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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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Academic year: 2018

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Ana Claudia Trevisan Rosário

REFLETINDO SOBRE AS CARTAS SEM RESPOSTA DE VILLA-LOBOS: Semiótica e Filosofia na criação villa-lobiana

MESTRADO EM FILOSOFIA

São Paulo

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Ana Claudia Trevisan Rosário

REFLETINDO SOBRE AS CARTAS SEM RESPOSTA DE VILLA-LOBOS: Semiótica e Filosofia na criação Villa-lobiana

MESTRADO EM FILOSOFIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia, sob a orientação do Prof. Dr. Ivo Assad Ibri. Área de concentração: Semiótica e Filosofia da Música

São Paulo

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Onde se lê AGRADECIMENTOS, leia-se após o título:

Primeiramente, meu agradecimento a Deus, Criador Maior, a CAPES, aos extraordinários professores da PUC-SP, ao Prof. Dr. Ivo Assad Ibri, pelo convite a ser sua orientanda em março de 2011, apontando caminhos, mas concedendo liberdade na caminhada. Aos queridos colegas de aula da PUC; ao Grupo de Filosofia da Música da USP de mestrandos e doutorandos, que me acolheu sem hesitação e com o qual aprendi muito,, principalmente o resgate ao diálogo em Filosofia. Ao Prof. Dr. Paulo de Tarso Salles da ECA, USP, nos momentos que generosamente proferiu seus sábios aconselhamentos, delimitou excessos, bem como sua atenção aos detalhes muito colaborou em minha qualificação e defesa. Agradeço também ao Prof. Dr Jorge Albuquerque, da Pós-graduação em Comunicação e Semiótica, que, na qualificação, alargou minha visão da Semiótica de Charles Peirce e reforçou meu pensamento que Ciência e Arte pertencem ao mesmo universo epistemológico. Ao Prof. Dr. Antonio R. Valverde, por sua sensibilidade, pelo caudal de informações históricas que proporcionaram entusiasmo para continuar pesquisando, sempre atenta ao substrato histórico.

Pelo apoio e alento de todos familiares, as grandes amigas que fiz nesta caminhada Iara T. M. Andrade, Sandra Regina Leite e Lúcia Pinto. Ao Departamento de Filosofia da UFSM e FAPAS, Departamento da Música da UFSM, Irmãs de Maria de Schoenstatt em Santa Maria e São Paulo, David Hertzberg, Philippe Louis, Prof. Dr. Robert Innis, Prof. Dr. Armindo Trevisan, Prof. Dênis Racki Noschang, Prof. Dr. Cassiano Terra, Prof. Dra. Vera Lúcia Portinho Vianna, Guinter Krieger, Prof. Dr. Jean Cabon. Do Museu Villa-Lobos do Rio de Janeiro, especialmente agradeço a Mariana Melo e Pedro Belchior.

Página Linha Onde se lê Leia-se

10 7ª contexto história contexto da história

12 10ª irãohsubsidiar irão subsidiar

12 14ª terceiro e o último terceiro e último

12 27ª relaciondos relacionados

14 1ª e russos, europeus,

16 25ª criou desenvolveu

17 27ª e, posteriormente, entre e, entre

19 31ª historicamente e remeteria historicamente remeteria

20 13ª Apresentando-se com

chorões, em audições e concertos,

Apresentando-se em audições e concertos, e paralelamente com os chorões

20 31ª três,composto em 1925 sete, composto em 1924

23 7ª vilumbra-se vislumbra-se

24 9ª configura o que sejam configuram

24 24ª neste período entre 1910 e 1922

25 14ª parcilamente parcialmente

25 24ª Continuum¹² Rodapé:¹² A teoria do Continuum

pressupõe a continuidade de qualquer realidade, ainda que de forma

indeterminada ou com possibilidades adicionais, auferindo inclusive traços ontológicos à realidade.

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71 18ª um. um. Aliado a esses fatos, o local onde finalizou a obra não é sabido:

“uma carta sem resposta”.

72 2ª stranviskiano stravinskiano

81 19ª junto à escala octatônica junto à fragmentos da escala octatônica, apresentados “fora de

ordem”, que sabemos a ordenação

não foi prioridade para nosso compositor. Verificamos na primeira frase um subconjunto, conforme Paulo de T. Salles: “Re-Re#, Mi, Fa (Mi #), Fa#,Sol#, La”. Da segunda frase “animando poco a poco” até o final do trecho da figura 11, encontraremos mais um subconjunto e a nota Do, perfazendo, assim, a alusão à octatônica.

Figura 11, leia-se:

96 30ª sem precedentes além sem precedentes. Além do

99 3ª próximo próximo.

100 14ª Inclusão de bibliografia GRIECO, Donatello.

Roteiro de Villa-Lobos.

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________ Prof. Dr. Ivo Assad Ibri

____________________________________ Prof. Dr. Paulo de Tarso C. Cambraia Salles

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DEDICATÓRIA

Em memória de meu pai José Luiz de Araújo Rosário

À serenidade e sabedoria de minha mãe, Lourdes.

Ao constante e incondicional encorajamento, em críticas, exagerados elogios, silêncios, interlúdios e o oceânico amor de minha irmã, Greyce.

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AGRADECIMENTOS

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RESUMO

A pesquisa aqui proposta justifica-se pelo interesse em um enfoque filosófico e essencialmente semiótico sobre aspectos da criação musical de nosso maior compositor erudito, Heitor Villa-Lobos (1887-1959), e na excelência da trajetória na construção de identidades musicais brasileiras, a saber: a) a identidade do compositor em sua singular técnica composicional; b) a identidade, representando a profunda intimidade com a natureza brasileira, seu povo nativo, bem como suas miscigenações; e c) a identidade na metodologia e aplicação de nosso folclore na educação musical brasileira. O primeiro capítulo, resumidamente, aborda a vida e a obra do compositor, com estudos históricos, biográficos e breves ênfases em obras-chave e os elementos de identidade. No segundo capítulo, abordam-se conceitos pivotais na filosofia de Charles Sanders Peirce (1839-1914), a teoria de significações, subsidiada pela triádica fenomenologia e a possibilidade de riqueza criativa através da ação do signo musical em constante semiose. Tratar-se-á a composição musical enfatizando-se tríade signo-objeto-interpretante, e a primazia desse último, no âmbito de sua semiose, a iconicidade e a polissemia, como características essenciais da obra de arte, No terceiro capítulo, realizar-se-á uma análise, observando influências de compositores europeus no poema sinfônico Uirapuru, sob o prisma da semiótica e as categorias fenomenológicas peirceanas. Toda a pesquisa é permeada à luz de comentadores, como músicos, filósofos, antropólogos, musicólogos, pois visa um diálogo à interdisciplinaridade como um substrato para aprofundamento do tema da identidade brasileira na música.

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ABSTRACT

The research proposed here is justified by the emblematic interest in a philosophical approach essentially semiotic on aspects of musical creation of our greatest composer Heitor Villa-Lobos (1887-1959) and the excellence in constructing the trajectory of Brazilian musical identities, namely: a) the identity of the composer in his unique compositional technique; b) the identity representing the deep intimacy with Brazilian nature, its native people and their miscegenation; c) the identity regarding methodology and application of our folklore in Brazilian music education. The first chapter briefly discusses the life and work of the composer, with historical and biographical studies, including the thoughts of the composer and emphasizing key-works and its elements of identity. In the second chapter, we discuss pivotal concepts in the philosophy of Charles Sanders Peirce (1839-1914), the theory of representation subsuming his important phenomenology and the possibility of creativity through the action of the musical sign in constant semiosis. We will emphasize the functionality and application of peircean semiotics, its triad: sign-object-interpretant and the primacy of the latter within its semiosis, iconicity, symbolism and polysemy as essential characteristics of the artwork. In the third chapter, we will analyse and intensify the study of semiotics and phenomenological categories applied to the simphonic poem Uirapuru. The entire research priority regards the interdiciplinarity of music, philosophy and semiotics in order to dialogue end clarify the theme of Brazilian identity in music.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 HEITOR VILLA LOBOS: UM RELATO HISTÓRICO E ANALÍTICO DA OBRA DE VILLA LOBOS ... 14

1.1 VIOLONCELO, VIOLÃO, PIPAS E PANQUECA ... 14

1.2 A PAIXÃO PELO CHORO ... 19

1.3 DE 1910 À SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922 ... 22

1.4 PRIMEIRA E SEGUNDA VIAGENS À EUROPA: A ALTERIDADE EM PARIS ... 32

1.5 RETORNO AO BRASIL E A EDUCAÇÃO MUSICAL E SEU PRINCIPAL LEGADO: CANTO ORFEÔNICO ... 36

1.6 AS BACHIANAS BRASILEIRAS, A UNIVERSALIDADE E SUA DESPEDIDA... 41

2 O PENSAR TRIÁDICO ... 45

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE E FILOSOFIA DE CHARLES PEIRCE . 45 2.2 SOB O SUBSTRATO DA FENOMENOLOGIA ... 50

