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A chegada na comunidade ocorreu por volta do meio dia, do dia 25 de outubro. O barco ancorou no trapiche da casa comercial, cuja família proprietária é evangélica, e, por isso, não freqüenta a comunidade Recreio, referida à Igreja Católica. O ambiente estava calmo e as pessoas estavam almoçando. Fui convidada para ir até a cozinha da casa tomar café. Esse é um hábito das pessoas do local, servir café para as visitas. Penso que como sou mulher e as pessoas dessa casa conhecem a minha família, fui convidada a entrar na cozinha. Não consegui descobrir se isso é usual. Ao entrar na cozinha, encontrei a filha do casal almoçando açaí. A Rita, mulher do casal que iria me hospedar, estava se aproximando, por isso, despedi- me para e foi ao encontro dela.

Durante a viagem encontrei no rio abaixo, em uma casa da família, o Maurício, meu amigo da casa onde ia ficar. Por isso, fiquei esperando sua esposa, a Rita, que estava dando aula, conforme me dissera, e só sairia às doze horas e trinta minutos. Quando apareceu com as crianças, uma pessoa chamou-a e disse que eu estava indo para sua casa. Eu não a conhecia, mas percebi imediatamente que ela sabia quem eu era. Como sua canoa era pequena, ela mandou depois o filho mais velho vir me buscar. O casal Mauricio e Rita, que me hospedou, tem sete filhos, sendo que a Rita tem uma filha de outro casamento, e que não está morando com eles porque estuda na cidade.

A chegada na casa foi exatamente na hora do almoço. As crianças, em número de sete, estavam curiosas com a minha presença. Neste dia, o almoço era peixe frito e açaí azedo. Esse é um habito comum. Segundo a Rita, como ela fica, na maioria das vezes, sozinha com as crianças, porque o Maurício precisa sair para desenvolver sua atividade de conselheiro do desenvolvimento rural, a família toma, no almoço o açaí que sobrou do jantar e no jantar o açaí é novo. Em todas as refeições é servido açaí.

As pessoas vieram logo perguntar o que eu estava fazendo ali. A avó de Rita foi lá e viu que havia uma pessoa deitada. Logo tratou de saber porque eu estava ali. E as crianças ficaram logo curiosas com o meu material de pesquisa. E a cada passo que uma das crianças menores dava em direção às minhas coisas, outras diziam “não mexa nas coisas da mulher”, “não faça barulho que a mulher está dormindo”. A palavra mulher era a minha identidade. E essa palavra era que me sinalizava quando eu me tornava mais ou menos familiar. Verifiquei de inicio, que na casa, somente o Mauricio me chamava Elza, denominação da minha infância e reconhecida por toda minha família e amigos.

No final da tarde, todas as crianças tomam banho no rio para se prepararem para o jantar. Os menores são os primeiros a tomar seus banhos e somente depois as crianças mais velhas tomam os seus. Logo depois, preparam-se para o jantar que começa por volta das 18:30h ou 19:00h. As crianças que já estão muito cansadas por ter passado o dia inteiro acordadas, primeiramente por causa da escola e depois por fazer uma coisa e outra para ajudar os pais, começam a cochilar e já vão se preparando para dormir.

Percebi que havia a intenção de servir a alimentação primeiramente para mim juntamente com o chefe da família, depois, para as crianças e somente depois que todos jantassem, a mulher da casa jantaria. Não sei se esta é a ordem habitual, isto é, de servir primeiro o chefe de família e depois as crianças e no final a mulher.

A família escolheu a sala para eu dormir. A casa é composta de quatro compartimentos: a sala que é um lugar quase não utilizado, totalmente fechado, não recebe nem as visitas porque estas são, geralmente, recebidas na cozinha; o quarto que serve de dormitório para o casal com algumas crianças, sendo que parece não haver um lugar determinado para cada pessoa dormir, até mesmo o próprio casal; uma área antes do quarto como se fosse uma espécie de varanda, onde dorme parte da família: crianças e até mesmo um dos pais e, finalmente, a cozinha, local onde fica o fogão a gás de duas bocas, uma mesa, algumas poucas vasilhas de uso no preparo dos alimentos. Todos os espaços são fechados com exceção da cozinha que é totalmente aberta. Como é aberta e as galinhas estão sempre circulando no espaço para pegar alimentos, acaba ficando suja com facilidade. Junto à cozinha há uma área conjugada que serve para lavar as roupas, colocar os vasilhames de armazenagem da água, o jirau para colocar roupas de molho, o fogão a lenha.

A casa é toda feita de madeira e coberta de telhas. Esse é o padrão, também, das demais casas. Todas as casas como a que me encontrava tem como cômodos, a sala, o quarto e outro compartimento fechado e a cozinha toda aberta, isto é, sem as paredes.

Uma das meninas dormia sempre na sala comigo. Durante os dias em que estive lá, as crianças se revezaram para dormir no cômodo. Colocaram um penico na sala para que eu o utilizasse, caso necessitasse.

Na primeira noite, como eu estava muito cansada, dormi logo e acordei com o canto dos pássaros que estavam por toda parte nas árvores da floresta que envolve as casas e, logo em seguida, ouvi a “zoada” das crianças se preparando para ir à escola. Elas começam a se preparar por volta das cinco e meia. Logo pela manhã, Rita mandou deixar o filho menor, Mateus, de seis meses de idade, na casa de sua mãe e em seguida, saiu com as crianças maiores para a escola. Ela cumpre essa rotina todos os dias.

Eu senti a diferença entre acordar na cidade e acordar no meio da floresta. O primeiro impacto é o som. O amanhecer numa casa construída por entre as árvores, cercada de pássaros cantando e sapos coaxando é totalmente diferente da cidade. Acordar em uma casa cheia de crianças foi também estranho, e eu já havia tentado estabelecer uma forma para enfrentar as situações diferentes das que vivo. Interpretava-as como sendo um processo pedagógico no qual eu pudesse transformar os fatos em parte do meu conhecimento e aprendizagem sobre o local de pesquisa e assim conhecer e aprender os motivos que faziam com que aquelas pessoas agissem daquela maneira.

Assim, pensei ser melhor tentar reagir com mais naturalidade quando fosse circular na comunidade e nas casas das pessoas, tentando quebrar o impacto de ser uma pessoa de fora para eles, embora tivessem referências a meu respeito. Com isso, procurei comer, tomar banho, dormir, ajudar nos afazeres domésticos, enfim, tentei me inserir na vida deles, integrando-me à sua forma de viver.