• Nenhum resultado encontrado

2 A QUESTÃO FUNDIÁRIA BRASILEIRA E SEUS DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS

2.5 O contexto do Rio Grande do Sul

Neste momento da pesquisa, pretendemos analisar as relações do Estado do Rio Grande do Sul com as políticas agrícolas e suas políticas e os efeitos sobre o povo do campo.

Para entendermos esse contexto, mesmo que, de forma bastante superficial e sucinta é importante verificar como ocorreram as relações econômicas e os desdobramentos na sociedade gaúcha neste espaço de tempo. Cabe, portanto, destacar que a economia gaúcha começou a modificar-se a partir dos anos 60, pois viria a contemplar novos setores produtivos.

Nesta perspectiva, Accurso (1993), afirma que, além destas alterações, esses setores e os antigos articularam-se internamente e com a acumulação nacional de capital de modos totalmente distintos aos que vigoraram até os anos 1950, no Rio Grande do Sul.

Verificou-se neste Estado uma mudança significativa, pois o processo de industrialização acelerado que ocorreu no restante do país, provocou mudanças também na estrutura sul-rio-grandense. Accurso (1993), afirma ainda que o período em que cresceu o distanciamento da economia gaúcha, em relação ao centro hegemônico da acumulação de capital no País (São Paulo) foi justamente o da instalação do bloco de investimentos do Plano de Metas, que determinou o predomínio das indústrias de bens de consumo durável sobre a dinâmica da expansão industrial. Surge daí a noção de que, o caminho para superar o “atraso” seria trazer para o Rio Grande do Sul os investimentos que fizeram a pujança de São Paulo naquele período.

A pesada industrialização em escala nacional estabeleceu um novo regime de acumulação, que garantia a “reprodução econômica em bases endógenas” (CARDOSO DE MELLO, 1982, p. 34).

89

Nesse novo regime de acumulação, a liderança do crescimento econômico passou a ser exercida pela indústria de bens de consumo durável. Segundo a interpretação do documento da FEE de 1978, a economia gaúcha teria se rearticulado subordinadamente na economia nacional (FEE, 1978), porque permaneceria caracterizada pela indústria de bens de consumo não durável, que perdia seu dinamismo inclusive em função do arrocho salarial após 1964 e de bens intermediários, dinamizando-se graças a impulsos externos, oriundos do polo dinâmico do sudeste e perdendo a articulação interna entre seus setores produtivos.

Para Carrion Jr.(1979, p. 64), a economia brasileira que emergiu do Plano de Metas, já sob a condução das ditaduras militares, com uma extensa matriz industrial, urbanizada, espacialmente integrada, etc., e que voltaria a crescer com o “milagre econômico” — tal economia nacional teria relegado um papel secundário ao Rio Grande do Sul, como produtor de bens para a reprodução da força de trabalho e, mais recentemente, de bens intermediários. Como os ramos industriais que passaram a dinamizar o crescimento não se instalaram na região, esta passaria a ter sua trajetória de desenvolvimento “subordinada” a acumulação capitalista no centro (FEE, 1978).

No entanto, de acordo com o entendimento de Herrlein (2000), em a Trajetória do desenvolvimento capitalista no Rio Grande do Sul, a economia gaúcha voltou a crescer, desempenhando mais intensamente o papel de poupadora ou fornecedora de divisas para a expansão da economia nacional. Associada a esse papel, emergiu a lavoura capitalista da soja que, assim como a do trigo, representavam uma grande ampliação na modalidade de uso do solo através do arrendamento de terras do latifúndio e do uso da mão-de-obra excedente nos setor da lavoura colonial, inclusive sob a forma de assalariamento temporário. Tais mudanças trouxeram a emergência de novos atores sociais, como os assalariados rurais e os produtores agrícolas cooperativados.

Ao final da década de 1970, as transformações ocasionadas pela difusão da soja e pela modernização tecnológica da agricultura revelaram-se particularmente intensas na região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Alto Uruguai, Missões). Em razão disso, um grande contingente de colonos viu-se forçado a abandonar suas atividades rurais e buscar alternativas para sua reprodução e, por causa da impossibilidade de incorporação destas novas tecnologias e sua

adequação ao padrão produtivo que passava a vigorar, isso acelera no Estado o processo de urbanização.

Contudo, as transformações estruturais ocorridas no setor agrícola não tiveram impactos apenas sobre os processos produtivos. A seletividade do processo de modernização da agricultura e as distorções sociais daí emergentes, como a expulsão de milhares de pequenos agricultores do campo, alteraram, sobremaneira, o modo de vida das populações rurais e urbanas gaúchas e a própria geografia agrária.

Do ponto de vista social, a trajetória até aqui descrita, fortemente marcada pelos avanços técnico-produtivos, apresenta flagrante contraste com a deterioração das condições de vida dos trabalhadores ao longo do período examinado.

A retomada do crescimento da economia gaúcha em novas bases indicava que alguma transformação estrutural significativa havia ocorrido, pois, subordinada ou não, a economia regional passava a usufruir o impulso dinâmico de acumulação nacional. Accurso (1993) esclarece que uma avaliação do desempenho da economia gaúcha entre 1960 e 1985 indicou que não houve perda de posição nacional e que foi possível recuperar a defasagem ocorrida nos anos 50, através de taxas de crescimento regional superiores à média nacional nos anos 70, acontecendo um desenvolvimento significativo (1993, p. 67).

O mesmo não se poderia dizer da vida da população, especialmente dos mais pobres. Ocorre que à medida que a economia gaúcha se desenvolvia, a vida dos trabalhadores, ao contrário do que se poderia supor, não melhorou. A teoria “do bolo” defendida pelos economistas da direita, mais uma vez mostrava-se satisfatória apenas para a classe média e alta no Estado.

Enquanto defendiam a ideia de que quanto mais o bolo crescesse, melhor seria a situação, logicamente não revelavam que a sua situação é que seria melhorada, pois a parte do bolo que lhes cabia era a maior.

Segundo Sodré: “a velha província manteve, depois de estabelecida a federação e a República, características não encontráveis em outras regiões do nosso País, particularmente a existência de uma classe média que sabia dar o tom aos processos, tonificando-os com a sua presença e com o seu apego a determinadas normas (SODRÉ, 1992, p.110)”.

91

O que Sodré afirma nesta fala, leva-nos a refletir sobre o pensamento conservador, que durante a história sul-rio-grandense e mesmo no momento atual se apresenta como uma das características, ou seja, a subordinação política ao programa das classes dominantes gaúchas e brasileiras como um todo, que tem na grande burguesia historicamente liberal e conservadora, privatizante e pró- imperialismo, seu setor mais forte.

Esta orientação política, ditada pela burguesia, que atravessou o período pós-45, derrubou Jango e construiu a Ditadura Civil Militar, alicerçada na Aliança Renovadora Nacional (ARENA), e, se “modernizou” no pré-1985, formando a dissidência que organizou o Partido da Frente Liberal na conjuntura mundial de ascensão do neoliberalismo.

Portanto, o contexto no qual se vivia no Estado do Rio Grande do Sul neste período, embora tivesse características peculiares, não diferia do restante do país no que diz respeito ao neoliberalismo que se articulou para vir com toda a força. Essa força proveniente da burguesia dominante vem da exploração do trabalho, o que se acirra frente à organização dos trabalhadores em seus movimentos.

2.6 A (neo)liberalização do Rio Grande do Sul e a criminalização dos