2.3 SEMIÓTICA: ELEMENTOS TEÓRICOS ... 56

2.3.1 A Classificação dos Signos ... 60

2.3.2 Interpretando o Interpretante ... 64

2.3.3 Da Classificação do Interpretante e a primazia dos interpretantes emocionais e lógicos no panorama musical ... 66

3 O CANTO DO UIRAPURU NA FLORESTA DE SIGNOS... 71

3.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE A OBRA ... 71

3.2 ANÁLISE DA OBRA E A ABORDAGEM SEMIÓTICA E FILOSÓFICA ... 76

3.3 O UIRAPURU EM CANTICUM NATURALE ... 93

DA CAPO AL FIN ... 96

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Redução para piano dos compassos iniciais de Le Sacre du printemps

(1913) de Igor travinsky... 33

Figura 2 - Canto Orfeônico. Heitor Villa-Lobos (2011) ... 40

Figura 3 - Divisão das Ciências das Descobertas (CP 1.180-283) ... 47

Figura 4 - Modelo Semiótico-cognitivo gradual da audição ... 55

Figura 5 – Relação das tricotomias por C. Hardwick ... 64

Figura 6 - Estrutura da composição Uirapuru... 77

Figura 7- Uirapuru, primeiro compasso delineando acorde de Tristão preparando a melodia inicial ... 78

Figura8 - Uirapuru, ostinatos preparando o solo da flauta ... 79

Figura 9 – Compassos 155 a 157 de Le Sacre du Printemps de I. Stravinsky... 79

Figura 10 -Uirapuru, compasso 240 no b do grande D ... 80

Figura11- compasso 332 do Uirapuru, modo fa lídio ... 81

Figura 12- Compasso 31, escala octatônica, Uirapuru ... 82

Figura 13 Motivo do uirapuru, compasso 5 ... 82

Figura 14 - Motivo do uirapuru, compasso 136 ... 82

Figura 15 - Variação do motivo do canto do uirapuru, compasso 164... 83

Figura 16 - Variação do motivo com os violinos I e II, compasso 205... 83

Figura 17 - Último reaparecimento do motivo do uirapuru, antes da Coda... 84

Figura 18 - Compasso 135: efeitos da ambientação do Uirapuru ... 84

Figura19- Compasso 187, ambientação da floresta no Uirapuru ... 85

Figura 20- Compasso 211, corneta com surdina ... 85

Figura 21- Alusão a grilos no a e a’ do grande B ... 85

Figura 22 - Alusão a grilos no a e a’ do grande B com o violino I ... 85

Figura 23 - Mapeamento dos principais solos do Uirapuru ... 86

Figura 24 - Compasso 126 do Uirapuru ... 88

Figura 25 – Iniciam-se as várias síncopas em o Uirapuru, deixando destaque para o tema nos compassos 4 a 6 ... 89

Figura 26 - Exemplos de síncopas entre os compassos 185 a 189 ... 90

Figura 27 -Compassos 193 e 194 enfatizando a narrativa do Uirapuru flechado... 91

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LISTA DE ABREVIATURAS

CP – Collected Papers of Charles Sanders Peirce. EP – Essential Peirce

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INTRODUÇÃO

Heitor Villa-Lobos (1887-1959), nascido dois anos antes da proclamação de nossa República, expoente de nosso nacionalismo musical e maior compositor brasileiro de todos os tempos, está sendo cada vez mais pesquisado e suas obras mais interpretadas, não somente no Brasil como no estrangeiro. Torna-se, assim, quase uma ousadia justificar uma nova pesquisa sobre os aspectos da criação e análise musical, as peculiaridades de sua vida, o resgate de uma alguma obra extraviada ou retirar-lhe a “casaca” da corporificação do indígena1 selvagem no contexto história da música. Conquanto, a pesquisa aqui proposta justifica-se por dialogar filosoficamente, contextualizando historicamente sobre aspectos da sua extraordinária criação musical, valorizando os próprios pensamentos do compositor a respeito de sua obra. A contextualização, como reforça Eero Tarasti, revela-se indispensável em pesquisas que englobam compositores e suas obras e será adotada em todos os capítulos desse trabalho, quando necessária para contribuir diretamente sobre a reflexão filosófica e semiótica no tema da construção da brasilidade.

Não há como aventar a possibilidade de nosso compositor ter seguido uma intenção “descolonial”, de fundar um movimento propondo uma ruptura total como passado. Villa-Lobos não acreditava em academicismos, tampouco adentrava na política, ainda que efervescente na sua época. Há uma problematização estética antecipada no final do romantismo, obtendo seu apogeu no modernismo e perpetuando-se em nossa contemporaneidade. Sintonizado com este período histórico de mudanças estéticas, todavia seu maior interesse e paixão era o Brasil, sempre privilegiando a natureza de nosso extenso país, as raízes aborígenes, o folclore e seu povo, como ele mesmo declarou em diversas ocasiões no Brasil e no exterior.

Abrangendo um tema raro e emblemático, esse trabalho aborda os seguintes aspectos da obra de Villa-Lobos: a) a identidade do compositor em sua técnica composicional, apurando uma linguagem exuberantemente original, sem precedentes em nosso País, não obstante algumas influências de outros compositores; b) a profunda intimidade com a natureza brasileira, sua identificação com seu povo nativo, bem como suas miscigenações; c) sua grande importância na educação musical brasileira, elaborando metodologias de ensino durante a Era Vargas (1930-1945), identificando e recolhendo material do folclore nacional e

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reconhecendo a realidade de nossas escolas, adaptando pragmaticamente para canto ou canto coral, tendo-se em conta que adquirir uma quantidade imensa de instrumentos seria financeiramente pouco viável. A elaboração de sua linguagem é fundamentada essencialmente nas principais características: o estilo, mormente “villa-lobiano”: suas estabilidades e instabilidades, simetrias e assimetrias, texturas, obras seccionadas, explorações rítmicas e tímbricas, contemplando também algumas “influências” de outros compositores como Debussy, Wagner e Stravinsky, principalmente no período da obra Uirapuru.

Estruturada em três capítulos, esta pesquisa abordará, no primeiro deles, resumidamente, a vida e a obra do compositor, entrelaçadamente, enfatizando alguns períodos e fatos, bem como obras-chave que possibilitem uma reflexão histórica e filosófica para uma análise mais aprofundada no capítulo três. Autores reconhecidos como Vasco Mariz, L. Horta, Wisnik, P.T. Salles, L. Peppercorn, P. Guérios, entre outros, apoiam este inicial estudo, enquanto intercalamos pequenas passagens de relevantes comentadores que serão nossa bússola nos dois outros capítulos. A maioria dos autores perpassam os três capítulos para que haja um fio condutor de pensamento, evitando demasiada estratificação em capítulos e, por conseguinte, ensejando maior unidade nesta pesquisa interdisciplinar.

No segundo capítulo, após considerações iniciais sobre o filósofo norte-americano, sua original e profícua filosofia, Charles Sanders Peirce (1839-1914), seu bacharelado em Química pela Harvard University, exploraremos a semiótica peirciana, assim como conceitos pivotais de sua fenomenologia – phaneron - como ferramentas de observação e estruturação, teoria de significações e a possibilidade de riqueza criativa através da ação do signo musical, em constante semiose2. A aplicação da doutrina dos signos e sua fenomenologia irão dirigir-se tanto em relação à contemplação ou audição, bem como na análise das obras de Heitor Villa-Lobos, pontuadas neste estudo. Trataremos a composição musical, em sua semiose e polissemia, como características essenciais da obra de arte em um contexto histórico-sociocultural e como experiência estética livre e original do compositor.

No início do século XX, após quase cinquenta anos de árduas pesquisas, Charles Peirce edificou suas Ciências em uma ampla e original concepção. Dentro das subclassificações, incluiu nas Ciências das Descobertas, em ordem decrescente de abstração, a Matemática, Filosofia e Metafísica, afirmando por volta de 1903 que a respectiva espinha dorsal baseia-se em sua fenomenologia, subdivisão da Filosofia. Desta forma, à luz da

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Filosofia de Peirce, exploraremos a definição da tríade semiótica signo-objeto-interpretante, com ênfase neste último, considerando a segunda divisão da tricotomia do interpretante, elaborado pelo filósofo, por volta de 1907. Destacamos a tricotomia do interpretante como a ponta mais flexível da tríade, pelo seu efeito em uma mente ou coletivo de mentes, desde o tratamento mais lógico ao mais afetivo, emocional3 ou, como logramos, com parcimônia, também denominar sensível. Paralelamente a Peirce, os autores Santaella, Tarasti, Ibri, Daulhaus e pontualmente relevantes musicólogos e filósofos apoiaram esse capítulo e o último.

