorizar:

31 A Constituição Federal de 1967 alterou o nome do órgão para Polícia Federal. 32

“Em 1933, instituiu-se a Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS), com a função única de polícia política, exercida principalmente pela Seção de Ordem Política e Social (SOPS). A instituição especializou-se na perseguição aos opositores políticos do presidente e teve sua atuação ampliada consideravelmente após 1935, com a primeira Lei de Segurança Nacional, quando se voltou para a perseguição a comunistas e integralistas. Em março de 1944, a DESPS foi extinta e criou-se a Divisão de Polícia Política e Social (DPS), subordinada ao Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP). [...] A Lei nº 263, de 24 de dezembro de 1962, extinguiu a DPS e instituiu o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). [...] Após o golpe de 1964 a estrutura do DOPS sofreu uma série de modificações e reorientações que pouco inovaram nos métodos e práticas da polícia política, refletindo-se mais na secundarização do órgão em relação aos órgãos de inteligência militares a quem abastecia de informes, integrando-se à ‘comunidade de informações’” (PEREIRA, 2010, p. 52).

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O Serviço de Censura de Diversões Públicas foi fundado no governo de Getúlio Vargas, criado pelo decreto- lei nº 8.462, de 26 de dezembro de 1945, o qual era subordinado ao Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP).

I - As representações de peças teatrais;

II - As representações de variedades de qualquer espécie; III - As execuções de pantomimas e bailados;

IV - As execuções de peças declamatórias;

V - As execuções de discos cantados e falados, em qualquer casa de diversões públicas, ou em local aberto ao público, gratuitamente ou mediante pagamento;

VI - As exibições de espécimes teratológicos;

VII - As apresentações de préstitos, grupos, cordões, ranchos etc., e estandartes carnavalescos;

VIII - As propagandas e anúncios em carros alegóricos ou de feição carnavalesca, ou ainda, quando realizados por propagandistas em trajes característicos ou fora do comum;

IX - A publicação de anúncio na imprensa ou em programas, a exibição de cartazes e fotografias referentes a tais anúncios e a tudo quanto consta dos itens anteriores dêste artigo;

X - As peças teatrais, novelas e congêneres, emitidas por meio de rádio; XI - As exibições de televisão;

XII - Fiscalizar a exibição de filmes nacionais, pelos cinemas locais, fazendo cumprir a lei que regula a matéria.

Aprovados a reorganização do DFSP e o regulamento geral da Polícia do Distrito Federal, estes fatos representaram o projeto de (re)organização do sistema policial para controlar a sociedade, restringir a liberdade de manifestação política e cultural para manter a “ordem” e “preservar a moral e os bons costumes”.

Em 1965, o DFSP ganhou um novo prédio em Brasília, “onde atuaria o Serviço de Censura de Diversões Públicas – SCDP. Essa edificação indicou o desejo do governo federal de centralizar as atividades censórias” e a “Constituição de 1967 oficializou a centralização da censura como atividade do Governo Federal, em Brasília” (REIMÃO, 2011, p. 25).

A partir de 1967, no comando do marechal Arthur da Costa e Silva, a censura oficial da Ditadura Militar foi exercida em relação a filmes, peças teatrais, músicas, cartazes e espetáculos públicos por meio do SCDP, pelo setor do Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCDP) (REIMÃO, 2011, p. 13).

O período do regime foi marcado por movimentos e manifestações, diante do abuso e uso da força empregada pelos militares a civis, artistas, jornais e editores. A comunidade intelectual posicionou-se e, entre os movimentos no país citados por Reimão (2011, p. 21, 25), três manifestações foram notórias: o manifesto assinado por cerca de mil pessoas ligadas à produção cultural motivado pela prisão do editor Ênio Silveira, em 1965, e duas grandes manifestações no Rio de Janeiro, em 1968: a “Cultura contra Censura”, em fevereiro, que

reuniu membros da classe teatral indignados com a censura de oito peças e “A Passeata dos cem mil” em junho.

Com o decreto-lei nº 314/1967, o governo militar definiu quais seriam os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social. A segurança nacional compreenderia as medidas destinadas à “preservação” da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva.

