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Da Classificação do Interpretante e a primazia dos interpretantes

2.3 SEMIÓTICA: ELEMENTOS TEÓRICOS

2.3.3 Da Classificação do Interpretante e a primazia dos interpretantes

Segundo Santaella, há três grandes contribuições neste tema: Jørgen D. Johansen, pesquisando extensivamente os interpretantes e considerando os estados mínimos e máximos

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"Ver o que o interpretante de um signo é: é tudo o que está explícito no próprio signo à parte do seu contexto e circunstâncias de enunciação" (CP 5.473).

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Qualquer conceito é um signo, claro. Ockham, Hobbes e Leibniz suficientemente disseram isso. Mas podemos ter um signo em tão amplo sentido que o interpretante não é um pensamento, mas uma ação ou experiência, ou podemos mesmo assim ampliar o significado de signo que seu interpretante seja uma mera qualidade de sentimento[...] Um signo é, por conseguinte, um objeto que está em relação com o seu objeto, por um lado, e a um interpretante por outro, de tal modo a trazer o interpretante em relação a um objeto, que correspondendo à sua própria relação ao objeto. Eu poderia dizer ‘semelhante a sua própria' pois uma correspondência consiste em uma similaridade; mas, talvez, a correspondência seja mais estreita.

de informação; David Savan, trabalhando detalhamente, inclusive cooperando as duas divisões peircianas; e Hanna Buczyńska-Garewicz, entendendo o interpretante no sentido teleológico, mas ao mesmo tempo “panorâmico” (SANTAELLA, 2012).

No período em que Peirce intensificava seus estudos em Semiótica e Pragmatismo, ele confessou algumas dúvidas nas cartas à pensadora inglesa Lady Welby. Em 1904, Peirce divide pela primeira vez os interpretantes em: Imediato (imediatamente expresso, sob a categoria de primeiridade); Dinâmico (efeito in concreto, sob a categoria de segundidade); e

Final (sob a categoria de terceiridade, que atingiria um efeito final, idealmente concretizado).

A segunda tricotomia de interpretantes, concluída por volta de 1907, também entremeada com as categorias fenomenológicas, dividiu-se em: Emocional (primeiridade),

Energético (segundidade) e Lógico (terceiridade).

Ainda que Peirce não tenha aglomerado as duas tricotomias de interpretantes em uma única divisão, David Savan (1916-1992) entendeu que a segunda tricotomia partiria do segundo interpretante da primeira divisão. Essa divisão, entendida e proposta por Savan, possui, atualmente, muitos seguidores (apud SANTAELLA, 2012, p 81):

1. Imediato

2. Dinâmico 2.1 Emocional 2.2 Energético 2.3 Lógico

3. Final

James Liszca, estudioso das ciências normativas de Peirce, discorda em relação à subdivião de Savan; entretanto, concorda com a aplicação da segunda tricotomia em relação às artes. Olharemos com mais detalhes a tricotomia: Emocional, Energético e Lógico, bem como enfatizaremos os interpretantes emocionais e lógicos para efeito de aplicação na composição musical.

Denominamos interpretante emocional aquele que está sob a categoria da primeiridade, ou seja, é o primeiro efeito do signo, sua (s) qualidade(s). Segundo Charles Peirce:

This "emotional interpretant," as I call it, may amount to much more than that feeling of recognition; and in some cases, it is the only proper significate effect that the sign produces. Thus, the performance of a piece of concerted music is a sign. It

conveys, and is intended to convey, the composer's musical ideas; but these usually consist merely in a series of feelings. (apud SHORT, 2007, p. 184)48

Devemos nos atentar para que não haja confusão do significado emotivo, ou seja, com “carga emocional que acompanha uma atitude valorativa, positiva ou negativa proporcionada por um signo” (SAVAN apud SANTAELLA, 2012, p. 78-79).

O Interpretante energético consiste no esforço energético despendido, seja físico ou mental, intrinsicamente conectado à segundidade. Nas palavras de Peirce:

If a sign produces any further proper significate effect, it will do so through the mediation of the emotional interpretant, and such further effect will always involve an effort. I call it the energetic interpretant. The effort may be a muscular one […] but it is much more usually an exertion upon the Inner World, a mental effort (apud SHORT, 2007, p. 184)49.

Em outras palavras, há sempre uma reação ou resistência com dispêndio de energia no mundo real.

O interpretante lógico evoca o entendimento, o pensar produzido pelo signo. É de natureza voluntária, segundo a autora. Citamos David Savan, que com muita precisão esclarece:

Se certas ações são realizadas sobre objetos que respondem a uma certa descrição, resultados de uma espécie geral serão observáveis. Os atos que a regra prescreve podem ser musculares e físicos, ou eles podem ser atos imaginativos experimentados sobre imagens e diagramas mentais [...] As ocorrências da regra ou hábito se dão num conjunto particular de ações dentro de um período de tempo limitado (SAVAN apud SANTAELLA, 2012 p. 19).