Leituras-chave e de difícil compreensão e amplitude, como atestam Santaella, Short e Ibri, os Collected Papers e Essencial Peirce, de Charles S. Peirce irãhasubsidiar preponderantemente nossa pesquisa, como objetivo de evitarmos equívocos ou especulações a título de maior fidelidade possível aos escritos de um dos maiores filósofos norte-americanos de todos os tempos.

No terceiro e o último capítulo, aplicaremos mais diretamente a filosofia peirciana ao poema sinfônico Uirapuru, tentando afastar-nos de um possível entusiasmo villa-lobiano narrativo, bem como de um estudo essencialmente tecnicista e estruturalista. Neste capítulo, apresenta-se como inevitável a inserção de fragmentos da partitura da obra, como elemento indispensável de análise para contribuir com mais clareza, buscando melhor evidenciar os aspectos de criação do compositor. Uirapuru, rico em índices da Floresta Amazônica, com todo seu simbolismo, evocando a melodia do canto do pássaro homônimo, característico de nossa floresta. Villa-Lobos elabora suas ambientações com muita criatividade e assim o faz nesta obra, ambientando os sons dos pássaros, rios e ruídos tecidos com ousadas harmonias, explorações de sonoridades em uma habilidade ímpar. Atentaremo-nos, inclusive, às influências dos compositores Richard Wagner e Igor Stravisnky e de Claude Debussy, através de alguns resquícios da escola francesa, amplamente difundida no Brasil na passagem do século XIX para o século XX.

Paralelamente aos autores relaciondos a obra e vida de Villa-Lobos, Charles Peirce, Eero Tarasti, Santaella e Ibri, apoiam o tratamento de análise interdisciplinar, já gradualmente inciado nos capítulos anteriores, com relação à composição escolhida. A tríade semiótica, a simetria categorial, enfatizando a categoria da primeiridade que, associada ao universo da sensibilidade, ao modo como seu olhar e inspiração na natureza brasileira, ao contorno de

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nossas montanhas, ao som do ondular de nossos rios e cantar de nossos pássaros, alimentaram sua técnica composicional. Sob a terceiridade, categoria do pensamento mediador, da contrução simbólica, analisaremos de forma suscinta, mas com detalhes relevantes o poema sinfônico em sua estrutura composicional, orquestração e solos, entre outros aspectos. Salienta-se, por fim, que não nos serviremos da análise técnica e estruturalista da Teoria dos Conjuntos, algmas vezes utilizadas na análise das obras do compositor nesta pesquisa. Incluiremos em nossa abordagem, os conceitos e aplicações da Lógica ou Semiótica, que no seu arcabouço arquitetônico peirciano refere-se à Matemática como fundamento das demais ciências heurísticas, conferindo a necessária abstração e estruturação à esta pesquisa. O trabalho se encerra com considerações teóricas sobre a riqueza sígnica e a primazia do interpretante em um caráter ontológico, conforme Lúcia Santaella; e polissêmico, conforme Ivo Ibri, na arte, especialmente a música.

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1 HEITOR VILLA LOBOS: UM RELATO HISTÓRICO E ANALÍTICO DA OBRA DE VILLA LOBOS

1.1 VIOLONCELO, VIOLÃO, PIPAS E PANQUECA

Contemporâneo de renomados compositores europeus e russos, como Arnold Schoenberg (1874-1951), Igor Stravinsky (1892-1971), Edgar Varèse (1883-1965), Bela Bartók (1881-1945), Alban Berg (1885-1935) e Francis Poulenc (1900-1963), dentre outros, Heitor Villa-Lobos (1887-1959) é considerado, pelos autores estudados nesta dissertação, o principal compositor erudito do Brasil. Expoente do movimento musical nacionalista brasileiro, Villa-lobos não foi um de seus precursores. Antes dele, exemplares compositores como Alberto Nepomuceno (1864-1929), Alexandre Levy (1864-1892) e Ernesto Nazareth (1863-1934) já buscavam se afastar, pouco a pouco, dos signos musicais – símbolos - sedimentados pelas escolas neoclássicas e românticas.

Foi no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, cidade fertilmente musical, que nasceu, em cinco de março de 18874, aos sete meses, Heitor, o segundo filho de Dona Noêmia Umbelina Santos Monteiro e Raul Villa-Lobos (NEWGER, 2009). Ele foi o único filho daquela família a seguir carreira de músico e compositor, apesar do talento para desenho e matemática. À parte de sua irregularidade como aluno desde criança e adolescente, apreciava muito tocar instrumentos e ouvir os encontros musicais aos sábados em sua casa, organizados por seu pai, que lhe apresentava para ouvir obras como as de Puccini, Verdi e Wagner (PEPPERCORN, 1989). Este ambiente que favorecia a apreciação musical também aguçou sua curiosidade, inquietude e criatividade. A influência de Wagner será detalhada, mais diretamente, ao analisarmos a partituda do Uirapuru.

Sobre as viagens, comenta Mariz: “em 1905, com 18 anos de idade, a febre de ver coisas novas assaltou-o. (...) Visitou os estados do Espirito Santo, Bahia e Pernambuco e extasiou-se diante da riqueza folclórica” (MARIZ, 1994, p.141). Relata, assim, o primeiro e respeitado biógrafo do compositor, o historiador Vasco Mariz (1921-2010). Entretanto, até hoje, estas viagens não foram definitivamente comprovadas. Ainda que não tenhamos certeza dos relatos de Villa-Lobos, principalmente acerca de todas as suas viagens, é inegável que

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Villa-Lobos buscou, em vários momentos de sua vida, amalgamar em suas obras o gorjear dos nossos pássaros, a fauna, sutis sons e ruídos de nossas florestas. Entretanto, o contato direto com este material parece não ter sido exatamente da forma como contava nosso compositor. Paulo Renato Guérios (2009) questiona com ênfase esses primeiros relatos de Villa-Lobos, constatando que o próprio biógrafo Vasco Mariz teria reprovado alguns exageros em seu livro, pois em seu contato quase diário com ele via-o com idolatria e, por vezes, pressionado pela gigantesca e “auto-ilusória” personalidade de Villa-Lobos. A biografia baseou-se mais nas palavras do biografado do que em documentação; porém, ainda assim, Mariz foi o pioneiro. Guérios buscou no Museu Villa-Lobos também documentos relativos às viagens do compositor quando bem jovem. Encontrou o depoimento da esposa do escritor, médico e antropólogo E. Roquette-Pinto (1884-1954), citando a origem de parte do que foi recolhido do material indígena:

Há também uma série de manuscritos do compositor com anotações de fontes para um projeto de livro sobre o folclore brasileiro sobre aos quais se lê: Cantos Ameríndios do Brasil: Canide-iune: Tamoios, recolhido por Jean de Léry, 1530; Nazoni-ná: Parecis, canção báquica, recolhida por E. Roquette-Pinto em 1908; Teiru, Parecis, recolhida por E. Roquette-Pinto em 1908; Ualalôcê: Parecis, caça, recolhida por E. Roquette-Pinto em 1908 (GUÉRIOS, 2009, p.36).

Complementa Guérios que Romeu Bergmann, cunhado do compositor, havia trabalhado como telegrafista da Missão Rondon na Amazônia e contara a Villa-Lobos muitos fatos daquele período, que recolhia em seu imaginário e reproduzia em “bom som” como parte de suas viagens.

A par desses óbices e de um passado um tanto “elaborado”, Villa-Lobos foi um compositor profícuo e único e o conjunto de todas as suas obras contempla a maioria das formas (sonata, suíte, canção) e gêneros musicais (música de câmara, concerto, choro, missa). Valorizava artisticamente nossos abundantes recursos naturais, como a sinuosidade de nossas montanhas, os rios, o interior do País, o sibilar dos ventos e trens, as vozes dos nossos chorões, índios, afrodescendentes e caboclos. São todos elementos que vieram a se tornar parte do que se denominaria objetivamente “a identidade”, refletida magistralmente em suas composições.

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quanto ao impregnar-se do urbanismo daquela época, tocando junto aos chorões, não lhe apartava do estudo como autodidata de obras eruditas como Cours de Composition Musicale, do francês Vincent D'Indy.

