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3 ASPECTOS TEÓRICO-HISTÓRICOS

3.2 Desenvolvimento de coleções: apontamentos teóricos

3.2.3 Avaliação e Seleção Negativa

Vergueiro (1997, p. 6) ressalva o poder do profissional da informação, a partir da seleção, de interferir na vida de inúmeras pessoas e permanentemente no processo social quando define o universo de informação a que um grupo de usuários terá acesso ou não.

A avaliação é a etapa de diagnóstico e verificação dos procedimentos de desenvolvimento de coleções, se estão ocorrendo da forma prevista ou não. De acordo com Lancaster (2004, p. 1, grifo do autor), “uma avaliação é feita não como um exercício intelectual, mas para reunir dados úteis para atividades destinadas a solucionar problemas ou

tomar decisões”, sendo “um elemento essencial da administração bem-sucedida de qualquer empreendimento” (2004, p. 15) e

Ao avaliar um acervo, o que se procura de fato é determinar o que a biblioteca deveria possuir e não possui, e o que possui mas não deveria possuir, tendo em vista fatores de qualidade e adequação da literatura publicada, sua obsolescência, as mudanças de interesses dos usuários, e a necessidade de otimizar o uso de recursos financeiros limitados. A avaliação de um acervo, ou de parte dele, pode ser feita com o objetivo de melhorar as políticas de desenvolvimento de coleções, melhorar as políticas relacionadas com períodos de empréstimo e taxas de duplicação, ou embasar decisões relacionadas com o uso do espaço. (LANCASTER, 2004, p. 20)

Para Figueiredo (1993, p. 64), a avaliação é uma “função de desenvolvimento da coleção, relacionada com planejamento, seleção, revisão e desbastamento”, além de mensurar os métodos de seleção, implicando também na qualidade e quantidade de uma coleção. Para a autora (1993), viabiliza examinar se as etapas anteriores do processo, do estudo da comunidade ao desbastamento, estão sendo realizadas de forma coerente e efetuar as necessárias correções,

É geralmente aceito que a qualidade e quantidade de uma coleção de biblioteca depende quase que inteiramente do programa de aquisição incluindo a política de aquisição, os procedimentos de aquisição e, mais importante, os métodos de seleção. Assim, uma avaliação da coleção da biblioteca é, efetivamente, uma avaliação dos métodos de seleção, embora não possa sempre ser possível (ou mesmo de interesse) apontar a causa precisa (um mecanismo específico de aquisição ou seleção) e seu efeito (uma mudança definida ocorrida na qualidade da coleção) usando os métodos comumente empregados para avaliar uma coleção de biblioteca. (FIGUEIREDO, 1993, p. 76)

Figueiredo (1993, p. 103) adverte que “colocar avaliação como parte integral do planejamento e tomada de decisão não é tão fácil”. Para a autora (1993, p. 103), a avaliação contínua exige:

a) visão crítica e analítica por parte do pessoal e dos administradores, com relação aos trabalhos da biblioteca; b) elementos dentro da organização com capacidade em técnica de mensuração; e c) aceitação firme dos resultados da avaliação, independentemente daqueles a quem estes resultados possam atingir.

A biblioteca funciona como interface entre as manifestações discursivas e a comunidade de usuários. Para Lancaster (2004, p. 2), “qualquer avaliação a que a biblioteca seja submetida deve se preocupar em determinar em que medida ela desempenha com êxito

essa função de interface”. A avaliação também pode ser considerada um raio X das práticas de seleção e exame de filosofias (autarquia ou ditatorial) empregadas na fixação de enunciados nas coleções no transcurso da história.

Vergueiro (1989, p. 75-76) afirma que os materiais informacionais possuem um tempo de vida útil, que pode variar de um conteúdo para outro, mas que, invariavelmente, chegam a um fim. Conteúdos são atualizados, revisados, ampliados e outros se tornam defasados ou obsoletos, conforme Lima, R. e Figueiredo (1984, p. 137), “sempre deverá, portanto, existir seleção, até nas maiores bibliotecas. Nem todos os livros têm valor permanente, e muitos livros nem mesmo têm valor. Somente grandes livros são clássicos, imortais. Livros, como as pessoas, têm ‘direito’ a morrer”.

