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A Classificação dos Signos

2.3 SEMIÓTICA: ELEMENTOS TEÓRICOS

2.3.1 A Classificação dos Signos

a) Os signos em si mesmos: mantendo relação com as três categorias

fenomenológicas, dividem-se em quali-signo, sin-signo e legi-signo. O quali-signo é a qualidade que é o próprio signo, uma relação monádica. É a aparência ou qualidade primeira. Os quali-signos não mantém quaisquer relações ou referências com o objeto, nem tampouco com o interpretante. É meramente e puramente qualidade – qualquer qualidade sem identidade (PEIRCE, 2010, p.52). Exemplificamos como um som seu timbre, sua altura, sua intensidade e sua duração (SANTAELLA, 2012).

O sin-signo consiste de um existente, matéria, evento ou “coisa”, de relação diádica, na qual a sílaba “sin” significa singular, “uma única vez”. Ele contém previamente qualidade ou múltiplas qualidades, ou seja, pressupondo um quali-signo ou mais. “[...] só constituem um signo quando se corporificam” (PEIRCE, 2010, p. 52)

Em relação ao legi-signo, trata-se de uma lei que é o próprio signo. São normas ou convenções que pressupõem um quali-signo e um legi-signo. As linguagens verbais ou não verbais são boas instâncias desse signo. Como exemplo, podermos dizer que a nota “DO” poderá aparecer cinco ou vinte vezes em uma página de partitura de uma composição ou em incontáveis composições. Pelas suas características físico-acústicas no contexto musical, a nota DO jamais poderá ser um RE ou um SOL bemol, será sempre DO.

Todavia, diante dessas classificações, aplicaremos a primeira e, mormente, a segunda tricotomia, relacionando-as ao fato de um compositor necessitar, primeiramente, estar sensível, aberto às qualidades de um signo. Vejamos sucintamente a obra Uirapuru: na primeira tricotomia, um qualissigno como os sons irregulares e instáveis do movimento de um rio Amazonas, o canto melodioso do uirapuru, às vezes em melodias curtas, outras longas, ressoando em nossa Floresta Amazônica é percebido auditivamente. No momento em que se começa a elaborar a composição, teremos que procurar o caminho de adequar a melodia,

testar os instrumentos musicais: seus timbres e seus limites: o sinsigno, bem como o andamento, o gênero a ser aplicado, entre tantas características que contemplam a composição musical. Esse é um momento da segundidade: o embate na escolha dos instrumentos e suas limitações ou esforço intelectual na adequação de estilo, gênero; enfim, a alteridade, inclusive de influências, como no caso desta obra, as inspirações wagnerianas, varesianas comuns à época. Mediante este percurso, que pode tomar horas, meses ou anos de elaboração mental e experimental, chegaremos à decisão lógica de todos os elementos que constituirão a compleitude da obra: o poema sinfônico Uirapuru. Concluída a obra, teremos a partitura que se transformou em um legi-signo

b) Os signos com relação ao objeto: igualmente mantendo relação com as categorias

fenomenológicas, dividem-se em ícone, índice, símbolo, “[...] A mais importante divisão dos signos” (PEIRCE, 2010, p.64) e sobre a qual teceremos maiores considerações em nossa pesquisa.

O ícone: consiste em um signo que se refere ao objeto em virtude dos caracteres próprios deste último, sendo que se assemelha, é similar ao seu objeto. Ele pode ser real ou não:

Um Ícone é um signo que se refere ao Objeto que denota apenas em virtude de seus caracteres próprios, caracteres quer ele igualmente possui quer um tal Objeto realmente exista ou não. (...) Qualquer coisa, seja uma qualidade, um existente individual ou uma lei, é Ícone de qualquer coisa, na medida em que for semelhante a essa coisa e utilizado como um seu signo (PEIRCE, 2010, p.52).