Como ilustração, mencionamos o depoimento do pianista brasileiro Arnaldo Estrella (1908-1980), que conhecia o compositor e que admirava sobremaneira as interpretações de suas obras pelo pianista, apresentando sinteticamente Villa-Lobos:

Tendo senhoreado os processos de improvisadores maliciosos, como os chorões cariocas, com os quais conviveu em sua mocidade; conhecendo o mundo precioso, embora limitado de Ernesto Nazareth e seus predecessores; tomando contato direta e indiretamente com o rico folclore das diversas regiões do país – norte, nordeste e centro sul -, Villa-Lobos representa o Brasil sonoro em sua totalidade. Presentes na sua obra estão o Amazonas e o Nordeste; as canções populares e as de roda; as danças populares e as valsas de origem europeia; o negro e o nativo (In PRESENÇA DE VILLA-LOBOS, 1970, p. 24-25).

Cabe-nos, ainda, considerar aqui as palavras de seu amigo, Olivier Messian, compositor e ornitologista francês, em entrevista ao crítico e jornalista francês Claude Samuel. Reproduzimos um trecho a seguir:

(...) outros músicos adotaram vias frutuosas e muito características, criando por vezes verdadeiras obras-primas. Penso em personalidades como Bartók e Falla, que encontraram uma via original, recorrendo à inspiração folclórica (...). Messian intervem: “você pode acrescentar um compositor mais envolvente devido a sua prolixidade: Villa-Lobos”. C. Samuel: “Eu sei que você tem grande admiração a este musicista, pois ele é um grande orquestrador”. E Messian replica imediatamente:

“um fabuloso orquestrador” (MESSIAN apud SCHIC, 1989, p. 79).

Villa-Lobos também foi o homem que criou metodologias pioneiras de ensino de música no Brasil e se empenhou para que o canto orfeônico fosse matéria obrigatória para todas as crianças em idade escolar. Considerava-se um compositor intuitivo e autodidata e se comunicava com uma força exuberante e uma criatividade única, ao mesmo tempo em que

algumas de suas obras universalizaram-se, a despeito de sua criticada falta de academicismo. Em sua história de vida, apresentamos alguns marcos que entendemos como importantes para

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Meu pai, além de ser homem de aprimorada cultura geral e excepcionalmente inteligente, era um músico prático, técnico e perfeito. Com ele, assistia sempre a ensaios, concertos e óperas, a fim de habituar-me ao gênero de conjunto musical. Aprendi, também, a tocar clarinete e era obrigado a discernir gênero, estilo, caráter e origem das obras, como declarar com presteza o nome da nota, sons ou ruídos que surgiam incidentalmente no momento, como o guincho da roda de um bonde, o pio de um pássaro, a queda de um objeto de metal, etc. Pobre de mim quando não acertava (...) (VILLA-LOBOS apud RIBEIRO, 1987, p. 14; MARIZ, 1994, p.138; NEWGER, 2009).

Nos encontros musicais domésticos, dos quais participavam amigos, artistas, mecenas e pessoas importantes da sociedade, havia frequentemente recitais. Com os ensinamentos do pai e esta atmosfera musical em sua casa, notadamente aos sábados, o menino Villa-Lobos adquiriu o gosto e a disciplina para a música de câmara. Frequentemente, após longos períodos de estudos musicais, dirigia-se ao morro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, não muito longe de onde moravam. Era um local aberto e com muito verde, onde ficava a soltar pipas, brincadeira que levou adiante por muitos e muitos anos (MARIZ, 1994; NEWGER, 2009).

Na época das primeiras experiências musicais, Villa-Lobos iniciou contatos com a obra do expoente barroco Johann Sebastian Bach (1685-1750), com a ajuda da tia “Fifina”, Leopoldina Villa-Lobos do Amaral, pianista amadora, conforme o biógrafo Mariz (1994). Mariz acredita, com certo exagero, que este contato com Bach, exerceu sobre ele impacto e admiração, bem como teria exercido admiração pelo compositor francês Camille Saint-Saëns (1835-1921), que escrevera muitas obras para o naipe de cordas, principalmente violoncelo, principal instrumento de Villa-Lobos. Posteriormente, Villa-Lobos transcreve algumas obras de Das Wohltemperierte Klavier, livro um como Prelúdio e fuga No. 4, BWV 849, Prelúdio e fuga No. 6, BWV 851, para “orquestra de violoncelos”, entre outras obras do gênio alemão e, posteriormente, entre 1930 e 1945, homenageia-o com suas nove Bachianas Brasileiras. Entretanto, Villa-Lobos não reconhecia nenhuma influência musical ou admiração por grandes músicos da história ou seus próprios contemporâneos. Nas raras vezes em que comentou sobre obras e compositores, mencionou os expoentes J.S.Bach e I. Stravinsky. Salienta, Mariz, a capacidade que Villa-Lobos possuía de assimilar e transpor ideias à partitura em qualquer local, como em um encontro com os chorões, viajando ou, como ocorreu muitas vezes, em locais bastante ruidosos.

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cabia ao jovem Villa-Lobos não apenas lutar por sua subsistência, mas, principalmente, contribuir para o sustento da família com apresentações musicais. Aos 12 anos, ele participava com violão de grupos de choros e arrecadava um muito modesto rendimento. A família também decidiu vender os muitos livros e volumes da biblioteca de Raul Villa-Lobos.

Ainda muito jovem e diante da difícil circunstância, Villa-Lobos decidiu tornar-se músico. Para a mãe, Noêmia, esse comunicado foi uma grande decepção, pois ela ansiava que ele seguisse a carreira de médico(NEWGER, 2009). Na verdade, parece-nos que a mãe nunca apoiara o filho na carreira tanto de instrumentista quanto de compositor, tentando veementemente afastá-lo das rodas dos chorões. Porém, por vontade dela, Heitor inscrevera-se no curso de Medicina, o qual nunca frequentou.

Para o período de 1899 a 1910, como mencionamos anteriormente, apurar a maior parte dos fatos da vida e obra do compositor torna-se extremamente difícil para pesquisadores. Há parcos registros de suas atividades, falta de documentação e o extravio das primeiras partituras ou ainda incompletas (dificuldade de se localizar as três primeiras partituras); também há ausência de publicações, existindo apenas alguns registros no Museu Villa-Lobos do Rio de Janeiro. Sua primeira composição teria sido uma canção, denominada “Os Sedutores”, de 1899, seguida da famosa “Panqueca”, de 1900, para violão solo, e da “Mazurca em Ré M” (1901), também para violão solo. Entretanto, essas partituras jamais

foram localizadas. Gradativamente, surgiriam mais composições e Villa-Lobos tornou-se conhecido no Rio de Janeiro, principalmente por tocar violão junto aos chorões e como violoncelista:

O adolescente Villa-Lobos, que domina razoavelmente o violoncelo, começa a frequentar serões burgueses, como o que é descrito no Jornal do Brasil de 12 de janeiro de 1903, num palacete da Rua Conselheiro Tomás, Andaraí Grande, reunião do Bouquet Club, presidido pelo Sr. Nabuco de Freitas. (GRIECO, 2009, p. 22).

Concernente a esta dificuldade de apuração de fatos, concorda ainda o escritor David Appleby, em entrevista a Irineu Franco Perpétuo, para a Folha de S. Paulo em 26/12/2002, quando o autor de Villa-Lobos, A Life, declara:

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Conforme mencionamos, há dificuldade de obtermos as primeiras partituras e documentos desta época. Há no Museu Villa Lobos (RJ) dois programas de concerto, um realizado em 21 de março de 1904, no Conservatório Livre de Música (RJ), e o outro em 26 de abril de 1908 em Paranaguá (PR). Assim, é possível Villa-Lobos ter realizado algumas viagens, mas nem todas as propagadas por ele mesmo.

Sobre, ainda, o imagético de Villa-Lobos, bem como o que fora contado aos amigos, reflete o antropólogo e professor Paulo Renato Guérios:

[...] a imagem do gênio que compunha enquanto conversava, que marcava sua diferença de estilo através dos ‘indefectíveis’ charutos, que jogava bilhar, que mantinha ‘trabalho e lazer convivendo sem limites’, que ‘encontrava prazer em tudo o que fazia’, que lutou pelo resgate dos cordões carnavalescos, que desenvolveu usos eruditos para instrumentos de percussão populares como o reco-reco... signos, enfim, da criação de uma figura emblemática, de um artista único (GUÉRIOS, 2009, p. 40).

Atualmente, em 2014, há inúmeras bibliografias, teses, dissertações, documentações, documentários e gravações sobre a vida e obra de Villa-Lobos, predominando textos em português, bem como em inglês, francês, finlandês, dentre outros idiomas; todavia, ainda nos deparamos com algumas lacunas e incertezas.

