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1 CLASSE SOCIAL E CONSCIÊNCIA DE CLASSE: UMA BUSCA TEÓRICA DE INTERPRETAÇÃO DO CASO CAMPONÊS

1.3 A classe social e a consciência de classe

Várias considerações foram feitas sobre o tema classe sociais e consciência de classe. Não nos interessa aqui, descobrir grandes novidades teóricas ou quiçá criar invenções ludibriantes sobre essas categorias. O que nos interessa é uma discussão acerca das interpretações das mesmas e ainda o enfoque da classe social como ator político e econômico coletivo.

As classes sociais precisam ser observadas e entendidas como um processo sócio histórico, a partir de observações empíricas e teóricas das suas relações entre apropriadores e produtores (WOOD, 2003). As classes sociais comumente são tratadas como categorias analíticas que nos permitiriam visualizar diferenças entre grupos sociais separados prioritariamente por fatores econômicos, nos quais as posições ocupadas pelos sujeitos nas relações de produção são fundamentais.

O conceito de classe social já faz parte do senso comum na atualidade: fala- se de classe na economia, na educação, na escola, enfim, nos mais variados setores este termo é empregado, mas sem muita reflexão sobre o que realmente significa e qual o emaranhado de situações.

O conceito comumente conhecido refere-se ao que foi construído por Karl Marx, embora o pensador não tenha definido realmente o que seja a classe social, porém, seus escritos ajudam a delinear um conceito. É o que se observa quando assegura que: “Nas primeiras épocas históricas, verificamos, por quase toda parte, uma completa divisão da sociedade em classes distantes, uma escala graduada de condições sociais.” (MARX, 2011, p. 7).

Marx, Engels (2011, p.16) afirmam que história de toda a sociedade até nossos dias consiste no desenvolvimento dos antagonismos de classes, antagonismos que se têm revestido de formas diferentes nas diferentes épocas.

As classes, portanto, segundo Marx, se constroem nas relações de produção, ou seja, no âmbito econômico, portanto, as relações de produção constituem as relações de classe, marcadas fortemente pelo antagonismo entre os detentores dos meios de produção e os portadores da força de trabalho, representando a burguesia e o proletariado. O fator econômico é a característica central desta definição de classe.

Em qualquer sociedade, as aspirações de uns contrariam as de outros. A história nos mostra que a vida social está cheia de contradições, que há luta entre povos e sociedades, assim como no seu próprio meio; além disso, uma sucessão de períodos de revolução e de reação, de paz e de guerra, de estagnação e de progresso rápido, ou decadência afirmam essas diferentes aspirações.

As aspirações contraditórias nascem da diferença de situação e de condições de vida das classes em que se divide qualquer sociedade. Afinal, a história de toda a sociedade até agora existente - escrevem Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista (2011) (excetuado a história da comunidade primitiva, acrescentaria Engels mais tarde) é a história da luta de classe.

Na sociedade, ocorre uma permanente luta que mede forças entre poderosos e fracos, opressores e oprimidos, o que se confirma na História dos homens concretamente determinados, constituída por uma inalterável luta de classes. Não há luta de classes sem que as classes sejam antagônicas, como Marx e Engels afirmam; estas classes seriam produtos das relações econômicas de sua época, mas toda luta de classes é uma luta política.

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Assim, apesar das diversidades aparentes, como o demonstram diferentes formas de organização social: escravidão, servidão e capitalismo são essencialmente etapas sucessivas de um processo único. A base da sociedade é a produção econômica e, sobre esta base econômica se ergue uma superestrutura, com o Estado e com as ideias, concepções e instituições econômicas, sociais, políticas, morais, filosóficas e artísticas que a compõe.

Marx e Engels (2011, p. 15) auxiliam no entendimento de que os trabalhadores estão dominados pela ideologia da classe dominante, ou seja, as ideias que eles têm do mundo e da sociedade são as mesmas ideias que a burguesia dissemina. Assim como ele, também entendemos que é um absurdo que a humanidade inteira se dedique a trabalhar e a produzir subordinada a um grupo de grandes capitalistas.

