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3 OS ASSENTAMENTOS DA REFIRMA AGRÁRIA: CONHECENDO A SITUAÇÃO DA REGIÃO DE SÃO GABRIEL, OS ASSENTADOS DO

3.1 Os assentamentos da Reforma Agrária e as novas facetas do território

Os dados do PNAD 2008 indicam que 16% do total de habitantes no país moram no campo. São 30 milhões de brasileiros, entre crianças, jovens, homens e mulheres, ribeirinhos, quilombolas, produtores e produtoras rurais, dentre outros povos do campo.

Ainda observa-se que, na região Nordeste, a proporção é de 27,6% e na região Norte é de 22%, desta forma conclui-se que estas são as regiões com maior concentração de famílias e casas rurais. Sobre a quantidade de famílias e pessoas que foram assentadas, os números apresentados remetem ao ano de 1996, e fazem parte do chamado: I Senso da Reforma Agrária, realizado com as universidades e sob a supervisão do INCRA, o mesmo foi muitas vezes questionado pelos movimentos sociais, em especial pelo MST, pois segundo estes movimentos, os dados estão além do que realmente existe e ainda não apresentam a realidade destes assentamentos. Mesmo assim, trazemos alguns dos resultados levantados, no texto de Bergamasco (1997, p.3.):

103 O censo apurou um total de 161.556 famílias beneficiárias em 1.460 projetos de assentamentos distribuídos por 26 estados da Federação. Os Estados do Maranhão e do Pará são os que apresentaram maior contingente de famílias assentadas. Este fato vem confirmar uma territorialização da reforma agrária (reeditada dos processos de colonização do regime militar, reforçada pelas respostas do Estado aos conflitos, que têm maior incidência nas áreas de fronteira.)19

Esses dados, mesmo que defasados, demonstram a importância de que uma política de Reforma Agrária assumiu e assume para um grande contingente da população brasileira.

Neste prisma, apresentamos agora, o que são e como se concretizam estes novos espaços territoriais. Os assentamentos rurais promovidos pela Política de Reforma Agrária são uma resposta dada aos conflitos sócio-territoriais gestados e desenvolvidos no Brasil desde sua ocupação pelos portugueses, passando pelo modelo agrário exportador, até o período de mecanização da agricultura e o desenvolvimento produtivo, passando pelo momento de redemocratização do país, até nossos dias atuais.

Eles consistem na compra, venda, ou desapropriação de uma fração de terras; na prática são a repartição das terras pelos governos federal,municipal,ou estadual, ou então por órgãos atrelados a eles (como o Ministério do Desenvolvimento Agrário, Incra, Ministério da Agricultura, Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, ou Secretarias de Agricultura) nomenclaturas que mudam de acordo com os períodos e governos instituídos. Martins (2000) afirma que:

Ora, assentamento é a forma da redistribuição da terra, que é em que consiste, no essencial, qualquer reforma agrária. Reforma agrária é todo ato tendente a desconcentrar a propriedade da terra quando esta representa ou cria um impasse histórico ao desenvolvimento social baseado nos interesses pactados da sociedade. (MARTINS, 2000, p.11)

Estas desapropriações e a política de Reforma Agrária em si, só ocorrem devido a grande pressão social exercida por parcelas da sociedade civil, ou então pelos movimentos sociais organizados através da luta pela terra.

Fernandes apresenta-nos a sistematização da pressão realizada na luta pela terra, a conquista dos territórios de assentamento, e suas possíveis relações daí, a diante, da seguinte forma:

19 A realidade dos assentamentos rurais por detrás dos números é um artigo de Sonia Pereira

Bergamasco esclarecedor na relação às estatísticas e realidades dos assentamentos da Reforma Agrária.

A ocupação e a conquista do latifúndio, de uma fração do território capitalista, significam a destruição naquele território- da relação social capitalista e da criação e /ou recriação da relação social familiar camponesa. Esse é seu ponto forte, que gera a possibilidade da formação camponesa, da sua própria existência, fora da lógica da reprodução ampliada das contradições do capitalismo. Este também é seu limite, porque não possui o controle político das relações econômicas. (FERNANDES, 1988, p.179).

Em relação ao aspecto territorial, a luta pela terra inicialmente consiste na luta por um espaço territorial, nesse caso o território, não assume apenas o aspecto do controle de poder e de quem o governa, o território não é aqui considerado somente um espaço de governança, pois priorizamos considerar os diversos interesses que produzem e que atuam sobre os mesmos.

Para Veiga (2005) o território não é um simples termo, mas, sim, como um importante conceito analítico para o entendimento do espaço. Conseguimos identificar no Brasil a retomado dos estudos sobre a categoria território a partir da década de oitenta, principalmente na área da geografia, e com as abordagens feitas por Becker (1983), Santos (1993, p.1994) e Souza (1995).

Nas teorizações de Becker (1983, p.7), a passagem de uma compreensão técnica de território, relacionada somente com as questões do Estado, para uma noção que incorpora elementos da problemática humana, (1983, p.7), começa a ocorrer a partir deste momento, a autora afirma que “face à multidimensionalidade do poder, o espaço reassume sua força e recupera-se a noção de território”.

Uma das perspectivas de análise e interpretação da categoria sustenta-se na questão política, que destaca as relações de dominação e apropriação do espaço, compreendendo desde as relações pessoais do cotidiano que se configuram nas relações locais, até as relações em escala global, bem como no interelação entre estas escalas locais-globais. Assim Souza (1995, p.78) diz que “o território é um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder”.