1.2 A PAIXÃO PELO CHORO

Paralelamente à música erudita, Villa-Lobos nutriu intensa paixão pelo choro, muito popular na época, executado nas ruas, cinemas, bares e outros lugares públicos, principalmente no Rio de Janeiro. Novamente, ele trouxe mais desgosto para os pais, que temiam que o filho se perdesse na “boemiacarioca”, vista por aquela sociedade como âmbito de ociosidade e frivolidades, e não tivesse disciplina de estudo para uma carreira reconhecida (PEPPERCORN, 1989; NEWGER, 2009). Villa-Lobos afeiçoou-se e identificou-se tanto com os “chorões” e conseguira, inclusive, participar de um dos mais famosos grupos de choro do país: “O Cavaquinho de Ouro”, do famoso violonista e “chorão” Joaquim Francisco dos Santos (1873-1935), conhecido como “QuincasLaranjeiras”.

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cavaquinho. O choro configurava-se essencialmente instrumental, com andamento agitado, vivo, e, na grande maioria das vezes, exigia virtuosidade e improvisação dos músicos. Luiz Paulo Horta acrescenta alguns detalhes:

O choro daquele tempo era improvisação inteligente. O que se faz hoje através do Jazz nós fazíamos aqui no Rio no começo do século. No choro, éramos quatro, cinco ou seis: um violão, um contrabaixo, cavaquinho, um pistom, um bombardino, às vezes flauta ou oficlide. (HORTA, 1987, p. 15)5.

Como gênero musical, a terminologia “choro” só começou a ser usada no século XX e se consolidou plenamente na década de 1920; porém, não tal como desenvolveu Villa-Lobos em seus Choros. Este Compreende características estilísticas e instrumentais de composições populares, originadas no período imperial, contemplando representantes como Viriato Figueira, Ernesto Nazareth, Joaquim Callado, Chiquinha Gonzaga, entre outros.

Apresentando-se com os chorões, em audições e concertos, Villa-Lobos conheceu importantes músicos do cenário do choro, como João Pernambuco, Catulo da Paixão Cearense, Ernesto Nazareth, Pixinguinha, Anacleto Augusto de Medeiros, entre outros (PEPPERCORN, 1989; NEWGER, 2009). Com o grande compositor e pianista Ernesto Nazareth (1863-1934), Villa-Lobos apresentou-se com música de câmara em cinemas, como era costume na época. A amizade e a admiração mútuas fizeram com que ambos dedicassem composições um ao outro.

Não obstante os Choros de Villa-Lobos, compostos entre 1920 e 1929, não sejam nosso objeto específico de pesquisa, “representam a mais valiosa cotribuição brasileira à música contemporânea” (MARIZ, 1994), mas são concernentes ao escopo da pesquisa no que tange a identificação e experiência de sua vida com o grupo dos chorões e a música tocada por eles, no início do século XX e as consequências em suas composições; Através dos originais Quatorze Choros (ainda que os Choros nº 13 e nº 14 estejam extraviados), e considerando Choros Bis, Introdução aos Choros, estão a consolidação musical de sua originalidade em seu trabalho de composição e sua inspiração nos elementos urbanos brasileiros acrescidos de nuanças indígenas, ou seja, constituem explícita identidade das manifestações de nosso povo.

O primeiro Choro que apresenta elementos com temática indígena é o de número três, composto em 1925, baseado na canção indígena Nozani-ná, bem como elementos com

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palavras de origem africana, como Pará Makumba (possível alusão ao ritual da Macumba) Posteriormente, em 1929, ele reutiliza a mesma melodia indígena na Introdução aos Choros, entre outras obras6 (SALLES, 2009). Nessa mesma “tendência composicional” de inclusão explícita de brasilidade, menciono o Quinteto em Forma de Choros (1928) para instrumentos de sopro. Apesar dos primeiros compassos apresentarem-se de forma grave e refinada, aparentemente sem pretensão, há pontuais sequências de virtuosidade para os instrumentos, sendo carreado de sonoridades nordestinas, síncopas, enfim, elementos de brasilidades explorados originalmente. A série de Choros é tão diversificada na instrumentação como jamais encontrada em outro ciclo de suas obras. Compunha, nesta série, tanto para violão solo, a exemplo do Choros nº 1 (1920, dedicado a Ernesto Nazareth), ainda um pouco contido, conservador ou tradicional em sua técnica e forma, quanto para uma grande orquestra e coro, como nos Choros nº 10 (1926). Esse Choros mais ousado em termos de técnica composicional aproxima-se a um grande ode às etnias brasileiras, apresentando no ostinato dos fagotes uma canção de ninar indígena, interceptando o curso da obra com rupturas abruptas, densidade e explorações tímbricas. Contempla ainda uma melodia sentimental e pontualmente dramática extraída de parte da letra de Rasga o Coração do poeta, compositor e seresteiro Catulo da Paixão Cearense (1863-1943). “Flautas-pícolo e clarinetes tocados nos registros agudos e com tremolo dental reproduzem uma revoada de pássaros. Entoa-se, então, o tema de Mokocê-cê Maká, uma canção de ninar indígena” (NEGWER, 2009, p. 171). Ouve-se, em alguns momentos, sons onomatopaicos ”caracteristicamenteindígenas”, cantados pelo coro. Em outros momentos, há alusão à Floresta Amazônica. A simbólica Floresta Amazônica também constitui-se em uma narrativa em poemas sinfônicos como Amazonas e como demonstraremos em Uirapuru. Há outros índices de brasilidade nessa obra, mas vejamos o pensamento do compositor na epígrafe do Choros nº10, acerca de sua série de Choros:

O choro representa uma nova forma de composição musical na qual ficam sintetizadas várias modalidades de nossa música selvagem e popular, tendo como principais elementos o ritmo e qualquer melodia típica e popularizada, que aparece de quando em quando, acidentalmente, sempre modificada, segundo a personalidade de autor. Os processos harmônicos são também quase uma estilização completa do original (VILLA-LOBOS, 1928)

De fato, como vimos na página 13, o Choro foi reconhecido como gênero musical apenas no século XX, não na concepção de Villa-Lobos, mas no carácter histórico e etnográfico desse gênero no Brasil.

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1.3 DE 1910 À SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922

Antes mesmo de 1910, Villa-Lobos já havia sido contratado como violoncelista profissional até mesmo de uma companhia de operetas, atuando em recitais e concertos, quando começou a compor de forma mais constante. Confessa, naquele momento, que estava predestinado verdadeiramente à música e que este caminho não teria mais volta (NEWGER, 2009). O “compositorsério” focou-se em fazer da composição uma profissão, seu ideal. Mas, para tanto, ainda era necessário apropriar-se da linguagem musical de seu tempo. Como autodidata, Villa-Lobos vencia as dificuldades de algumas obras para composição, como o Cours de Composition Musicale (obra-padrão do Conservatório de Paris à época), utilizado no Instituto Nacional de Música (RJ) e como violoncelista da Orquestra do Teatro Estadual do Rio de Janeiro, adquirindo maior técnica instrumental, bem como literatura para violoncelo e orquestra:

Villa-Lobos iniciou-se, como todos os grandes músicos de sua geração, assimilando as técnicas herdadas do Romantismo [...] As obras nas quais Villa-Lobos manifesta influência do “Bando de Franck” são provavelmente decorrentes do estudo que ele realizou a partir do Cours de Composition Musicale de Indy (SALLES, 2009, p. 19-20).

Nesta fase, criou uma série inteira de obras para piano e violoncelo, dentre elas algumas sonatas. Escreveu, em 1913, o famoso Concerto para Violoncelo e Orquestra, nº 1, e, antes, em 19127, a Sonata-fantasia para Violino e Piano. Nota-se, nas obras do compositor, já a partir de 1912, que o que se entende tradicionalmente por tema, exposição e desenvolvimento, em uma composição, não foi exatamente seguido. Salles (2009) e Wisnik (1983) apontam para a influência da escola francesa, pois o compositor já se utiliza tecnicamente de partículas de motivos musicais que não se desenvolvem e que, outras vezes, reapareciam ciclicamente idênticos, transformados ou sem visar a terminações previsíveis. Esta técnica também é utilizada nos três primeiros Quartetos de Cordas, compostos entre 1915 e 1916 (SALLES, 2009, p. 21).

Villa-Lobos logo conheceu a pianista e professora laureada pelo Instituto Nacional de Música, Lucília Guimarães, no final de 1912, com quem aprendeu muito mais sobre piano.

