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Iniciei o trabalho de pesquisa, com visita e entrevista às famílias nas casas dos trabalhadores e nos espaços de ação comunitária, como barracão, capela, salão, casa comunitária, escola, posto de saúde e outros, na terça-feira 26 de outubro, sendo que Maurício já havia falado com algumas pessoas sobre a minha ida à comunidade.

Na manhã desse dia, fui informada por ele que deveria ir conversar com a presidente da Associação, senhora Benedita Conceição. A ida da casa do Mauricio com a Rita até a casa da Benedita51 pode ser feita por terra ou por canoa. Nesse dia, preferi ir por terra com o Maurício e seus filhos, o Mauricinho e a Albanise. Durante o trajeto até a casa da Benedita passa-se por várias casas e o caminho traça uma linha estreita no meio da floresta ou nas clareiras, ligando todas as casas do percurso.

Como eu ainda precisava organizar o material de campo, sai por volta das 9:00horas e quando cheguei, ela já havia saído para trabalhar. Estava roçando o terreno em volta da capela comunitária para limpar a área para a festa de Nossa Senhora de Nazaré, que iria acontecer no domingo. Lá ela estava trabalhando com mais alguns homens, sendo a única mulher que estava fazendo aquele serviço. Foi logo ao meu encontro e me apresentou os

espaços que pertenciam à comunidade e o terreno da Associação. Lá fiz algumas fotos. Ela falou dos consertos que estavam sendo feitos na casa dos porcos e disse que este reparo estava acontecendo porque da forma que tinha sido realizado anteriormente os animais haviam adoecido. Agora estava sendo cimentado, dividido em partes menores, e, na parte maior, estavam pensando em fazer criação de galinha.

Essa mudança no local de criação dos porcos foi orientada por um técnico da Empresa de Assistência Técnica e de Extensão Rural (EMATER), mas o acompanhamento com relação aos cuidados com os animais ainda não estava sendo feito. A Benedita precisava entrar em contato com o órgão para fazer uma solicitação formal. Depois dessa visita fomos à casa de farinha que fica próxima à casa de acolhida das visitas na comunidade. Nessa casa mora o senhor Zacarias. Na casa de farinha existe um forno grande de cobre e os objetos de preparo da mandioca para a produção da farinha.

Depois da visita à casa de farinha, fomos a casa de Benedita, e ela me convidou para almoçar. Na refeição foram servidos carne de veado com açaí e peixe-frito. O açaí é a base da alimentação. Todos os dias, o fruto do açaí é coletado e batido na hora em uma máquina ligada na energia do motor de luz da associação, que funciona somente durante o dia para fazer o preparo do açaí. Quando a energia não funciona, as pessoas giram manualmente a máquina.

Nesse dia, após o almoço, fui tentar fazer a primeira entrevista, mas na hora de gravar o meu aparelho travou, não conseguindo gravar. Com isso, me senti completamente atada, achava que estava com parte da minha viagem prejudicada. Mesmo achando tudo isso, eu tentei anotar alguma parte da história que ela me contou a respeito do surgimento da comunidade Recreio. A Benedita é membro fundador da comunidade. Por isso, sua entrevista foi direcionada para o surgimento da comunidade.

Na casa da Benedita percebi que ela me chamava pelo meu nome de forma diferente das pessoas da casa em que eu estava hospedada. Ela sempre contava coisas voltadas ao conhecimento que eu tinha da região, considerando-me uma pessoa do local. Achei que ela me estranhava menos do que a família do Mauricio. Para ela, parecia ser uma satisfação eu estar entre eles. Isso não quer dizer que na casa em que estava hospedada isso não ocorresse, mas a satisfação misturava-se com a sensação de que eu era uma pessoa estranha. Eu sentia que algo provocava um certo mal estar no casal.