Uma medida de equilíbrio e desenvolvimento harmonioso da coleção é a seleção negativa, a partir do desbaste e descarte de obras, fundamentado nas observações resultantes da avaliação do acervo e das demandas da comunidade. Para Vergueiro (1989, p. 76), o desbaste:

Representa uma decisão final de análise da situação de cada item, a definição de que o mesmo já não preenche aquelas condições que justificam sua aquisição, seja porque as necessidades informacionais da comunidade se modificaram e as que o item, originalmente, buscava atender deixaram de manifestar-se, seja porque as informações por ele veiculadas, devido à cada vez mais rápida evolução do conhecimento humano, ficaram desatualizadas e deixaram de apresentar grande contribuição à comunidade que a coleção busca a servir, ou devido a muitos outros fatores que, no fundo, poderiam acabar por resumir-se nos acima citados.

Maciel e Mendonça (2006, p. 25) apontam a diferença existente entre o desbastamento e o descarte,

O desbastamento consiste na retirada de documentos pouco utilizados pelos usuários, de uma coleção de uso frequente para outros locais – os depósitos especialmente criados para abrigar este material de consultas eventuais –. Já o descarte, consiste na retirada definitiva do material do acervo da biblioteca, com a correspondente baixa nos arquivos de registro da mesma.

Figueiredo (1993, p. 64) compreende que o desbastamento envolve o remanejamento (processo de extrair títulos para outros locais menos acessíveis) e o descarte/seleção negativa, o processo de retirada de títulos ou partes da coleção para fins de doação ou eliminação.

Consideraremos a seleção negativa a prática de extrair títulos do acervo, seja por desbaste ou descarte. Obras de valor social e de memória institucional serão preservadas e mantidas na coleção, e a avaliação permitirá distinguir os títulos de importância e relevância.

A escassez de espaço físico, mudanças de campo de interesse, material obsoleto e condições físicas são alguns dos fatores para a prática da seleção negativa (FIGUEIREDO, 1993; MACIEL; MENDONÇA, 2006). Para Evans (1979 apud MAYRINK, 1984, p. 110), ao remover uma publicação ou documento, e todos os seus registros de uma biblioteca, por não mais ter utilidade ou não ser mais requisitado ou necessário, é depurar a coleção.

A definição de políticas e mecanismos de identificação de fatos para candidatar obras para o desbaste ou descarte pela sua perda de atualidade, ou condições físicas, é um artifício de impedimento para o exercício de censura com feitio dissimulado.

Figueiredo (1993, p. 124) elucida algumas barreiras que impedem os profissionais da informação de realizarem a avaliação dos títulos para a seleção negativa: psicológica (política extremista de conservação e suposição de que alguém poderá precisar dele um dia), política (institucionalização dos critérios), tempo (exige muito tempo para ser bem realizada), legal (discordância quanto à classificação dos materiais em administrações públicas para sua alienação, pois determinadas instituições consideram material permanente e outras de consumo, não havendo uma concordância), status (tamanho da coleção ainda é considerado prestígio) e medo de cometer erros.

Maciel e Mendonça (2006, p. 26) recomendam algumas tomadas de decisões com referência ao desbastamento, pormenorizadas na política de desenvolvimento de coleções: estabelecer uma comissão para o desbastamento; definição do tempo máximo que uma publicação não utilizada deve permanecer na coleção corrente; prazo médio para desatualização e desativação de determinados tipos de matérias; e procedimentos para utilização dos documentos em depósito.

Analisar cada item segundo critérios estabelecidos na política de desenvolvimento de coleções e registrar as justificativas, plausíveis em termos técnicos, quanto à remoção de cada item em um aporte documental são ações de cautela a arguições içadas sobre o processo e as decisões, informações essas que podem ser solicitadas futuramente para responder a questionamentos institucionais ou sociais.

O profissional da informação é mediador (entre a informação e o cidadão) e selecionador (de um universo de discursos plurais), e não pode se arrogar a autoridade de ofertar discursos unilaterais ou controlar o acesso à informação.

Diante dessas considerações sobre desenvolvimento de coleções em prol do acesso à informação pluralista, para uma melhor compreensão, discorremos sobre a censura na próxima seção.