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Além de tocar suas obras para piano em recitais, Lucília foi sua grande incentivadora nos tempos difíceis de seu início de carreira. Casaram-se em 12 de novembro de 1913 e permaneceram no Rio de Janeiro (MARIZ, 1994; 2005).

Em 1914, ele compôs a Segunda Sonata-fantasia, um pouco mais extensa do que a anterior (Sonata-Fantasia Nº 1, composta em 1912), na qual se percebe claramente as escalas de tons inteiros, muito utilizadas por Claude Debussy (1862-1918), ainda sob influência francesa, na qual vilumbra-se uma autonomia rítmica, mas ainda harmonicamente e em relação à utilização dos instrumentos, expressa-se segundo preceitos tradicionais. Observa-se tratamento semelhante nos trios para piano, violino e violoncelo e nas demais obras. Revelam-se igualmente pontuais as influências, mormente de R. Wagner, mas incluem-se, também, G. Fauré, J. Brahms e C. Saint-Saëns.(SALLES, 2009).

Neste período, Villa-Lobos começa a dar aulas particulares de violoncelo em sua residência, mas não há registros de quantos alunos possuía e a frequência dessas aulas. Conseguimos uma entrevista8 com a pianista, professora e escritora Adelina Barreto Santiago, aluna entre 1955-1958, no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. Profª. Adelina comenta que Villa-Lobos era bem exigente como professor e com relação as suas obras para piano que Profª. Adelina realizava em público. Com relação ao Canto Orfeônico, o compositor era também exigente com os professores para que pudessem transmitir aos alunos nos quesitos disciplina, afinação, boa dicção, entre outros aspectos. Nos encontros com a Profª. Adelina, ele sempre mencionava a valorização do folclore e da natureza. Nas raras vezes que sutilmente comentava alguma admiração por compositores, era uma admiração por Bach e Stravinsly, mas não mencionava a palavra “influência”.

O Trio nº 2 para Piano, Violino e Violoncelo foi escolhido e executado na Semana de Arte Moderna de 1922, ainda que visivelmente distanciado do que seria a brasilidade de Villa-Lobos em suas composições. Contudo, apresentou, também, Danças Características Africanas para piano(1914-1916), no mesmo evento, a qual, segundo o escritor e compositor José Miguel Wisnik, expressa pontualmente o “selvagem”, muitas vezes atribuído às obras de Villa-Lobos, apontando para o “uso da escala de tons inteiros, como os acordes paralelos e as quintas aumentadas“ (WISNIK, 1983, p. 145). Aliam-se a estes aspectos algumas extravagâncias instrumentais, dinamismos e estacidades, trunfo de sua personalidade original, além de estar “baseado modalmente nas escalas de Debussy e ritmicamente no gingado da

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síncopa” (WISNIK, 1983, p. 151). Convém esclarecer que o nome faz alusão ao afro-brasileiro, porém a obra possui características de melodias e ritmos indígenas, dividindo-se em três danças: Farrapós (1914), Kankukus (1915) e Kankikis (1916), bem como a indicação no manuscrito da partitura: “Danças dos Índios Mestiços do Brasil.” Mário de Andrade, com relação a essa obra, hoje de repertório internacional, identificou o “emprego da bárbarie bárbara.” (apud GRIECO, 2009, p. 55)

Indispensável comentar que, a partir deste período, constatou-se que o compositor intensifica a menção à cultura indígena em suas obras que, aliada aos elementos dofolclore, configura o que sejam os dois temas de nossa cultura mais utilizados para compor a brasilidade nas suas obras. Mencionem-se, também, mais algumas obras nessa mesma linha: Canções Típicas Brasileiras: Nozani-ná e Ualalôcê (1919-1935) para voz e piano; Amazonas (1917); Uirapuru (1917?); Choros nº 3 (1925), Dança do Indio Branco (1936); Duas Lendas Ameríndias em Nheengatu (1952); Três Poemas Indígenas (1926, RJ), Choros nº 10 (1926), Introdução aos Choros (1929), canções no Canto Orfeônico I e II, entre outras.

A Profa. Dra. Maria Alice Volpe, que se dedica intensamente à musicologia e áreas interdisciplinares (história, sociologia e filosofia), realizando um extenso e rigoroso trabalho relativo à música, especificamente ao Indianismo no Romantismo brasileiro e à identidade indígena no Brasil (antes mesmo do compositor Carlos Gomes), afirma:

I argue elsewhere that the contribution of Indianismo in the nationalization process of Brazilian music needs to be reframed, not only because the choice of the literary subject was central to the operatic genre, but also and above all because Indianismo conveyed major ideological issues concerning the construction of national identity.(VOLPE, 2002, p. 179)9

Além de intensificar a produção de obras neste período, Villa-Lobos começava a realizar uma série de concertos, sem grande receptividade do público, chegando a cancelar apresentações públicas, já que não eram vendidos números suficientes de ingressos. Não obstante suas reais dificuldades, Villa-Lobos não renunciou à carreira de violoncelista e compositor (NEWGER, 2009). Incluem-se, neste período, de acordo com o catálogo de suas obras, importantes composições como: Suíte Infantil nº 1 (1912); em 1913, Suíte Infantil nº 2, além de A Prole do Bebê I, em 1918, exemplar da estética de Debussy com elementos de

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brasilidade, na qual salientaremos a 3ª e 4ª peças: “Caboclinha” e “Mulatinha” que, juntamente com a famosa Lenda do Caboclo de 1920, também para piano solo, revelam novamente o interesse de Villa-Lobos por aspectos de identidade do povo brasileiro, especificamente os formantes gerados da miscigenação: o mulato, caboclo, mestiço, mencionados nas obras deste capítulo.

Estas questões importantes de nossa identidade, como aspectos raciais e a policulturalidade, também estariam sendo reconhecidas em nossa literatura vide Monteiro Lobato10 e Gilberto Freyre11. Conceitos sobre raça e seu mapeamento em nosso País tornavam-se tema comum de pesquisa em diversas áreas do conhecimento. Interessantemente, Anais Fléchet cita Louis Chevallier: “você entende que Villa-Lobos é um compositor racial; possui a alma de todo o Brasil” (CHEVALLIER, 1927 apud FLÉCHET, 2004, p. 61). Entretanto, ela reforça que, para o olhar europeu, as raças que nosso compositor representava eram a indígena, a latina e africana. Provavelmente, Villa-Lobos concordaria parcilamente com a autora, visto que realizou um estudo denominado “Gráfico planisférico etnológico da origem da música no Brasil”. Neste gráfico consta, em ordem decrescente, os países que mais influíram em nossa música: Nativos, Península Ibérica, África, Vaticano (Religião e Classicismo), Holanda, Paris, Áustria, Hungria, entre outros (GUÉRIOS, 2009, p. 221).

Semioticamente, torna-se difícil tratar o assunto neste ponto sob o parâmetro da iconicidade, perpassados séculos de convergências e divergências entre culturas em nossa nação. Grandes adversidades enfrentadas e as descentralizações e centralizações, tanto por motivos econômicos ou políticos, não enfraqueceram as semelhanças e as generalidades que conferem o simbólico das raças, como aludidos nas obras de Heitor Villa-Lobos, na literatura e demais artes. A generalidade não pressupõe uma rígida simetria, assim como prevê Charles Sanders Peirce em sua teoria do continuum; o mundo evolui, mas continuamos a nos reconhecer como mulatos ou o filho branco de imigrantes portugueses ou italianos. Por motivos de espaço e tempo, não poderemos nos estender neste tema, cuja antropologia, sociologia e história têm contribuído rica e substancialmente em estudos relativos à cultura brasileira. Note-se, porém, como a obra de Villa-Lobos continua não somente levantando questões de caráter estético, mas conferindo sutis olhares sobre aspectos sociais, etnológicos e filosóficos.

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Caçadas de Pedrinho (1933); Memórias de Emília (1936). 11

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Neste profícuo período, compõe para piano solo Rudepoema12 (1921-1926), obra “exemplarmente modernista”, bem mais complexa em sua estrutura e linguagem. Apenas para exemplificar, ressaltam-se nesta obra imbricamentos da pentatônica: diatônica e cromática, atonalismo e rupturas abruptas; as ideias motívicas iniciais e temas que reapresentam-se ora semelhantes ora variam, utilizando as células dessas melodias e transformando-as em outras completamente distintas. Veremos em o Uirapuru que o compositor apresenta o tema, o transforma, utilizando partículas do mesmo; entretanto, o repete, utilizando mais singelamente semelhante técnica. Rudepoema é a mais difícil composição para piano solo de Villa-Lobos, dedicada a seu grande amigo Arthur Rubinstein, o qual fez a premiere em Paris, Maison Gaveau em 24 de Outubro de 1927. Eero Tarasti (1995a), importante musicólogo finlandês, além de colocar essa obra ao lado de outras obras para piano exponenciais de Stravinsky, Scriabin e Prokofiev, considera Rudepoema “a obra mais significante do repertório da literatura sul-americana para piano” (TARASTI, 1995a, p. 259).

