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2 A QUESTÃO FUNDIÁRIA BRASILEIRA E SEUS DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS

2.2 A questão agrária brasileira no contexto atual

Discutir a questão agrária no Brasil, a partir do final da década de 1980, implica em ter como base de análise a economia brasileira, não apenas deste período, mas, considerar os aspectos anteriormente levantados, as relações entre sujeitos proprietários de terras , expropriados e o Estado. Assim, o Estado Brasileiro vive em um contexto em que a globalização “não surge do vazio, mas emerge no terreno concreto das lutas sociais e é dele e delas que se nutre.” (GONÇALVES, 2006, p. 18).

Nesta ótica, após as crises econômicas ocasionadas pelas demandas que envolveram o petróleo, a instabilidade da economia e o aumento do déficit público permeados pelo desenrolar da abertura política, o debate sobre a questão agrária emerge. Para Martins (2000), a democratização do país em 1985 acirra os conflitos no campo, onde estão de um lado os setores que alinham-se com a proposta de reforma agrária e nesse momento achavam-se contemplados com a democratização, e do outro,associados aos poderes locais dos estados,acentuavam-

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se as ações de despejo e expulsão dos trabalhadores rurais e pequenos produtores de ocupação das terras públicas.

Com a tarefa de apaziguar os ânimos cria-se o I Plano Nacional de Reforma Agrária (BATALHA, 2001). Este plano tinha o objetivo de dinamizar a economia do país, propondo uma ação massiva para diminuição do êxodo rural e a melhora na oferta alimentar, esta seria a efetivação do Estatuto da Terra; no prazo de 1985- 1989 com o plano propunha-se assentar 1.4000.00 famílias, mas o que ocorreu foi o assentamento de apenas 82.896 famílias, sendo o plano mutilado pelas burocracias e inércias institucionais criadas em seu próprio decreto que acaba por inviabilizar sua efetivação na prática, quando considera não desapropriáveis os latifúndios por dimensão ou exploração desapropriáveis se estivessem cumprindo com a sua função social, e quando excluí as áreas com alta concentração de arrendatários e/ou parceiros, o contrário do que é estabelecido no Estatuto da Terra. (BUAINAIM, 1998).

Quando se considera a temática da terra no Brasil, como uma questão agrária, para Prado Júnior (1979, p. 36), ela é a contraposição de classes burguesia/capitalista e empregados/assalariados, evidenciando que as relações existentes não são feudalistas e sim capitalistas. Desta maneira, para aquele autor, não havia uma insuficiência de oferta de produtos devido a problemas estruturais da agricultura brasileira, mas, um elevado índice de concentração fundiária, que tornava a oferta dos produtos agrícolas, inelástica de preços. Isso ocorre, sobretudo, nos momentos de alta de preços dos produtos da grande lavoura, quando as atividades produtivas se voltam inteiramente para ela e as culturas de subsistência ficam “desleixadas”. (PRADO JUNIOR, 1979, p. 65).

Os anos 1980 para a questão agrária brasileira representam um momento de transição e contradição, pois, de um lado, o processo de “reprodução ampliada do capital” que opera no modelo agrário /agrícola ancorou-se no uso de um modo de produção próprio do capital. Este modelo se traduz no uso da ciência e das técnicas ocidentais e na expansão das terras cultivadas. (GONÇALVES, 2006, p. 245).

Neste sentido com relação a questão agrária e o momento histórico supracitado, José de Souza Martins faz as seguintes considerações:

Aqui, o grande capital se tornou proprietário de terra, especialmente com os incentivos fiscais durante a ditadura militar. Antes disso, em muitas regiões do Brasil, grandes proprietários de terra haviam se tornado empresários capitalistas, tanto na região canavieira do Nordeste quanto na região cafeeira do Sudeste. Não se pode explicar a industrialização brasileira a partir do século passado se não se leva em conta essa competência de grandes fazendeiros para acompanhar as possibilidades históricas de seu tempo. Por outro lado, já na ditadura militar, com a política de incentivos fiscais, o capital personificado pelo capitalista, por aquele que pode tomar consciência das contradições que perturbam a reprodução ampliada do capital, foi compensado das irracionalidades da propriedade da terra como titular de renda fundiária. Essas situações, que são as do nosso país, são aquelas em que o capital personificado não se libertou da propriedade da terra, como aconteceu em outros, na extensão necessária a que a contradição entre capital e terra se manifestasse à consciência das diferentes classes sociais como oposição de interesses e irracionalidade que bloqueia o desenvolvimento econômico e social (e político!). (MARTINS, 2000, p. 4).