Para o Regime Militar, a guerra psicológica adversa seria o emprego da propaganda, da contrapropaganda e de ações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos estrangeiros, inimigos, neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacionais. A guerra revolucionária seria o conflito interno, geralmente inspirado em uma ideologia ou auxiliado pelo exterior, que visa à conquista subversiva do poder pelo controle progressivo da Nação.

Em dezembro de 1968, foi aprovado o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que considera que os “atos nitidamente subversivos, oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais, comprovam que os instrumentos jurídicos, que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação para sua defesa, desenvolvimento e bem-estar de seu povo, estão servindo de meios para combatê- la e destruí-la”.

O AI-5 concedia poder ao presidente da República para fechar o Congresso Nacional, suspender o exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados e decretar o confisco de bens de todos quantos tivessem enriquecido “ilicitamente”, no exercício de cargo ou função pública.

O ato institucional também suspendia a garantia de habeas corpus nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular, e proibia atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política. O “período subseqüente ao AI-5 fortaleceu os setores de linha-dura ligados à defesa da segurança interna que implantaram um gigantesco aparato de repressão e institucionalizaram o combate pelo medo, introduzindo um ciclo de violenta repressão” (ALVES, 1985 apud OTERO, 2003, p. 53).

Para Reimão (2011, p. 20), no período de 1964 a 1968, “entre o golpe militar de 1964 e a decretação do AI-5, a censura de livros no Brasil foi marcada por uma atuação confusa e multifacetada e pela ausência de critério, mesclando batidas policiais, apreensões e coerção física”. Um dos alvos da “atuação aleatória das forças de repressão no que tange a apreensões, coação e censura a livros foi o editor Ênio Silveira, dono da Editora Civilização Brasileira”

(REIMÃO, 2011, p. 21), além de outros editores, jornalistas e intelectuais que eram contrários ao regime.

Policiais devastavam bibliotecas particulares à procura de obras que o regime considerava subversivas (OTERO, 2003, p. 110) e apreendiam de forma ilegal livros em residências de cidadãos investigados.

Quando um cidadão era preso, o ato da prisão também era acompanhado de apreensão de livros como prova incriminatória (OTERO, 2003, p. 110) e alguns “livros reaparecem nos tribunais militares como prova judicial do crime de subversão, mas há numerosos relatos de acusações de subversão que levam para os tribunais livros que não pertenciam aos réus” (PEREIRA, 2010, p. 116).

O período de governo do general Emílio Garrastazu Médici, de 1969 a 1974, conhecido como “Anos de Chumbo”, foi para Gaspari (2002b, p. 13) “o mais duro período da mais duradoura das ditaduras nacionais”, “a ditadura envergonhada foi substituída por um regime a um só tempo anárquico nos quartéis e violento nas prisões” e a tortura foi empregada como instrumento “extremo de coerção e extermínio, último recurso da repressão política que o Ato Institucional nº 5 libertou das amarras da legalidade”.

A partir de 1970, de acordo com Reimão (2011, p. 13), “os livros e revistas também passaram a ser examinados pelo DCDP”, foi regulamentada a censura pelo decreto-lei nº 1.077, não sendo toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral, aos costumes e ao governo vigente.

Para Otero (2003, p. 76) os critérios relativos à moral e aos bons costumes “tinham o objetivo de preservar o padrão moral vigente contra a dissolução da família. Tentavam defender os valores consagrados pela tradição34”.

O decreto-lei nº 1.077 concedeu poderes ao Ministro da Justiça de proibir divulgação de publicação de obras nacionais e estrangeiras, podendo determinar a busca e a apreensão de todos os seus exemplares, ao verificar a existência de matéria ofensiva à moral e aos bons costumes. Conforme o art. 5º do decreto-lei nº 1.077, a distribuição, venda ou exposição de livros e periódicos que não tivessem sido liberados ou que houvessem sido proibidos sujeitava os infratores, independentemente da responsabilidade criminal, a:

34 Os novos comportamentos, como o projeto de divórcio apresentado desde 1947 ao Congresso, o uso da pílula

anticoncepcional e um momento de mais liberdade sexual, eram divergentes aos valores consagrados pela tradição familiar e o governo firmou sua posição em defesa do modelo da família tradicional, preocupado com as ameaças à organização familiar (OTERO, 2003, p. 87).