Vale lembrar que, em 1913, o compositor começou a publicar algumas de suas obras, o que facilitou certa divulgação interna das mesmas em concertos e recitais. Paralelamente à divulgação, a crítica musical da época, então, dividiu-se muito com relação a Villa-Lobos, pois havia quem fosse contra, como o crítico Oscar Guanabarino, e outros a favor de sua “linguagem modernista”, já distante de seus contemporâneos brasileiros (MARIZ, 1994; 2005).

Retornamos, novamente, para alguns anos antes da Semana de 1922, quando Villa-Lobos iniciou as composições dos poemas sinfônicos e/ou bailados Myremis e Tédio da Alvorada em 1916, bem como Sinfonia nº 1 (1919). De acordo com Peppercorn (1989) e Salles (2009), este momento é singular, pois iniciam-se as composições de obras orquestrais, pelas quais ele será muito reconhecido posteriormente. Amazonas (1917?) e Uirapuru (1917?) baseiam-se nos poemas sinfônicos Myremis e Tédio da Alvorada, respectivamente. Myremis foi executado no primeiro concerto para a Associação Brasileira de Jornalistas, em 1918. Posteriormente, Tédio da Alvorada (obra base para a composição do Uirapuru) foi executado no Rio de Janeiro em 1922, para financiamento de sua primeira viagem a Paris.

As datas das primeiras premières são ainda mais tardias: Amazonas, em 1929, em Paris, e Uirapuru, em 1935, na Argentina. Em Paris, Villa-Lobos revisou quase totalmente

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Myremis e a denominou Amazonas, conforme Salles (2009), na qual estão explícitos elementos das músicas dos compositores Wagner e Stravinsky. Veremos, no capítulo três, essas influências, ao enfatizarmos o Uirapuru, aliadas ao “imagético selvagem” da Floresta Amazônica. Além desses marcantes elementos, esses poemas sinfônicos despertaram atenção até os dias de hoje pelos instrumentos de percussão brasileiros incluídos na grande orquestra como, por exemplo, o pandeiro, tipicamente utilizado nos choros, além dos instrumentos exóticos para a época, como o vibrafone, o sarrussufone e a viola d’amore13.

O poema sinfônico e bailado Amazonas, bem como Uirapuru, são considerados, também, música programática sobre a paisagem tropical brasileira, explicitamente a Floresta Amazônica. Designando a unidade do poeticamente musical e absolutamente consciente, defende Franz Brendel “a ideia poética – fundamento do ato global de criação” (apud DAHLHAUS, 1970, p. 87) na música programática. Concordando em parte, Hegel, que considera o determinante: “histórico-filosófico” na música, afirma que nela reside o impulso para ir além de si mesma, na “interioridade abstrata”, e “trazem também à consciência a determinidade das impressões anímicas em intuições mais sólidas e em representações14mais gerais” (apud DAHLHAUS, 1970, p. 88). Como os temas de criação da música programática são reais e externos à música, há controvérsias sobre a possibilidade de sua legitimidade, pois a linguagem da música não se equivaleria às demais linguagens, podendo não ser totalmente entendida ou ser ‘ilusória aparência”, segundo alguns filósofos e musicólogos. Todavia não entraremos nessa polêmica, uma vez que Villa-Lobos foi bem sucedido em seus poemas sinfônicos. O crítico Adolphe Piriou, sobre o Amazonas, escreveu para o Le Monde Musicale:

Essa obra, evidentemente distante de nossas tradições europeias, denota um temperamento musical rico, poético e sonhador e, ao mesmo tempo, violento e bárbaro. Excelentemente executado pela orquestra e seu valoroso maestro, ela foi acolhida de forma muito calorosa (apud NEWGER, 2009 p.112).

Em o Amazonas, com traços de uma estética debussyana, são demonstrados, por exemplo, o movimento ininterrupto das águas do Rio Amazonas, através do ostinato realizado com o piano para este efeito, e também executado pelo naipe das madeiras, numa ambientação instrumental que nos remete à umidade e densidade da Floresta, bem como ao

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Sarrussufone é um instrumento de sopro de palheta dupla do século XIX em seu formato semelhante ao fagote; viola d’amore, da família das violas, possui de 6 a 7 cordas, possui forma e tamanho semelhantes a uma viola de nossos dias, porém é típica do período barroco.

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elemento indígena daquela região. A utilização do leitmotiv15 é clara nesta obra, comentado também por Paulo de Tarso Salles, que aponta a importância de Wagner e Stravinsky, que influenciará o compositor em Uirapuru:

Observa Salles (2009, p. 25):

A mistura de elementos de Wagner e Stravinsky sugere uma transição entre as linguagens romântica e moderna. A alteração do programa literário desses poemas sinfônicos provavelmente ocorreu porque Villa-Lobos pressentiu a oportunidade de realizar algo que correspondesse à expectativa do público parisiense, servindo- se de imagens exóticas da terra brasileira.

A partir de 1917, seus contatos com o estrangeiro intensificaram-se. Segundo Peppercorn (1989), Charlotte C. F. Riom (2013), o jornal O Estado de São Paulo e conhecidos periódicos do Rio de Janeiro16, neste mesmo ano, houve a estreia do Balé Russo de Sergei Diaghilev, juntamente com Vaclav Nižinskij no Rio de Janeiro, que posteriormente viajou para países vizinhos como Argentina e Uruguai (última apresentação em vida de Nižinskij). Todavia, no repertório destas apresentações, não havia composição de I.Stravinsky. Não é possível afirmar a influência de Stravinsky devido a essa estréia, mas é possível que Villa-Lobos tenha admirado a cultura russa em um sentido mais amplo; porém reforço que é apenas uma possibilidade. No mesmo ano, conheceu e tornou-se amigo do compositor francês Darius Milhaud (1892-1974), que trabalhou no Rio de Janeiro por quase dois anos (1917-1919) e lhe apresentou a música de Erik Satie e alguns trabalhos de Debussy e Stravinsky. Milhaud foi quem apresentou Arthur Rubinstein a Villa-Lobos no Cinema Odeon, declarando, em 1941:

When I came to know him in 1918, he played the cello to earn a living. He showed me straight away some compositions written for the instrument: the early works were full of promises, a promise that has been kept.17 (apud PEPPERCORN, 1989, p. 41).

O Brasil e a França já possuíam um forte vínculo cultural desde a Belle Époque, que influenciou músicos brasileiros anteriores a Villa-Lobos. Nesse percurso histórico e analítico, aproximamo-nos da Semana de Arte Moderna de 1922.

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O leitmotiv: recorrente tema, motivo ou frase na composição. Richard Wagner foi o pioneiro na descoberta e ulitização desta técnica. “Tema musical associado com um personagem, emoção, coisa ou ideia particular no

drama” (GROUT e PALISCA apud SALLES, 2009, p. 36) 16

Arquivo o Estado de São Paulo de 28/07/1917 e os periódicos A Noite, A Ilustração Brasileira, O Imparcial e Fon-Fon..

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Um pouco antes da Semana de 1922, continuando a acreditar em seu potencial para orquestração, em 1918 compôs a série de obras para orquestra denominadas Marcha Religiosa (nº 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8), sem muito impacto e sucesso. Nesse mesmo ano, conheceu, no Rio de Janeiro, atravez de Milhaud, um dos maiores pianistas do mundo, o polonês Arthur Rubinstein (1887-1982), que se tornaria um de seus grandes apoiadores para alavancar o reconhecimento internacional. A despeito dos primeiros estranhamentos ao se conhecerem, Rubinstein foi um grande amigo, admirador, intérprete e, provavelmente, o maior incentivador de Villa-Lobos para sua primeira viagem a Paris. Nas palavras do exímio pianista: “apesar de tudo, esse é o músico mais digno de observação de toda a América.” (RUBINSTEIN, 1980 apud MARIZ, 1994, p. 146).

Entre 1919 e 1920, compôs, com temas de canções folclóricas, a criativa obra para piano solo O Carnaval das Crianças, dedicando-a a seus sobrinhos, a qual até hoje é repertório de pianistas no mundo inteiro. Sem quaisquer relações estéticas, neste mesmo período, compôs as Sinfonias nº 4 (Vitória) e nº 5(Paz), no Rio de Janeiro, nas quais se nota grande densidade, possivelmente reflexo do turbilhão de sentimentos que marcaram Villa-Lobos, e o mundo todo, em razão da Primeira Guerra Mundial.