Também precisamos considerar as relações que permeiam o território dentro de um sistema econômico globalizado, onde para as empresas e consequente para as políticas de interesses internacionais ele tem imenso valor, de afirmação econômica, mas, principalmente de garantia de espaço territorial de domínio e influência, assim como defende Santos (2008, p.79): “Os territórios tendem a uma compartimentação generalizada, onde se associam e se chocam o movimento geral

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da sociedade planetária e o movimento particular de cada fração, regional ou local da sociedade nacional”.

Em uma perspectiva que trata do território como formador de subjetividades e simbologias, destacamos Raffestin (1993, p. 158), que considera o território como condutor de papel diferenciado, onde os grupos sociais se identificam e se relacionam com a experiência vivida, seria um espaço de um passado afetivo, esse mantido pelas representações culturais.

O território nesta ótica, é um espaço em que se criam cotidianos, se desenvolvem relações, enfim, processos sociais que auxiliam no esclarecimento do desenvolvimento do campo. Concordamos com o entendimento de Arroyo e Fernandes (2000) de que:

O Campo é “lugar de vida, onde as pessoas podem morar, trabalhar, estudar com dignidade de quem tem o seu lugar e a sua identidade cultural”. Desta forma, defendem que o campo não é só lugar da “produção agropecuária e agroindustrial, do latifúndio, de grilagem de terras, portanto, o campo é lugar de vida e, sobretudo, de educação” (ARROYO; FERNANDES, 2000, p. 92).

Os assentamentos de Reforma Agrária seriam uma nova dinâmica na discussão do território e na configuração destes territórios no campo, sendo escassos os registros dos primeiros20, e mesmo assim, são novas experiências de

gestão, formação e consolidação da agricultura familiar em um território geralmente marcado por grandes extensões de terras, na mão de um único proprietário. Sobre a questão da classificação destes territórios chamados assentamentos, Girardi e Fernandes (2008), fazem uma distinção com relação a procedência, distribuição e ocupação dos assentamentos e para isso, apresentam os seguintes argumentos:

Classificamos os assentamentos em não reformadores e reformadores.[...] De modo geral, os assentamentos não reformadores são os reconhecimentos de posse, assentamentos criados a partir de terras públicas, unidades de conservação sustentáveis e outros projetos de caráter ambiental. Esses assentamentos se confundem com as políticas ambiental e de ocupação do território. Essas áreas não fazem parte da estrutura fundiária e geralmente são criadas em terras públicas, o que não implica em desapropriação de terras.

[...] A regularização de posses também não implica em desapropriação de terras. Desta forma, consideramos que o reconhecimento de posses e a criação de assentamentos em terras públicas são formas de alterar a estrutura fundiária com a adição de novas áreas e de novos detentores, sem que seja necessário reformar as áreas que previamente compunham a

20 Sabemos que oitenta famílias foram assentadas na Fazenda Macali, nos primeiros meses de 1980,

sendo este, o primeiro assentamento rural no Rio Grande do Sul,segundo registro no livro de Miguel Carter, 2010, p.206.

estrutura fundiária, ou seja, dividir as terras. No caso dos assentamentos

não reformadores o campesinato se territorializa sem que haja a

desterritorialização do latifúndio. Para os assentamentos reformadores as terras são arrecadadas geralmente a partir de desapropriação, o que representa o mais alto grau de reforma da estrutura fundiária possível na legislação brasileira atual. Através da criação desses tipos de assentamentos é cumprido o artigo 186 da Constituição e a estrutura fundiária é de fato desconcentrada: com os assentamentos reformadores o campesinato se territorializa a partir da desterritorialização do latifúndio e isso é reforma da estrutura fundiária. GIRARDI e FERNANDES (2008, p.14)

Os autores apresentam os períodos de 2001 até 2011, com um índice maior de assentamentos não reformadores, ou seja, o período de menor desterritorialização do latifúndio, ou ainda, um período de uma política social e econômica de menor distribuição e divisão de terras. Segundo os mesmos, esses assentamentos não reformadores correspondem, no primeiro mandato de Lula, a 21% dos assentamentos criados, 43% das famílias assentadas e 80% da área total e, portanto, uma política agrária mais conservadora. (GIRARDI e FERNANDES, 2008, p.14).

Um aspecto importante é a questão da produção nos assentamentos, e nestes territórios a agricultura familiar ainda é a principal matriz econômica e produtiva. O Censo Agropecuário datado de 2006 identificou 4.367.902 estabelecimentos de agricultura familiar, estes representam 84,4% do total, em contrapartida ocupam apenas 24,3% da área dos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Os dados demonstram-nos que ainda cultivando uma área menor, a segurança alimentar do país está nas mãos da agricultura familiar; estes dados ainda revelam que, de cada dez pessoas que trabalham no campo, sete ocupam-se da agricultura familiar.

Sem dúvida alguma, os assentamentos da Reforma Agrária são espaços de reinvenção e resgate da vida, do trabalho e da cultura camponesa, em seus fazeres característicos, em sua cultura e sobrevivência, mas estes ainda são espaços de extremas dificuldades, conflitos e constantes desafios para a estrutura agrária brasileira e para os camponeses que neles habitam. Isso é o que veremos a partir da apresentação e análise de nosso objeto e sujeitos de pesquisa em estudo.

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