I - A multa no valor igual ao do preço de venda da publicação com o mínimo de NCr$ 10,00 (dez cruzeiros novos); II - À perda de todos os exemplares da publicação, que serão incinerados a sua custa.

Em julho de 1970, 22 obras foram censuradas no mesmo dia por dois despachos (nº 56.265/1970 e nº 56.266/1970) do Ministério da Justiça por configurarem propaganda subversiva e declarado crime conforme o art. 45º do decreto-Lei nº 898/1969, devendo ser apreendida e proibida sua circulação, impressão ou venda em todo Território brasileiro (OTERO, 2003, p. 76).

Após a publicação da portaria nº 11-B/1970 do Ministério da Justiça, que operacionalizou o decreto-lei nº 1.077/1970, a divulgação de livros e periódicos ficava subordinada à verificação prévia, não podendo haver divulgação das obras enquanto não fossem liberadas, e competia aos delegados regionais do Departamento de Polícia Federal examinar os conteúdos.

De acordo com Reimão (2011, p. 30), a reação adversa de editores, escritores, intelectuais e associações da sociedade civil foi grande e alguns líderes de vendagens na época declararam que “em nenhuma circunstância mandaremos os originais de nossos livros aos censores, nós preferimos parar de publicar no Brasil e só publicar no exterior” (JONES, 2001 apud REIMÃO, 2011, p. 30).

Conforme Reimão (2011, p. 30), o governo recuou e publicou uma nova instrução (nº 1-70) para a portaria, que concedia isenção de verificação prévia às publicações de caráter estritamente filosófico, científico, técnico e didático, bem como as que não versarem sobre temas referentes a sexo, moralidade pública e bons costumes.

No âmbito da educação e cultura, o MEC sofreu um desmantelamento nas suas práticas educativas e culturais (OTERO, 2003, p. 19). O discurso incorporado à política cultural era o da “tradição”, voltado para o passado e construção de identidade nacional. Segundo Otero (2003, p. 180), via decretos e portarias o Governo desmantelou programas e tentou expurgar os remanescentes do governo anterior, confiscou material didático, proibiu edição e divulgação de livros.

Segundo Otero (2003, p. 180), o MEC valeu-se do AI-1 como instrumento facilitador para tentar expurgar os remanescentes do governo anterior. O ministério aproveitou-se da atribuição do art. 8º do AI-1, de que os inquéritos e processos visando à apuração da responsabilidade pela prática de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou de atos de guerra revolucionária poderiam ser instaurados individual ou coletivamente para “designar uma comissão de inquérito para apuração sumária sobre os

funcionários do Ministério que se haviam tornado incompatíveis com o serviço público” (OTERO, 2003 p. 180-181).

Nas universidades e instituições de ensino isoladas, a instauração de inquéritos seria a mandado dos reitores ou diretores, tendo que enviar pareceres conclusivos dentro de 30 dias (OTERO, 2003, p. 181). Em abril de 1964, foram instaladas oficialmente as comissões especiais de inquérito levando os inquéritos policiais-militares (IPMs) a todas as universidades brasileiras, “para erradicar a penetração de agentes comunistas que se valiam de instituições de ensino para conquistar mentes” (ALVES, 1985 apud OTERO, 2003, p. 181).

Na produção editorial, para Leitão (2011, p. 164), “os militares se apropriam e reeditam INL” − Instituto Nacional do Livro. O Instituto, além de dirigir e estimular a produção editorial do país, passou a se dedicar também à vigilância da edição de livros. Criado em 1937 pelo decreto-lei n º 93 e por iniciativa do ministro Gustavo Capanema, o INL tinha como atribuições “a edição de obras literárias julgadas de interesse para a formação cultural da população, a elaboração de uma enciclopédia e um dicionário nacional e, finalmente, a expansão, por todo o território nacional, do número de bibliotecas públicas” (CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL, 2015b).

O INL trabalhava com livros literários até 1970 e, a partir de 1971, passou a coordenar as atividades ligadas aos livros técnicos e didáticos (OTERO, 2003, p. 188). Os programas de livro didático permaneceram sob a responsabilidade do INL até 1976, “quando foram transferidos para Fundação Nacional do Material (FENAME)”. A partir deste momento, “o INL retoma sua participação apenas na edição de obras de interesse cultural, através de contratos e convênios com as editoras brasileiras particulares e oficiais” (OTERO, 2003, p. 189).

