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3 ASPECTOS TEÓRICO-HISTÓRICOS

3.3 Censura

3.3.2 Lista de livros censurados

O livro é um artefato do saber registrado, produto intelectual e um meio pelo qual se veicula e propaga discursos. No entanto, quando empregado como veículo de difusão de contraposições à ordem, ele se torna objeto "nocivo", principalmente sob a perspectiva dos poderes, sendo, muitas vezes, destruído para se tornar exemplo da força impositiva e censória dos que estão no poder. Esses títulos são registrados e constituem listas de livros proibidos, para que não possam ser publicados, comercializados ou lidos.

A história do livro (da editoração a proibições) no Brasil antecede à colonização. Em 1508, os impressores de Portugal eram “solicitados a submeter à aprovação real os manuscritos de todos os trabalhos que ‘tratassem de matéria relativa à nossa Santa Fé’, mas os livros em geral não eram submetidos a censura prévia” (HALLEWELL, 1985, p. 3).

O Concílio de Latrão (1512) reforça “o apelo do papa no sentido de que se adotasse a prática da autorização”; os impressores teriam que solicitar “aprovação do bispo local para qualquer trabalho novo” (HALLEWELL, 1985, p. 3). Quando se estabeleceu a Inquisição no reino português, em 1536, o processo de produção de livro e documentos impressos já conhecia uma rotina de censura.

A partir de 1539, o inquisidor-chefe, o Cardeal Infante D. Henrique, “revelou sua preocupação com a tipografia, divulgando várias listas de obras proibidas”, inclusive a Bíblia em vernáculo (HALLEWELL, 1985, p. 4). Desde 1540, “encontra-se documentada nos processos movidos contra diferentes impressores” pela Inquisição, como prática da “vigilância preventiva sobre as obras impressas” (LEITÃO, 2011, p. 98). Em 1551, os censores já dispunham de um índice expurgatório, o Rol dos livros defesos e, em 1581, fez-se um Index librorum prohibitorum (MORAES, 2006, p. 58), ambos “anticatálogos” do que era permitido ou não ler (BURKE; BRIGGS, 2006 apud LEITÃO, 2011, p. 62).

A publicação de todo impresso em Portugal era submetida a três órgãos censórios e dependia de três licenças: do Santo Ofício, Ordinário e do Desembargo do Paço. Esses “três poderes” agiam independentemente e exerciam a censura cada um com suas regras e princípios: o Santo Ofício e o Ordinário defendendo a Igreja; e o Desembargo do Paço, o poder civil (MORAES, 2006, p. 58). Os tipógrafos “costumavam imprimir ao pé da página de rosto a expressão ‘Com todas as licenças necessárias’ para dar ciência de que publicação tinha obtido” as três licenças (MORAES, 2006, p. 58).

Segundo Leitão (2011, p. 95-96), “Portugal censurava qualquer ideia que oferecesse risco à estabilidade do regime. Adotada como medida cautelar, a prática se fortaleceu quando

o Estado português aprofundou suas relações com a Igreja que, entre outros aspectos, também contribuiu para legitimar o poder político português”.

O Marquês de Pombal unificou, por meio legal, a lei de 5 abril de 1768, “o sistema das três licenças criando uma repartição do Estado encarregada da censura: a Real Mesa Censória” e os censores que compunham a mesa eram nomeados pelo rei (MORAES, 2006, p. 58). A metade era composta de eclesiásticos e a outra de funcionários leigos (MORAES, 2006, p. 58). A lei concedia ao estado Português

[...] amplos poderes para fiscalizar os livros entrados no reino e todas as obras existentes nas bibliotecas públicas e privadas. Todas as entidades ou pessoas que possuíssem livros foram obrigadas, em virtude de um edital datado de 10 de julho de 1769, a remeter à Mesa Censória uma lista ou catálogo de todos seus livros.(MORAES, 2006, p. 59)

Estabeleceu-se uma nova lista dos livros proibidos e severas medidas de fiscalização para livros importados (MORAES, 2006, p. 59). Porém, “os livros heréticos e ímpios podiam figurar nas universidades, nas comunidades religiosas e nas mãos dos mestres de teologia que deles precisassem para refutá-los” e autorizavam a leitura dos livros proibidos mediante licença (MORAES, 2006, p. 60).

O Estado português mantinha nas colônias da Ásia, África e na América “os mesmos critérios de controle sobre a circulação de livros praticados na metrópole”, passando pelas três licenças (LEITÃO, 2011, p. 99). No Brasil, a censura chegou antes da imprensa (que só veio com a família real em 1808) e agiu “principalmente junto às bibliotecas conventuais, pois muito poucas eram, até essa época, as livrarias particulares, nem havia na colônia tipografia ou comércio regular de livros” (MORAES, 2006, p. 59).

A censura era feita fora do Brasil “ao critério dos superiores e de acordo com a censura local” e consta que “as bibliotecas das ordens religiosas quando recebiam livros do exterior, eram eles comprados pelos representantes dessas comunidades em Portugal e em outros países” (MORAES, 2006, p. 59).

Em 1787, a Rainha Maria I reformou a censura, criando a Comissão-Geral para o Exame e a Censura de Livros. Entretanto, de acordo com Moraes (2006, p. 61), “a nova censura não conseguia reprimir a entrada em Portugal de livros proibidos”. Percebe-se, portanto, uma brecha no sistema, fato anotado por alguns autores que dão conta da entrada "ilegal" de livros na então colônia, mesmo “os livros ‘perigosos’ eram vendidos em Portugal e se encontravam em bibliotecas. Passavam incólumes nas alfândegas por desleixo ou

ignorância dos funcionários, quando não eram trazidos de contrabando” (MORAES, 2006, p. 62-63).

Após a Revolução Francesa, “os abomináveis princípios franceses” se espalham por Portugal. O governo português faz mais uma reforma da censura, retornando ao princípio dos três poderes (MORAES, 2006, p. 61). No Catalogo de livros defesos neste reino, era “notável a preeminência de livros franceses, ou traduzidos para o francês” (MARQUES, 1963 apud MORAES, 2006, p. 62).

Nas coleções reais, havia obras proibidas. De acordo com Bastos (1983 apud MORAES, 2006, p. 63), “o próprio Pombal, reformador da censura, possuía obras proibidas” e no tempo de D. Maria I, o tio da rainha, o duque de Lafões recebia livros proibidos (MORAES, 2006, p. 63).

No Brasil não foi diferente, segundo Moraes (2006, p. 65), “o fato é que entrou no Brasil, em todas as épocas, muito livro proibido o que se confirma o que toda a gente sabe (salvo os policiais de todos os tempos): a censura, apreensão ou confisco nunca, em tempo algum, impediram a circulação de livros considerados nocivos”.

A censura de livros é perene e mais e mais títulos são examinados, vetados, censurados e destruídos. As configurações das ações judicias contra autor, editor e livro não alteraram com o passar do tempo, e no Golpe Militar não foi diferente. O livro foi e ainda é considerado um meio de difundir inquietações intelectuais e fomentar reflexões que promovem rupturas no modo de ver a realidade de um indivíduo.