Com o impacto causado pelo não funcionamento do gravador, eu resolvi conversar com a Benedita sobre a fundação da comunidade e demais assuntos que pudessem surgir na conversa. Após a conversa, a Benedita colocou uma rede na sala para eu dormir. Esse é um

ato corriqueiro sempre que chega uma visita, mesmo que não se tenha intimidade se amarra uma rede para a pessoa fazer a sesta52. Comigo fazendo a sesta, a Benedita, foi terminar de fazer suas atividades.

A Benedita é uma mulher que realiza todas as atividades, inclusive aquelas que localmente são consideradas masculinas. Ela corta palmito, apanha açaí, corta madeira para fazer lenha, corta árvores para preparar o terreno para a roça, faz farinha, enfim ela trabalha, como as pessoas do Recreio costumam dizer, como um homem. Ela é casada tem um filho e três filhas. Sua rotina de dona de casa é como das outras mulheres e tem ajuda das filhas que fazem a maior parte das atividades da casa. O filho a acompanha nos trabalhos externos.

Na comunidade havia alguns pontos determinantes que eu precisava compreender. Diante disso, dividi a pesquisa nos seguintes blocos: 1) entrevistar o maior número de sócios da Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Alto Rio Atuá do Recreio (APROAGRO) e nessa entrevista conhecer a história de vida de cada um, enquanto trabalhador e morador do Recreio hoje; 2) compreender sobre a fundação da comunidade da igreja Católica, seus fundadores, quando e quem trouxe a comunidade para a região; quais as mudanças percebidas pelo grupo; 3) como funcionava a APROAGRO e quais as principais atividades dos sócios; como estava constituída sua estrutura de gestão, quem havia influenciado para sua existência; 4) compreender a história do lugar e das famílias do lugar, como chegaram lá, o que faziam no início e quem era quem nos grupos; 5) e por último, fazer uma etnografia da estrutura e das famílias; como a estrutura social da comunidade é formada dentro de cada família o que é realmente particular do lugar dentro do cenário do rio, do município, e a ação dos agentes vindos de fora. O que é ser um “Trabalhador Rural” enquanto categoria construída, hoje, na comunidade Recreio.

O fato de eu conhecer quase todas as pessoas do lugar ou de meus pais serem amigos de todos no lugar facilitou as entrevistas. No início, a entrevistada era eu, eles perguntavam o motivo de minha visita no lugar, falavam sobre minha família, perguntavam sobre minhas irmãs como elas estavam, serviam um café, convidavam-me para almoçar ou comer alguma coisa.

Diante disso, sentia-me a vontade para perguntar também sobre a vida deles. Realizei todas as entrevistas que havia previsto, só não fiz mais porque alguns estavam viajando. No inicio senti certa curiosidade em torno de minha presença, mas no final foi aos poucos se tornando rotina. Convidavam-me para ir às áreas em que estavam trabalhando. Sempre

estavam com vontade de me ajudar na pesquisa, mas como o espaço em uma comunidade muitas vezes não é dominado por um único grupo, comecei a perceber que para o grupo do meu interesse para pesquisa a minha presença não incomodava, no entanto estava incomodando outro grupo.

Para o grupo da CEB Recreio, enquanto comunidade da Igreja Católica, minha presença não incomodava porque me identificavam de duas formas: como filha de meus pais, também do rio Atuá e membro da Igreja Católica que participou junto com eles dos movimentos da Igreja. Para alguns eu era da família, pois o lugar antigamente pertencia à prima de meu pai e no fundo era também familiar. Além do conselheiro que era meu amigo de infância.

Para o outro grupo que não me conhecia nestas circunstâncias, eu tinha outra identidade, a de policial. Como era funcionária da policia civil e havia trabalhado em Muaná, associaram-me à ação do IBAMA, que vinha fazendo fiscalização de extração de madeira e palmito ilegal. Assim, fui tomada por uma agente que empreendia uma investigação no local. Meu amigo foi logo abordado para que revelasse o que estava fazendo.

No próximo capítulo apresento o universo do rio Atuá, valendo-me do material coletado conforme aqui descrito, e onde as diferenças internas serão mostradas de forma mais nítida.

Capítulo 2