Peirce exemplifica como signos icônicos: a matemática, que para ele é a ciência dos mundos possíveis, é, nesse aspecto, similar à arte que também lida com possibilidades de mundo. Torna-se interessante esta passagem na qual Peirce menciona a pintura e a relevância da contemplação (Lose of conciousness):

In contemplating a painting, there is a moment when we lose the consciousness that it is not the thing, the distinction of the real and the copy disappears, and it is for the moment a pure dream – not any particular existence and yet not general. At that moment we are contemplating an Icon.45 (CP 3.362)

Ibri salienta outro ponto de reflexão desta representação com relação a nosso foco de interesse:

45

Ao contemplar uma pintura, há um momento quando perdemos a consciência de que não é a coisa, a distinção entre o real e a cópia desaparece, e é no momento um sonho puro - Não é uma existência especial e ainda não geral. Nesse momento, nós estamos contemplando um ícone.

Ao contrário do enfoque de algumas teorias estéticas, não quero aqui realçar os ícones pelo seu poder de analogia ou de trazer as qualidades do objeto por semelhança, mas pelo seu potencial de significação independente da existência de seu objeto, pelo seu caráter de fazer nascer de dentro de si o objeto, e assim se constituir em autorepresentação. Neste sentido, toda a arte é primordialmente icônica, mesmo aquelas que são eminentemente verbais como a literatura e a poesia, mercê da ontologia de seu objeto, totalmente destituído de alteridade com respeito ao signo. (IBRI, 2011, p.217)

Neste contexto, a arte, mais especificamente a música, não possui um compromisso com o real, com a alteridade ou materialidade, apenas com as múltiplas virtudes de seu caráter como qualidades de sentimento. É livre, pura presentidade, de natureza vaga, e, sobretudo, original. Nesse trabalho, enfatiza-se a originalidade das obras de nosso compositor maior, Villa-Lobos.

Os ícones, segundo Peirce, ainda dividem-se em ícones puros, ícones atuais e hipo- ícones, os quais não serão explorados por não se aplicarem à nossa pesquisa.

Índice é um signo referindo-se a um objeto em virtude de ser efetivamente afetado

por este objeto. Em outras palavras, um índice necessariamente indica algo com o qual está de fato ligado. Quando em dúvida com relação ao índice, Peirce comenta que o índice não possui semelhança significante com seus objetos, a ponto de ser semelhante, é apenas uma unidade singular. Leciona Peirce que o índice detém uma individualidade na existência e, por conseguinte, contém uma primeiridade que poderá contemplar um ícone em sua composição. Utilizando a expressão “atrair a atenção”, comentar: “Tudo o que atrai a atenção é índice. Tudo o que nos surpreende é índice, na medida em que assinala a junção entre duas porções de experiência” (PEIRCE, 2010, p 67). O índice pode ser uma dissonância inesperada em uma música do período clássico. A relação de uma melodia com o canto de um pássaro, o movimento ondular de montanhas à sequência melódica análoga a ela. Peirce exemplifica: “um quadrante solar ou um relógio indicam a hora. Os geômetras colocam letras em partes diferentes e seus diagramas e, a seguir, usam letras para indicar suas partes” (PEIRCE, 2010, p 67).

O Símbolo consiste em um signo que se refere ao objeto em virtude de uma lei, norma, convenção que determinará seu interpretante. Resulta de uma associação de ideias que conduzem à identificação do símbolo como se referindo ao objeto. Esta espécie de signo representa uma regularidade como referência para um futuro indeterminado. O sujeito interpretante deve vincular-se a seu conteúdo, inclusive ao seu objeto imediato.

Sobre a integração do ícone e do índice como constituintes do símbolo, leciona Peirce: “um Símbolo é um signo naturalmente adequado a declarar que o conjunto de objetos

que é o denotado por qualquer conjunto de índices que possa, sob certos aspectos, a ele estar ligado, é representado por um ícone com ele associado” (PEIRCE, 2010, p 72).

O símbolo é a espécie e não o singular. Ilustra, ainda, o filósofo norte-americano com os exemplos: “qualquer palavra comum, como “dar”, “pássaro”, “casamento”, é exemplo de símbolo”. Incluímos pertinentemente como exemplos de símbolos neste trabalho: um Hino Nacional, a Floresta Amazônica, o tonalismo, o leitmotiv e o “acorde de Tristão.