De outro lado, com a abertura política, ocorre uma articulação dos movimentos sociais e entidades de assessoria agrária que lutam contra este modelo: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), a Comissão Pastoral da Terra, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), criada em 1952. Assim, a articulação dos movimentos sociais é fortalecida pela Igreja, surgindo, na ocasião, várias organizações não governamentais (ONGs) em apoio ao “Fórum Nacional pela Reforma Agrária”.

Da parte do Estado, o debate sobre a reforma agrária, torna-se intenso com o processo que envolve a Constituição de 1988, e o papel desempenhado pela União Democrática Ruralista na construção desta constituição é decisivo, mudando assim o estatuto da propriedade fundiária, legitimado pela sua função social. Este fato, entretanto, está permeado pelo jogo político que é conduzido, não apenas pelo ordenamento constitucional, mas de maneira muito significativa pelo processo de ajustamento à ordem econômica globalizada a que o país se submete por toda a década de 1990 e continua no momento atual.

Observamos que a agricultura brasileira completou, entre 1965 e 1981, um ciclo de modernização técnica e crescimento, sem mudança na estrutura agrária. Neste período se vivenciaram a expansão desenfreada de adubos, fertilizantes, herbicidas, pesticidas e fungicidas, assim como a ampliação de máquinas agrícolas,

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evidenciando a dependência tecnológica do país aos países do capitalismo central. Neste contexto, enquanto a produção de grãos aumentou três vezes, o uso de fertilizantes foi “multiplicado 14 vezes” (GONÇALVES, 2006, p. 245), deixando a agricultura à mercê das determinações do mercado internacional.

A forma como a política econômica externa incorporará o setor agrícola como salvador do “endividamento externo reforça a estratégia de concentração e especulação fundiária no mercado de terras. O maior sinal disto é a liberalidade com que propicia a apropriação da renda fundiária pelos grandes proprietários.” (DELGADO, 1985, p. 26).

Ainda Delgado (1985, p. 26), quanto trata sobre a questão agrária no Brasil assegura que:

O coeficiente de importações do setor agrícola com relação ao produto do mesmo setor sempre foi mais baixo que o do conjunto da economia. Por essa razão os saldos de comércio exterior oriundos do setor rural sempre foram expressivos e em geral com sinal contrário aos déficits do setor industrial.

Nesta perspectiva se compreende que a produção brasileira dedica-se à exportação, em uma clara evidência de que a preocupação com a alimentação da população fica relegada a um segundo plano, o que mesmo com a sua grande produção agrícola, influenciada pela modernização da produção, não altera a situação da grande massa populacional no campo só piora cada vez mais a condição das famílias como nos apresenta Celso Furtado:

Ora, a estrutura agrária atual existe exatamente para que se tenha o resultado inverso, ou seja, uma oferta de mão de obra ao mais baixo custo preço possível.A sua lógica força a utilização extensiva dos recursos naturais e bloqueia a acumulação no âmbito da exploração familiar, tudo em função de um duplo objetivo: assegurar mão de obra ao mais baixo preço e maximizar o excedente extraído da agricultura. (FURTADO, 1983, p. 27).

O efeito da modernização da produção conduz o país rumo a m processo acelerado de abertura ao capital estrangeiro e os efeitos desta política são sentidos de forma antagônica: de um lado os proprietários e industriários, que se beneficiam desta conjuntura, de outro os despossuídos que ficam a mercê dos tramites políticos e financeiros e aumentam as fileiras dos movimentos sociais. A especificidade da formação do maior movimento social camponês brasileiro faz parte do nosso próximo item desta elaboração de pesquisa.

2.3 O despertar organizativo da luta pela terra: a formação do Movimento dos