A partir da publicação da portaria nº 35/1970, segundo Leitão (2011, p. 173), estabeleceu-se um “regime de coedição pelo qual o Estado praticamente renunciou à iniciativa editorial e passou a subsidiar o setor privado, reservando-se o poder de veto sobre o material publicado” e, conforme Otero (2003, p. 199), a preocupação era “instituir uma política cultural onde os acervos das bibliotecas seriam melhorados em qualidade com ‘livros de real valor cultural’, e em quantidade, com barateamento do livro, ampliando o número de leitores”.

Para Otero (2003, p. 190), o INL “tinha entre suas funções a de controlar os livros que podiam ser legalmente publicados ou importados. Por um lado, estimulava a cultura, por outro, tinha obrigação de vigiá-la”. A autora (2003, p. 209) destaca que “o regime de co-

edição subsidiou o setor privado e reservou para si o poder disciplinador, podendo aprovar ou rejeitar”.

Por meio da portaria 764-BSB, de 1971, de acordo com OTERO (2003, p. 191), o MEC reforçou a condição do INL “como órgão designado para comandar, no país, a política do livro, tendo a biblioteca como o núcleo-base da referida política”. As bibliotecas cadastradas no INL deveriam fornecer dados anualmente sobre o acervo, novas aquisições, ampliação, criação de departamento especializado, horário de funcionamento etc., em contrapartida as bibliotecas cadastradas receberam anualmente de 250 a 450 obras (OTERO, 2003, p. 191-192).

Para Otero (2003, p. 206) a ditadura militar “investiu pesado na cultura, proporcionando o renascimento de um novo mercado para os intelectuais considerados conservadores e que apoiaram o golpe militar”. As ações militares se concentraram “no desenvolvimento de uma política para publicação de livros”. De acordo com Leitão (2011, p. 165, 188), “a simples distribuição de livros permitiu ao governo criar uma ilusão de política, uma impressão de que a informação estava oficialmente sendo disseminada” e “toda essa massa editorial alimentou as bibliotecas” públicas.

Ressalta Otero (2003, p. 203) que “enquanto o Ministério da Justiça utilizou a violência física e a violência simbólica (legislação censória) para controlar e censurar livros, o mecanismo utilizado pelo INL foi o Programa de Co-edições” para livros didáticos e livros literários. De um lado, um ministério que mutilava a área cultural de livros e, do outro, um que fomentava de forma expressiva e apoiava a indústria editorial (OTERO, 2003, p. 20). Um governo que censurava e patrocinava, proibia e incentivava determinados tipos de orientações (OTERO, 2003, p. 20). As ações censórias em conjunto destas instituições, de acordo com Otero (2003, p. 19), foram responsáveis pelo perfil cultural definido pela ditadura.

De acordo com Reimão (2011, p. 28), “o Brasil vivia altas e inéditas taxas de crescimento econômico e um regime de pleno emprego − era chamado Milagre Brasileiro”. Para Gaspari (2002b, p. 210), “ao êxito econômico não correspondeu progresso algum. Pelo contrário, entendeu-se que a ditadura era, se não a causa, indiscutivelmente a garantia da prosperidade. O controle da imprensa desempenhou um papel essencial na cantata desse ‘Brasil Grande’ e na supressão dos conflitos que abrigava”.

O Milagre Brasileiro e os Anos de Chumbo, conforme o autor (2002b, p. 13), “foram simultâneos. Ambos reais, coexistiram negando-se. Passados mais de trinta anos, continuam negando-se. Quem acha que houve um, não acredita (ou não gosta de admitir) que houve o outro”.

Em 1974, o general Ernesto Geisel tomava posse do governo como presidente e discursa afirmando que seu projeto de abertura política seria de forma “lenta, gradativa e segura distensão”. Para Gaspari (2004, p. 22), Geisel “enterrara o triunfalismo do Milagre Econômico e aceitara uma derrota eleitoral sem precedentes na história republicana”. Este