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1 CLASSE SOCIAL E CONSCIÊNCIA DE CLASSE: UMA BUSCA TEÓRICA DE INTERPRETAÇÃO DO CASO CAMPONÊS

1.2 A propriedade privada: componente e constituinte da luta de classes

A propriedade privada acabou despojando o outro de usufruir dela, caracterizando, com isto, o seu caráter privado, indicador da sua peculiaridade em relação a outras formas. Desta maneira podemos entender com Marx (2003, p. 113) em seus “Manuscritos” que só quando se entende o trabalho como essência da propriedade privada é que se pode penetrar o movimento econômico como tal em sua determinação real. O trabalho estranhado e a propriedade privada se determinam mutuamente, visto que a superação do primeiro implica a supressão da segunda, o que se materializa num modo de produção que suplante o capitalismo, qual seja, o comunismo. (TUMOLO, 2006, p. 76).

Assim, Engels (2011, p. 64) anuncia que:

[...] numa fase bastante primitiva do desenvolvimento da produção, a força de trabalho do homem se tornou apta para produzir consideravelmente mais do que era preciso para a manutenção do produtor, e como essa fase de desenvolvimento é, no essencial, a mesma em que nasceram a divisão do trabalho e a troca entre indivíduos. Não se demorou muito a descobrir a grande "verdade" de que também o homem podia servir de mercadoria, de que a força de trabalho do homem podia chegar a ser objeto de troca e consumo, desde que o homem se transformasse em escravo. Mal os homens tinham descoberto a troca e começaram logo a ser trocados, eles próprios. O ativo se transformava em passivo, independentemente da vontade humana. Com a escravidão, que atingiu o seu mais alto grau de desenvolvimento sob a civilização, veio a primeira grande cisão da sociedade em uma classe que explorava e outra que era explorada. Esta cisão manteve-se através de todo o período civilizado. A escravidão é a primeira forma de exploração, a forma típica da antiguidade; sucedem-na a servidão na Idade Média e o trabalho assalariado nos tempos modernos: São as três formas de avassalamento que caracterizam as três grandes

épocas da civilização. A civilização faz-se sempre acompanhar da escravidão - a princípio franca, depois mais ou menos disfarçada.

Neste sentido, de acordo com a afirmação de Engels, se pode concluir que os proprietários dos meios de produção são também proprietários, inclusive dos escravos que foram convertidos em mercadorias e em meios de produção. Esta situação pode ser representada pelo homem livre e o escravo na Antiguidade, o patrício e o plebeu na Idade Média, o barão e o servo na Modernidade e, finalmente, o burguês e o proletário a partir do século XIX.

Esta relação, segundo Ellen Wood, tem tudo a ver com as relações de propriedade entre produtores e apropriadores, seja na agricultura ou na indústria. Assegura ainda Wood (1988), que somente no capitalismo, a forma dominante de apropriação do excedente está baseada na expropriação dos produtores diretos, cujo trabalho excedente é apropriado exclusivamente por meios puramente econômicos.

A propriedade privada, portanto, legitimou a apropriação do trabalho de outra pessoa, à medida que foi avançando, sem agressões, coações ou ameaças como no escravismo. A propriedade privada faz uso da força ideológica e de “direito”, “liberdade” e possui uma força infinita de forma que ao colocar o trabalho como produtor de riquezas e a sua apropriação como forma de justificar a propriedade privada, ao mesmo tempo, realiza a exploração de trabalho alheio como absolutamente normal.

Engels (2011, p. 60) assinala ainda que:

Logo que se introduziu a propriedade privada da terra, criou-se a hipoteca (vide Atenas). Tal como o heterismo e a prostituição pisam os calcanhares da monogamia, a hipoteca adere à propriedade imóvel. Não quiseste a plena, livre e alienável propriedade do solo? Pois aqui a tens. "Tu I' as voulu, Georges Dandin.”

Em nome da propriedade, criam-se valores que deixam de corresponder aos que atendem às necessidades humanas, gerando-se com isto, notadamente, artifícios e correspondentes econômicos. Perde o homem a essência humana, torna- se objeto e o objeto passa a ter mais valor do que do que o próprio sujeito.

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A propriedade privada, como oposição à propriedade social, coletiva, subsiste onde os meios de trabalho e as condições exteriores do trabalho pertencem a pessoas privadas. A propriedade privada, porém, consoante serem essas pessoas privadas são trabalhadores ou não trabalhadores, têm também um outro caráter.

[...] Os infinitos matizes que ela à primeira vista oferece refletem apenas as situações intermédias que ficam entre estes dois extremos. A propriedade privada do trabalhador sobre os seus meios de produção é a base da pequena empresa, a pequena empresa é uma condição necessária para o desenvolvimento da produção social e da individualidade livre do próprio trabalhador. Sem dúvida que este modo de produção também existe no interior da escravatura, da servidão e de outras relações de dependência. Mas ela só floresce, só lança toda a sua energia, só alcança a sua forma clássica adequada, ali onde o trabalhador é proprietário privado livre das suas condições de trabalho por ele próprio manejadas, o camponês do campo que ele amanha, o artesão do instrumento em que ele toca como um virtuoso. (MARX, 2011, p. s/p).