À medida que uma classe se apropria do que a outra produz e, esta ao perder, devido à ideologia impregnada pela classe hegemônica e seus instrumentos de divulgação e dominação, acaba perdendo a sua visão de mundo e assume a dos dominantes como se fosse sua. Braverman, ao analisar a questão da classe e consciência assegura não pretender cuidar do estudo da moderna classe trabalhadora no nível de sua consciência, organização ou atividades pelas próprias limitações evidenciadas e buscou, portanto, dissipar tal preocupação da mente com a “teoria de que o necessário antes de tudo é um quadro da classe trabalhadora tal como existe, com a forma dada à população trabalhadora pelo processo de acumulação do capital.” (BRAVERMAN, 1987, p. 33).

Como já mencionamos anteriormente, o aspecto econômico é imprescindível, mas a supremacia de um determinado grupo, classe, perpassa, condiciona e determina a constituição de uma cultura social a ser seguida, reproduzida e também, por que não dizer, recriada pela mesma. Sobre este aspecto cultural e de construção e constituição histórico-social das classes, há muitos teóricos que apresentam contribuições elucidantes para a compreensão destas, dentre os quais destacamos Edward Thompson e Pierre Bourdier, com maior enfoque em E. P. Thompson.

Edward Thompson foi um historiador comprometido com as causas populares e um crítico vigoroso das classes dominantes. Dedicou grande parte de suas pesquisas ao processo de formação da classe operária inglesa, aos aspectos ligados a suas tradições, costumes e legado cultural dos povos.

É importante trazer suas afirmações sobre o que seriam estes costumes na constituição da chamada cultura popular:

No sec.XVIII, o costume constituía a retórica da legitimação de quase todo uso, prática ou direito reclamado. Por isso, o costume não codificado- e até mesmo o codificado- estava em fluxo contínuo. Longe de exibir a permanência sugerida pela palavra “tradição”, o costume era um campo para a mudança e a disputa, uma arena na qual interesses opostos apresentavam reivindicações conflitantes. (THOMPSON, 1998, p. 16-17).

Ele situa o conceito numa proposta de materialidade da seguinte maneira:

[...] espero que a cultura plebéia tenha se tornado um conceito mais concreto e utilizável, não mais situado no ambiente dos “significados, atitudes, valores”, mas localizado dentro de um equilíbrio particular de relações sociais, um ambiente de trabalho de exploração e de resistência à exploração, de relações de poder mascaradas pelos ritos do paternalismo e da deferência. Desse modo, assim espero, “a cultura popular” é situada no lugar material que lhe corresponde. (THOMPSON, 1998, p. 17).

A partir de suas investigações sobre a cultura popular, e a sua materialidade, o autor compõe uma gama de considerações sobre o conceito de classe social, vejamos algumas:

A classe se delineia segundo o modo como homens e mulheres vivem suas relações de produção e segundo a experiência de suas situações determinadas, no interior do “conjunto de suas relações sociais”, com a cultura e as expectativas a elas transmitidas e com base no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural. (THOMPSON, 2011, p. 10-16).

Ainda, seguindo as suas construções práticas e teóricas sobre a temática, a classe é um fenômeno histórico composto por uma multidão de experiências em relação umas com as outras e, não seria apenas uma categoria analítica ou estrutural. O pensador explicita que:

A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem ( e geralmente se opõem) dos seus. A experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram- ou entraram involuntariamente. (THOMPSON, 1987, p. 11-12).

Segundo suas colocações, a classe é um fenômeno histórico composto por uma multidão de experiências em relação umas com as outras e, não seria uma categoria analítica ou estrutural. Thompson assinala que:

45 A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus. A experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram- ou entraram involuntariamente. (THOMPSON, 1987, p. 11-12).

Na mesma direção de Thompson, Kaye (1984, p.180-181, 185) afirma: “A classe existe à medida que existe o sentimento e a articulação de uma identidade, no lugar de uma identidade objetiva dos seus interesses.” Seriam então, estes, alguns dos aspectos que revelariam ou caracterizariam um determinado grupo como sendo uma classe social, mas cada um destes aspectos carrega consigo um emaranhado de acontecimentos, relações, ações e omissões. Estes movimentos dialéticos permitem que se estabeleçam outros conceitos e categorias como: classe em si e, sem esquecermos, é claro, da luta de classes e classe para si, a então chamada consciência de classe.