Revela-se o interpretante lógico, por exemplo, nas normas ou regras de um sistema modal, tonal ou dodecafônico, escolhidos e adotados na estrutura composicional por um determinado compositor para uma determinada obra. Do ponto de vista do ouvinte, Thomas L. Short (2007), com cautela, atenta-nos de que o interpretante lógico não privilégio de um educador, musicólogo ou crítico. Um ouvinte com um mínimo de conhecimento e que gradualmente familiariza-se com um compositor e reconhece algumas qualidades e índices, é

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Este "interpretante emocional", como eu lhe chamo, pode elevar-se muito mais do que o sentimento de recognição; e, em alguns casos, é o único efeito significante adequado que o signo produz. Assim, a performance de uma peça de música de concerto é um signo. Ela transmite, e se destina a transmitir, as idéias musicais do compositor; mas estes geralmente consistem apenas em uma série de sentimentos.

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Se um signo produz qualquer efeito adicional, ele irá fazê-lo através da mediação do interpretante emocional, e tal efeito adicional será feito sempre com esforço. Chamo-o de interpretante energético. O esforço pode ser um muscular [...] mas é geralmente um esforço sobre o Mundo Interior, um esforço mental.

um interpretante lógico. Inclusive, exemplifica com Stravinsky, Le Sacre du Printemps, que comentaremos no capítulo três. Ao colocar pela primeira vez para seus alunos a referida obra de Stravinsky, eles geralmente associam a uma obra estranha, desconfortável, selvagem – demonstrando interpretantes emocionais. Conforme compreendem aspectos da música do início do século XX em outro país, e mais audições, formam-se interpretantes lógicos.

Retomando a classificação inicial, Santaella entende que o interpretante imediato, na lição de Peirce, apresenta o caráter vago e indeterminado do signo, o qual poderia também apresentar a característica do interpretante dinâmico e emocional. Em relação ao interpretante dinâmico, Peirce perpassa a definição através da compreensão dos interpretantes emocional, energético e lógico. Nessa linha sequencial, se alcançaria a definição do interpretante final, idealmente elaborado. Assim, segundo Lucia Santaella, por um viés pragmático, incide a ação do hábito, sendo esse transformado, mediante autocorreções, em signo-pensamento:

Conforme se pode ver, chegar ao ponto final da teoria do interpretante é simultaneamente encontrar o ponto em que não se pode mais considerar o interpretante sem que se leve em conta o tipo ou a natureza do signo sob exame. Se este pertence dominantemente à categoria da primeiridade (ícone e derivados), isto é, se o signo se apresenta ao interpretante final como remático, a tendencialidade ou propósito, que norteia seu curso no tempo, é praticamente estético (o admirável). Se o signo é de natureza prioritariamente indicial, isto é, apresenta-se ao interpretante final como signo dicente, seu fio condutor é de caráter ético-prático. No caso do signo genuíno, essencialmente triádico, apresentando-se ao interpretante final como argumento, o propósito que o norteia é de natureza crítico-pragmática. (SANTAELLA, 2010, p. 85).

Ao final, a autora, reportando-se à análise de Buczinska-Garewicz sobre as tricotomias propostas por Peirce, apresenta as seguintes reflexões: a) a introdução da tricotomia emocional, energético e lógico na classificação dos interpretantes imediato, dinâmico e final serviu para demonstrar que o sentimento integra o signo pensamento; b) que o signo, em sua tríade, pode ter seu processo de interpretação interrompido e, ainda, assim ser suficiente em sua função, a exemplo de produzir unicamente o sentimento; e c) a introdução da tricotomia emocional, energético e lógico prestou-se a amparar o processo de interpretação dos ícones e índices.

A partir dessa exposição, concluímos, em primeiro lugar, que a tricotomia de interpretantes: emocional, energético e lógico amparam com melhor exatidão o processo de interpretação do ícone e índice, e, em segundo lugar, porque, verificando os vocábulos utilizados por Peirce, esta tricotomia seria a mais ontológica dentre as duas. Desta forma, prosseguiremos a pesquisa enfatizando essa tricotomia, especialmente os interpretantes emocionais e lógicos, que se aplicam com maior precisão às obras musicais.

No próximo capítulo, iremos expor com maior ênfase a semiótica na divisão dos signos segundo seu objeto: em ícone, índice e símbolo, a saber, analisando elementos sonoros indiciais de brasilidade: os naturais com a Floresta Amazônica, o canto do pássaro uirapuru e– paralelamente à constatação de índices de influências de compositores estrangeiros como Richard Wagner e Igor Stravinsky.

No vocabulário semiótico, o símbolo externo- exosignos- como por exemplo, as ambientações da Floresta Amazônica, bem como a análise certificar-se-á de conter pontualmente os

endosignos “internos” ao signo musical, ponto de vista da estrutura da composição musical,

como por exempo, a escala octatônica e a ampla utilização da síncopa, podendo ser considerada um símbolo na música brasileira.

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