“Tupi or not Tupi, that is the question”, célebre menção do escritor Oswald de Andrade (1890-1954), aliado à cultuação de nosso folclore e a liderança de Mario de Andrade, foram o “leitmotiv” de Modernismo Brasileiro. A convite de Graça Aranha (1868-1931), diplomata e escritor, um dos organizadores da Primeira Semana de Arte Moderna, Heitor Villa-Lobos, aceitando o convite, é chamado a participar do evento como compositor. A Semana de 22 (que aconteceu nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro), em São Paulo, teria sido, segundo alguns, um marco de ruptura de regras e conceitos estéticos com o passado, além de estabelecer as sementes de um movimento nacionalista nas artes. Entretanto, como vimos anteriormente, Villa-Lobos, havia alguns anos, já demonstrava, em suas composições, características estéticas reconhecidamente “modernas” ou, nas palavras do próprio compositor: “não sou fruto da Semana de Arte Moderna.”18

Vários artistas participaram daquela Semana, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Víctor Brecheret, Plínio Salgado, Anita Malfatti, Menotti Del Pichia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Tácito de Almeida, Di Cavalcanti, entre outros. Os músicos que se apresentaram foram Ernani Braga, Guiomar Novaes, Frutuoso Viana e Villa-Lobos - o único

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a se apresentar nos três dias do evento, mas não foi compreendido e acabou por ser veementemente vaiado. É importante destacar que, na década de 1920, ocorreram outros movimentos com esta tendência estética nacionalista, a saber: Movimento Pau-Brasil, Movimento Verde-Amarelo - Grupo da Anta e Movimento Antropofágico. Apesar da crítica negativa com relação à apresentação do compositor na Semana de 22, este deixou fortemente sua marca:

Villa-Lobos, que em seu temperamento muito peculiar não se reconhecia discípulo de praticamente ninguém (a não ser, em tom de brincadeira, “de Pixinguinha, Universidade de Cascadura”...), manteve sempre atitude de muito respeito em relação à Graça Aranha. Para Villa-Lobos, como para muitos outros integrantes do movimento modernista, a partir da Semana de Arte Moderna de São Paulo (1922) e da conferência de Graça sobre o espírito moderno, na Academia Brasileira de Letras (1924), Graça Aranha era na verdade alguém a quem podia tratar reverentemente de mestre. [...] Se pudesse medir em centímetros quadrados o que a imprensa paulista dedicou a cada um dos escritores e artistas que participaram em fevereiro de 1922 da Semana de Arte Moderna, o maior espaço seria o ocupado por Heitor Villa-Lobos [...] e o público compareceu ao teatro disposto a tudo, tanto a aplaudir como a vaiar. (GRIECO, 2009, p. 54-55).

Assim, depreende-se que o movimento convergiu em um “sentimento de liberdade de expressão” e pesquisa de nossas identidades, com um predomínio maior de artistas plásticos e escritores do que compositores. Para o musicólogo Carl Dahlhaus (1928-1989), realismo e nacionalismo ocidental estão intrinsecamente ligados. A originalidade, bem como a identidade nas composições deste período histórico, deveriam estar fundamentadas em um “espírito popular” ou em heranças, tais como as dos indígenas, no caso do Brasil, pois estas são as que caracterizariam historicamente um país (DAHLHAUS, 1985; 1991). Importa colocar um parêntese: este realismo, no caso da música no Brasil, poderia ser implícito ou explícito, pois não era o principal foco de nosso movimento.

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remete antes à estética e à técnica do que à cronologia.” (GRIFFITHS apud SALLES, 2005, p. 71). Para o influente escritor e crítico musical, E. Hanslick (1854), a estética também é autônoma (de uma cronologia, de uma linguagem, etc). Concorda M. Wisnik que a técnica mostrou sua multiplicidade, primeiramente rompendo com o estatuto do tonalismo, comentando que, após o cromatismo wagneriano e shoenbergiano, o atonalismo estaria a um passo de ser atingido. Lembra também que a busca de materiais sonoros diversos também caracterizam o Modernismo (WISNIK, 1983).

O Nacionalismo vinha eclodindo, há alguns anos, como movimento político, social e cultural em muitas partes do mundo, identificando-se com o folclore e o "espírito do povo" de uma nação:

Behind folk art one has often imagine a kind of nameless subject, Volksgeit, whose manifestation it is. Identification with this national subject also makes us consider anthropological fieldwork ethically valuable (…). This invisible Volksgeit undeniably directs our interest, since such art, mythical stories, pictures and music thouches us. Even when an avant-garde painter or composer, like François-Bernard Mâche, uses a Cheremissian Chant recited by an aboriginal female voice as the starting point for the synthetized music, it has its particular expressivity for all contemporary Finno-Ugric people. On the other hand, this is our own folklore, since in the end, everything is borrowing from other peoples. (Tarasti. 2000.p. 90)19

Esta citação de Eero Tarasti aproxima-se do que expressou Villa-Lobos sobre o conceito de nacionalismo:

O conceito de nacionalismo na música, como eu o entendo, está condicionado às características das várias formas, estilos e gêneros – espontâneos, populares ou elevados – que incontestavelmente existem em quase todos os países civilizados, embora se observando em alguns casos influências recíprocas e já se achando em ocaso a fonte autóctone de muitos deles (VILLA-LOBOS apud RIBEIRO, 1987, p. 88).

19

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1.4 PRIMEIRA E SEGUNDA VIAGENS À EUROPA: A ALTERIDADE BRASILEIRA EM PARIS

Arthur Rubinstein, juntamente com mais alguns brasileiros, convenceram as famílias Guinle e Penteado, com alguma subvenção do governo brasileiro, a patrocinar todos os custos da primeira viagem de Heitor Villa-Lobos a Paris, em 30 de junho de 1923, haja vista a notória crítica situação financeira em que se encontrava nosso compositor.

“Não vim aprender, vim mostrar o que fiz. Se gostarem ficarei; se não, voltarei para minha terra” (HORTA, 1987, p. 44; GUÉRIOS, 2009, p.152). É com este objetivo que Villa-Lobos chega à cidade-luz. Ademais, a “Ville Lumière” era um polo artístico e intelectual e não socioeconômico desde a Belle Époque20. Um símbolo de um espaço internacional de criação, principalmente na década de 1920, quando a França ansiava por apreciar e conhecer outras estéticas que não a francesa (FLÉCHET, 2004, p. 27). De fato, antes de Villa-Lobos, precursores do nacionalismo brasileiro, como o compositor Alberto Nepomuceno e Alexandre Levy, por exemplo, fizeram passagem por Paris. Sem atingir a notoriedade de Villa-Lobos, e ainda que tenham vivido pouco, Nepomuceno, 56 anos e Levy, 27, contribuiram nos difíceis primeiros passos do nacionalismo brasileiro (MARIZ, 1994). Legendárias pianistas brasileiras, como Magda Tagliaferro e Guiomar Novaes, também já haviam residido naquela cidade, atingindo grande notoriedade, além de outros artistas brasileiros.

L’altérité, como se refere várias vezes Anais Fléchet, foi Villa-Lobos: o índio

branco, o exótico, o primitivo em contraponto à dominante civilizada e histórica cultura europeia. Saliento que Fléchet, em sua narrativa sobre alteridade, ecoa o historiador francês François Hartog e o antropólogo Francis Affergan, no qual “o outro está essencialmente longe e desejado, e desejado porque longe”. Sob este ponto de vista, nosso compositor não estaria quebrando algum paradígma de “cosmopolitismo”, pois estaria na esteira dos russos, eslavos e espanhóis, incluindo-se no “surgimento dos nacionalismos musicais” (FLÉCHT, 2004).

Como Villa-Lobos formara importantes amizades no Brasil, principalmente junto ao pianista A. Rubinstein e ao compositor francês Darius Milhaud, que residia em Paris, sua chegada foi bem-vinda, ainda que como profissional ele não fosse nem um pouco conhecido. Em Paris, uniu-se a músicos e foi apresentado ao compositor e pianista brasileiro Souza Lima,

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Figura 1- Redução para piano dos compassos iniciais de Le Sacre du printemps (1913) de Stravinsky
Figura 2 – As Creanças, Canto Orfeônico II. Heitor V Lobos (2011)
Figura 3 - Divisão das Ciências das Descobertas (CP 1.180-283)
Figura 4 - Modelo Semiótico-cognitivo gradual da audição   Fonte: Tarasti, 2012, p. 415
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Referências

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