Este modo de produção supõe a fragmentação da terra e dos restantes meios de produção. Assim como exclui a concentração destes últimos, exclui também a cooperação, impondo a divisão do trabalho no interior do mesmo processo de produção, a dominação e regulação sociais da Natureza, o livre desenvolvimento das forças produtivas sociais. Ela só é compatível com limites naturais estreitos da produção e da sociedade em que subsiste a exploração do trabalho.

Assim, a propriedade privada é a raiz de todos os males e fundamento da opressão humana, fato comprovado pelas análises de Marx e Engels. Desta forma, somente a abolição da propriedade privada representaria um espaço para a coletivização das relações de produção. Neste sentido, Marx e Engels assim se pronunciaram:

Nós, comunistas, temos sido acusados de querer abolir a propriedade adquirida pessoalmente, fruto do trabalho do indivíduo, propriedade que dizem ser o fundamento de toda a liberdade, de toda atividade e de toda independência pessoais. Propriedade adquirida, fruto do próprio trabalho e do mérito pessoal! Falais da propriedade do pequeno burguês, do pequeno camponês, que antecedeu à propriedade burguesa? Não precisamos aboli- la: o desenvolvimento da indústria já a aboliu e continua a aboli-la diariamente. Ou falais da moderna propriedade privada burguesa? Mas o trabalho assalariado, o trabalho do proletário, lhe cria propriedade? De modo algum. Cria capital, ou seja aquela propriedade que explora o trabalho assalariado e que só pode aumentar sob a condição de produzir novo trabalho assalariado para voltar a explorá-lo. A propriedade na sua forma atual move-se no interior do antagonismo entre capital e trabalho assalariado. Examinemos os dois termos desse antagonismo. Ser capitalista significa ocupar na produção não somente uma posição pessoal, mas também uma posição social. O capital é um produto coletivo e só pode ser colocado em movimento pela atividade comum de muitos membros da sociedade e mesmo, em última instância, pela atividade comum de todos os membros da sociedade. O capital, portanto, não é uma potência pessoal; é

uma potência social. Assim, se o capital é transformado em propriedade comum pertencente a todos os membros da sociedade, não é uma propriedade pessoal que se transforma em propriedade social. Transforma- se apenas o caráter social da propriedade. Ela perde seu caráter de classe. (MARX; ENGELS, 2003, p. 60-61).

Com base nesta percepção se infere que a revolução não ocorre necessariamente pela força, pois, na sociedade civil as classes buscam exercer sua hegemonia, ou seja, buscam ganhar aliados para os seus projetos através da direção e do consenso (GRAMSCI, 1978). A necessidade de conquistar o consenso como condição imprescindível da dominação impõe a criação e a renovação de determinadas instituições sociais que passam a funcionar como portadores materiais específicos, com estrutura e legalidade próprias das relações de hegemonia. Este é um dos propósitos do Estado que, para Marx, é um reflexo da sociedade civil, por isso mesmo ele deve ser exterminado, bem como a propriedade privada. Assim Marx e Engels sublinham que a propriedade privada precisa ser abolida, pois,

[...] Horrorizai-vos porque queremos abolir a propriedade privada. Mas, em vossa atual sociedade, a propriedade privada já está abolida para nove décimos de seus membros; ela existe precisamente porque não existe para esses nove décimos. Censurai-nos, portanto, por querer abolir uma propriedade cuja condição necessária é a ausência de toda e qualquer propriedade para a imensa maioria da sociedade. Numa palavra, censurai- nos por querer abolir vossa propriedade. De fato é exatamente isso o que queremos. (MARX; ENGELS, 2003, p. 62).

O que se conclui, portanto, é que “a luta entre democracia, aristocracia e monarquia, a luta pelo direito ao voto etc. não são mais do que formas ilusórias nas quais as lutas reais das diferentes classes são conduzidas.” (MARX; ENGELS, 2007, p. 56-57). Logo, as lutas entre as classes sociais tem sentido se contribuir para definitivamente a classe formada pelos proletários, realizando suas organizações num período revolucionário, destruir o Estado da burguesia e criar um novo Estado capaz de suprimir a propriedade privada dos meios de produção. Outra maneira de se considerar a luta dos trabalhadores é através da instrumentação ideológica do processo de produção percebido como luta de classes.

No tempo por nós vivido, de domínio social e econômico do neoliberalismo, de hegemonia conservadora no âmbito das relações sociais como um todo, não temos como negar a dinâmica histórica da luta de classes. No esforço de compreender as diferentes manifestações dos conflitos sociais ao longo do tempo, fundamentamos nossas considerações nas afirmações de Eleen Wood em sua obra

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Democracia Contra o Capitalismo onde a autora escreve sobre ao conceitos de classe, consciência e luta de classes. Sobre a luta de classes a autora afirma [...] que a chamada acumulação primitiva de capital, a precondição da produção capitalista, nada mais é do que o processo – ou seja a luta de classes – [...]; ou seja a essência da subjugação do trabalho ao capital, sua exploração já é o produto da luta de classes. (WOOD, 2003, p. 76).

Neste viés, a autora defende a posição de que, a luta de classes precede a classe, pois as pessoas estão vivenciando, sentindo, e trabalhando sua situação de classe, esse processo de luta acaba por desenvolver sua consciência. A exploração é ”vivida nas formas de classe e só então gera formações de classe” é dizer exatamente que as condições de exploração, as relações de produção existem objetivamente para serem vividas. (WOOD, 2003, p. 77).