Impossível, enfim, deixar de consignar a estruturação delineada por Peirce relativa ao ícone, índice e símbolo:

O ícone não tem conexão dinâmica alguma com o objeto que representa; simplesmente acontece que suas qualidades se assemelham às do objeto e excitam sensações análogas na mente para a qual é uma semelhança. Mas, na verdade, não mantém conexão com elas. O índice está fisicamente conectado com seu objeto; forma, ambos um par orgânico, porém a mente interpretante nada tem haver com essa conexão, exceto o fato de registrá-la, depois de ser estabelecida. O símbolo está conectado a seu objeto por força da ideia da mente-que-usa-o-símbolo, sem a qual esta conexão não existiria (PEIRCE, 2010, p. 73).

c) Os signos com relação ao interpretante: Os interpretantes intrinsicamente

relacionados com a terceiridade classificam-se em Rema, Discente e Argumento. Rema, sinteticamente, é uma quase-proposição ou uma proposição. Trata-se, também, de um signo que constitui basicamente uma possibilidade de hipótese, relacionando a algum objeto possível. “Todo o rema proporcionará, talvez, uma informação, mas não é interpretado neste sentido” (PEIRCE, 2010, p.53), como, por exemplo, a primeira audição de uma obra ou uma obra aleatória, amorfa.

Um signo Dicente em relação ao seu objeto possui existência real. “Um dicissigno necessariamente envolve, como parte dele, um Rema para descrever um fato que é interpretado como sendo por ele indicado” (PEIRCE, 2010, p.53). Exemplificamos ao identificar algum aspecto técnico de uma obra: a forma ou estrutura, o solo de um instrumento.

Um argumento é um signo de lei, norma para seu interpretante, assim o signo é gerador de outros signos interpretantes ou interpretantes semanticamente correlatos. “O interpretante do argumento representa-o como um caso de uma classe geral de argumentos [...] Portanto, o argumento deve ser um símbolo ou um signo cujo objeto é uma lei ou Tipo Geral” (PEIRCE, 2010, p. 54). Segundo Lúcia Santaella (2012), a linguagem verbal é o exemplo mais evidente de legi-signo. Na música, para exemplificar, pode-se de certo modo

considerar como legi-signos tanto o sistema modal ou tonal como a própria partitura com toda a notação de seus signos. Randsell (1983) exemplifica com a pintura de um determinado artista plástico com suas fases e influências. Talvez possamos fazer uma analogia com Villa- Lobos: durante o início de sua carreira suas obras possuíam características de compositores franceses, especialmente do impressionismo francês, como Debussy e Saint-Saëns e de Cesar Franck (como uma lei estabelecendo um particular). Na década de 1920, extremamente profícua, suas obras possuem forte conteúdo de brasilidade, tanto nos temas (indígenas, aborígenes e folclóricos), e grandes ousadias harmônicas e tímbricas e na última fase a volta ao neo-classicismo e pontualmente influências do Romantismo. Mencionem-se, como índices de brasilidade de Villa-Lobos, suas escolhas de alguns dos instrumentos típicos de nosso país e ainda muitos elementos de cultura indígena e de nosso folclore.

Para uma melhor visualização das tricotomias de signos, apresentamos o quadro do semioticista Charles Hardwick:

I. Quali-signo icônico remático “um sentimento de vermelhidão”

II. Sin-signo icônico remático “um diagrama individual”

III. Sin-signo indicativo remático “um grito espontâneo”

IV. Sin-signo indicativo dicente “um catavento”

V. Legi-signo icônico remático “um diagrama, abstraindo-se sua

individualidade”

VI. Legi-signo indicativo remático “um pronome demonstrativo”

VII. Legi-signo indicativo dicente “um pregão de rua”

VIII.Legisigno simbólico remático “um substantivo comum”

IX. Legi-signo simbólico dicente “uma proposição”

X. Legi-signo simbólico argumento “um silogismo”

Figura 5 – Relação das tricotomias

Fonte: C. Hardwick (1977, p. 161 apud SANTAELLA, 2012, p. 93).

A partir do quadro acima, pode se considerar que a música em apreciação (ouvinte) é um quali-signo– icônico –remático, sustentado sob a categoria da primeiridade.

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